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JESUS CRISTO

O testemunho sobre Jesus Cristo consta de duas partes, duas vertentes, intelectualmente inconciliáveis : Jesus foi um homem muito bem situado na história, com todos os caracteres de um ser humano.Jesus Cristo é também o Deus único do monoteísmo mais estrito, o monoteísmo judaico.É Deus. Não é outro Deus, mas esse Deus único que os judeus adoravam, o Deus que não tem nome, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. É chamado Filho de Deus, mas esse Filho não modifica a unicidade do Deus dos hebreus.Vamos examinar sucessivamente essas duas vertentes

 

 

1.Jesus é um judeu.

 

Jesus era e é um judeu. Para ele ser judeu não é um acidente sem importância. Jesus sabia que Israel era, como ainda é, um povo único na história  humana, totalmente diferente de todos os outros. A unicidade de Jesus tem uma primeira origem na unicidade do seu povo. Não há no mundo outro povo de Israel, outro povo igual a esse.

Ser judeu é algo fundamental na sua personalidade de Jesus, na sua missão e no seu destino. Ser judeu é o centro da consciência que ele tem de si mesmo.Ele tem a consciência de estar encarnando de certo modo todo o seu povo, de ser responsável pelo destino do seu povo. Ele “é” o seu povo. Está consciente de que a Bíblia, que é o livro do seu povo, fala dele, e, por isso, ele descobre na Bíblia a sua missão. Ele tem consciência de realizar um destino que já foi anunciado e descrito na Bíblia, que é a história do seu povo e a sua história ao mesmo tempo.

O povo de Israel tem uma identidade tão forte que nunca se dissolveu nos povos e nas culturas com os quais conviveu durante tantos séculos. Mas, ao mesmo tempo, Israel tem a consciência de ter uma missão universal. Abraão é o pai da humanidade inteira, vai gerar um povo imenso, inumerável. Israel sente que tem uma mensagem para todos os povos.Essa é a consciência de Jesus. Jesus sente-se associado ao destino universal do seu povo.

Porém, aos seus olhos Israel não foi fiel, e se deu uma identidade falsa, que era uma corrupção da sua vocação e o tornou inapto a realizar a sua missão. Com essa falsa identidade,  Israel levantou entre si mesmo e os outros povos barreiras tão elevadas que os outros povos se sentiram rejeitados, excluídos. Jesus pretende restabelecer a identidade do seu povo e abrir as portas para todos os povos porque o seu povo de Israel está serviço das nações do mundo.Jesus vem destruir as barreiras que foram construídas pelos falsos chefes do povo. Veio para restaurar a exata identidade do seu povo, como serviço prestado a toda a humanidade.

O paradoxo é que Jesus foi publicamente rejeitado, condenado e levado à morte por crime de blasfêmia pelos chefes religiosos desse mesmo povo que queria restaurar. Foi condenado em nome da mesma Bíblia em que ele lia a sua missão. Havia nele e neles duas leituras incompatíveis, radicalmente opostas da mesma Bíblia. De certo modo essa dualidade persevera até hoje.. 

Na mente de Jesus, o seu povo de Israel é o portador de uma mensagem de esperança e tem por destino anunciar essa esperança a toda a humanidade. A mensagem de esperança de Jesus, ele não acha que seja nova, mas que é simplesmente a continuação da mensagem que desde Abraão Israel está encarregado de anunciar. A esperança é de um mundo de justiça e de amor, na humanidade toda e não somente dentro de Israel. Esta mesma esperança já está presente em todos os povos da terra (Lc 2,31-32; At 10,35; 19,26-28; Rom 1,19-20). Os evangelhos situam exatamente Jesus no centro dessa esperança, que era a mensagem de Israel, o seu povo..

 Israel tem a consciência de ser um povo pequeno, fraco, cem vezes derrotado, humilhado, maltratado por povos mais numerosos, integrado dentro de  poderosos Impérios, mas sempre chamado a se converter para ser fiel à sua vocação. É o povo mais fraco da terra e por isso Deus o escolheu. Por ser o povo mais fraco, Israel tem uma missão  universal, mas exatamente oposta à missão universal que os Impérios se atribuem. Não veio para conquistar,mas para anunciar a libertação de todos os povos, isto é para renovar e confirmar a esperança que estava desde sempre nos seus corações de todos os povos.

Por todas estas maneiras Israel tem a consciência de ser a reconciliação do particular e do universal, do único e do múltiplo. Israel é único e no entanto não se opõe aos outros mas está destinado a uni-los na justiça e na fraternidade. Tem uma missão universal, mas sem dominar, sem impor a sua identidade aos outros, pois a sua identidade consiste justamente no serviço aos outros. Este foi o primeiro ponto de partida de Jesus, o fundo humano sem o qual não o podemos interpretar.

 

2.Os profetas.

 

Jesus teve consciência de ser um profeta. Historicamente, isto não se pode discutir. O que é um profeta ? Como foi que Jesus entendeu o papel do profeta ? 

O profeta é a consciência do povo de Israel. Ele é a inteligência e a voz que mantém a memória da vocação de Israel. O profeta denuncia os desvios, as traições do seu povo, quando este se esquece da sua vocação tornando-se semelhante aos outros que se fecham na sua identidade e na sua cultura. Ele entende que a sua missão é lembrar que o seu povo está aí para anunciar um reino de justiça e de amor, e que há outros povos que se fazem uma religião diferente de sorte que imitar  a religião do Egito ou da Mesopotâmia ou dos povos vizinhos, é abandonar a própria vocação.

O profeta lembra que o que Deus quer, é a justiça e o amor, e não o culto. Deus não precisa de culto. Não precisa de nada. Ele é quem dá. Mas ele quer a justiça e a misericórdia. O profeta reanima a esperança dessa justiça e dessa misericórdia, repetindo as promessas divinas e lembrando o papel de guardar essas promessas, fazendo delas a eixo da vida. 

Os profetas opõem-se à guerra e à vontade de poder e de dominação que sempre contaminou os chefes de Israel quando o povo estava independente. Os chefes queriam imitar os grandes. Os profetas condenam todas as formas de violência em Israel como nos outros povos.Condena  a violência dos grandes Impérios que acham que podem dominar pela força.Os profetas proclamam que um verdadeiro Israelita desafia qualquer dominação sem  violência.

Os profetas descobrem que Israel perde a vocação cada vez que quer assimilar-se aos povos vizinhos, imitando a religião deles, fazendo como eles uma religião de culto de não de justiça e amor. Descobrem que há uma força de mal que é comum a todos os povos e que Israel não consegue eliminar apesar de tantas denuncias. É a força do pecado. O pecado é morte e mentira. O pecado é matar e o pecado é  mentir, dando à morte o nome de vida e à vida o nome de morte. Os profetas anunciam o reino de Deus em que a  vida vencerá a morte e Deus vencerá o pecado. Pois esta é a força de Deus.O pecado não se destrói pela dominação ou pela imposição, mas pela força de Deus nas consciências humanas.

Os profetas não excluem qualquer culto, mas o culto tal como é praticado pelos seus contemporâneos. Há no culto de Israel elementos que cabem dentro da perspectiva profética como por exemplo os salmos, pelo menos na grande maioria dos seus textos. De modo geral, os profetas entraram em conflito com os responsáveis do culto, os sacerdotes, ainda que houvesse também profetas sacerdotes, que purificavam o culto de tudo aquilo que é corrupção da justiça e do amor. Em todo caso, não é o culto o que Deus quer. O culto procede dos seres humanos e pode dar bons frutos com a condição de não tomar o lugar daquilo que Deus quer, e que é a justiça e a misericórdia

Os profetas foram perseguidos tanto pelas autoridades políticas quando povo tinha exército e dominação, como pelas autoridades do templo. Pois, os sacerdotes e demais autoridades sentiam que a sua dominação estava ameaçada pela mensagem dos profetas.

 

3.Jesus foi um profeta.

 

Os quatro evangelhos concordam: todos apresentam Jesus como um profeta e dão testemunho de que o povo descobriu nele um profeta (Mt 14,5; 2111; Lc 1,76; 7,16; Jo 4,19; 7,40). Identificou-o como profeta. Pelo que nos dizem de Jesus, de fato não havia outra identidade possível. Além dos evangelhos não temos outras fontes que possam acrescentar elementos importantes ao que eles nos dizem. Os evangelhos ditos apócrifos que foram afastados pela tradição cristã, nada acrescentam que pudesse contestar o valor histórico do ser profético de Jesus.

Não há no dicionário palavra que possa expressar mais exatamente o sentido da vida e dos atos de Jesus. A categoria de profeta é aquela que permite unificar todos os ditos e de fatos de Jesus numa compreensão de conjunto. Por outro lado, não se acha nas outras culturas, salvo no judaísmo e no islamismo uma figura semelhante à figura do profeta. Por isso a história dos profetas e tão importante para entender Jesus.Mais tarde em outras culturas quiseram fazer dele um sábio, um filósofo, um místico, um religioso, uma taumaturgo. Mas nada disso nos ilumina. Ele foi um profeta.

Como profeta, veio para reativar a esperança de Israel. Não anunciou uma coisa nova porque esta esperança estava no coração dos pobres e dos simples. O que Jesus acrescenta, é que esse reino começa desde já.  Jesus estabelece uma relação entre as obras que faz, e essa presença imediata do reino de Deus. 

Como profeta, Jesus veio exortar o seu povo a fazer uma conversão total. Israel estava no pecado. Tornou-se semelhante a todos os outros povos. Deixou de praticar a justiça e o amor. A própria lei foi desviada e serviu para encobrir todos os desvios e as mentiras dos poderosos e para esmagar os pobres. A própria lei deve ser superada, chegar à sua perfeição, que é realização perfeita do amor ao próximo. Pois, o amor de Deus está no amor ao próximo e o amor a Deus está no Samaritano e não está no sacerdote nem no levita do templo.A conversão é conversão ao amor. Na parábola, o amor está representado por um herege e a falta de amor por um sacerdote um levita. Não se podia falar mais claramente. Não está no culto a salvação.

Como profeta Jesus anuncia o fim do culto que penetrou e ocupou tanto espaço no seu povo. Não haverá mais templo, e, por conseguinte, não haverá mais sacerdotes, nem sacrifícios. Deus não quer nada disso. Em nome da religião esse culto de sacrifícios, de sacerdotes e de templo, somente serviu para enriquecer os mais poderosos e os mais expertos com detrimento do povo que deve sustentar economicamente esse enorme edifício social.

Como profeta, Jesus fez sinais maravilhosos da chegada do reino de Deus. Com certeza o imaginário religioso popular ampliou, aumentou, multiplicou os milagres de Jesus como sempre faz cada vez que aparece uma pessoa dotada de um carisma diferente. Jesus chamou certamente a atenção pelas curas que fazia, mas é impossível determinar o fundo histórico das narrações evangélicas. De qualquer maneira os judeus já sabiam que os profetas fazem milagres e Jesus renova dos milagres de Elias ou Eliseu, por exemplo.

 

4.Jesus é o Messias

 

A espera de um Messias era outro fundamento da visão do mundo de Israel.. Nos tempos de Jesus vários líderes apareceram em Israel apresentando-se como Messias. Mas todos foram derrotados e desmentidos.. Com tanta gente afirmando que era o Messias, no caso de Jesus houve também desconfiança. O próprio João Batista teve dúvidas e este dado deve ser autêntico, porque não se explica porque a lenda ulterior teria inventado um fato tão negativo.

Havia muitas idéias a respeito do Messias, pois não havia em Israel uma autoridade magisterial qualificada para dar interpretação oficial da Bíblia. Entre os próprios doutores havia várias escolas.No entanto, havia uma grande convergência a respeito do Messias nos textos bíblicos que falavam dele.Ele devia ser um profeta que convocaria o povo a uma conversão total, deixando todo o seu pecado histórico de infidelidade a lei de Deus e também seria um rei encarregado dce fundar o reino de Deus.Como seria o profeta ? como seria o rei? Como viria o rei ? Nesses assuntos havia uma grande variedade de interpretações.

Dos textos evangélicos é difícil decidir se Jesus realmente sabia que era o Messias, ou em que momento teria tido a convicção de ser o Messias. Os textos insinuam que discípulos tiveram dúvidas, e tiveram uma idéia errada do Messias. Os discípulos estar influenciados pela idéia popular. O messias seria um grande líder popular que conseguiria expulsar os Romanos e estabelecer um novo Israel livre conduzido por um novo Davi. 

Havia também judeus piedosos que estavam na oposição ao clero dominante e achavam que nesta terra o reino de Deus era impossível: esperavam um Messias que viesse do céu para pôr fim a este mundo e criar um novo mundo. 

Alguns intérpretes duvidam que Jesus tenham tido a consciência de ser o Messias. Ou então eles se perguntam como teria evoluído a consciência messiânica de Jesus. Jesus devia saber que ele não se parecia muito com a idéia que o povo tinha do Messias. No entanto muitos Israelitas e entre eles os discípulos insistiam em reconhecer nele o Messias.

Com o crescimento da oposição das autoridades,  Jesus achou na Bíblia outra figura de Messias, uma figura que combinava melhor que a sua experiência.. Ela estava em vários anúncios proféticos, sobretudo no Segundo Isaias.. Há profecias que anunciavam um Messias humilde, pobre, sem força, um Messias manso e sem violência que se dirige aos pobres e prega a conversão e anuncia um reino de paz e felicidade para os pobres. Esse  Messias seria rejeitado, perseguido, condenado e morto. Mas Deus lhe restituiria o poder. Os evangelistas dão muito destaque a profecia de Isaias 53. Evidentemente esse texto serviu mais tarde para discutir com os judeus que não aceitavam a messianidade de Jesus por causa da sua morte. Porém, o próprio Jesus deve ter tido a consciência de responder a esse retrato. Diante das negações e das acusações das autoridades, Jesus deve ter pensado que aconteceria com ele o que aconteceu com  o Servo de Isaias. 

Qual é o papel do Messias no sentido cristão? Está expressado pelo texto do cântico de Zacarias no evangelho  de Lucas :”salvação que nos liberta dos nossos inimigos e de todos os que nos odeiam” (Lc 1,71). Esta é a realização das promessas feitas desde os tempos de Abraão e renovadas durante os séculos que nos separam dele ( Lc 1,55.69). A sua missão é “guiar nossos passos no caminho da paz” (Lc 1,79).

 

5.A morte de Jesus

 

A interpretação da morte de Jesus constitui o problema teológico mais importante da atualidade. Sucede que durante quase 2000 anos predominou tanto na mente popular como na teologia oficial uma teoria que podemos chamar de teoria do sacrifício, que é comum a todas as Igrejas cristãs. Por conseguinte, contestar essa teoria é contestar a teoria dominante de todas as Igrejas, as protestantes talvez mais ainda do que as católicas.O problema é mais grave ainda porque provavelmente a teoria do sacrifício tem raízes profundas em muitas religiões. Muitas praticam sacrifícios, e aceitam a ideologia do sacrifício. É provável que muitos povos aceitaram o cristianismo exatamente por causa dessa interpretação sacrifical da morte de Jesus. Eles praticavam sacrifícios e não poderiam ter aceito uma religião que não tivesse  sacrifícios. No entanto o novo Testamento suscita sérias perguntas.

A teoria diz o seguinte. A reconciliação com Deus somente é possível se a humanidade oferece a Deus um sacrifício para compensar as ofensas do pecado, ou para conquistar os favores dele. Deus exige um sacrifício. Ora o sacrifício é algo oferecido a Deus. O sacrifício mais comum é o sacrifício de animais: o sangue do animal produziria esse efeito de reconciliação com Deus. A destruição da vida seria supostamente um dom feito a Deus. Dentro desse esquema, a morte de Jesus seria um sacrifício oferecido a Deus como satisfação ou expiação pelos pecados, ou como mérito para atrair os favores de Deus. A morte do sacrificado é o canal da reconciliação e da vida. Daí a idéia generalizada que tudo tem que ser pago. Toda felicidade tem que ser paga por uma tristeza. Deus somente é acessível mediante a humilhação do ser humano: é o preço a ser pago pela humanidade: Jesus paga em nome da humanidade . A salvação deve ser comprada. Há varias expressões dessa teoria mas todas convergem.

De acordo com essa teoria Jesus morreu porque foi escolhido para ser a vítima propiciatória. Sendo Filho de Deus foi enviado pelo Pai para morrer e pela sua morte acalmar a ira do seu Pai e dessa maneira reconciliar a humanidade pecadora. Deus somente perdoa depois de receber uma satisfação e essa satisfação é a morte do seu Filho. As circunstâncias  históricas da morte de Jesus seriam puramente contingentes porque essa morte estava no programa. Jesus teria nascido para poder morrer como vítima sacrifical.

Há milhões de paginas escritas pelos teólogos cristãos para dar as razões e as conveniências dessa teoria. Para a maioria dos cristãos, ela é a peça central da doutrina cristã.

Como explicar que as imensas maiorias acham natural que Deus exija a morte do seu Filho para`poder perdoar ? Qual seria o pai na terra que poderia exigir a morte do seu filho para poder perdoar ? Tal pessoa não seria considerada um monstro? Como é que aceitam a visão de um Deus-monstro ? Como imaginar que Jesus se submeta a esse destino e como Ifigênia aceite ser vítima para expiar os pecados dos outros? Jesus poderia ter pensado que Deus é assim, exigindo o sangue derramado paras poder perdoar ? Deus estaria ligado por uma lei de fatalidade mais forte do que ele mesmo, uma lei que exigiria o preço do sangue ?

Essas barbaridades foram aceitas, celebradas nas liturgias, glorificadas pelas teologias e aceitas com entusiasmo pelos povos porque há algo dentro do inconsciente humano que aceita a teoria do bode expiatório e de certo modo conta com ela para se libertar dos sentimentos de culpabilidade. O que fala aí não é a palavra de Deus, mas o inconsciente. O inconsciente é mais forte do que a  razão, e na religião as pessoas estão dispostas a aceitar o mais absurdo porque o sagrado justifica tudo e permite que o inconsciente predomine sobre a razão. Este é perigo de todas as religiões : permitir que o inconsciente prevaleça e apague a razão e a consciência. Por isso, a religião não pode ser de modo algum a última instância na humanidade. Há uma voz muito mais determinante do que a voz da religião, que é a voz dos  profetas.

O que provocou a confusão foi o recurso ao Antigo Testamento, e a todo o seu aparelho sacrifical. No Antigo Testamento atribuem a Deus a fundação do sistema do culto com o templo, o sacerdócio e o sacrifício. Nos tempos de Jesus essa teoria é a base da sustentação do templo e do todo o sistema que é o centro econômico e político de Israel e não somente religioso. A teoria sacrifical está impregnando o povo todo. Poucos foram os que não cederam à força do sistema, como por exemplo os Essênios.

Depois da ressurreição de Jesus os discípulos tiveram que compreender a morte dele,   dar a essa morte um sentido positivo que pudesse destruir a impressão de derrota. Uma comparação com os sacrifícios era bastante óbvia: houve uma morte que deu resultado positivo.  Havia algumas semelhanças : no caso de Jesus, como nos sacrifícios, a morte tem um efeito favorável: da morte sai vida. No caso de Jesus como nos sacrifícios o sangue derramado foi seguido de um efeito positivo, do sangue saiu a vida.  No entanto a isso se limitam as semelhanças. Havia também muitas diferenças. A morte de Jesus em momento algum aparece com o ato religioso, como ato de culto. Não houve nenhum sacerdote para imolar Jesus que também não foi imolado no templo. Jesus nunca expressou a consciência de ser um animal a ser sacrificado  pela remissão dos pecados.No contexto da morte de Jesus nada evoca um sacrifício, mas tudo evoca um ato razão de Estado do governador romano, Pilatos, com o apoio das autoridades judaicas.. 

Por isso os evangelhos evocam a morte de Jesus historicamente: Jesus foi morto porque foi rejeitado pelas autoridades do povo, que o expulsaram e o entregaram aos Romanos.Essas autoridades nunca pensaram em oferecer um sacrifício. Eles faziam atos de oposição, de rejeição de um falso Messias. 

De acordo com  os evangelhos. Jesus foi morto porque foi fiel à sua missão. Não quis ceder, não quis renegar a sua mensagem. Quis enfrentar o sistema religioso dominante sem armas, mas com toda a sua vontade, toda a sua força de palavra. Não quis fugir quando soube do perigo, mas foi afirmar a sua posição em Jerusalém, na fortaleza dos seus inimigos com um gesto que era uma condenação do templo e implicitamente de todo o sistema religioso. Desafiou os doutores acusando-os dos piores pecados. Desafiou a hipocrisia da religião dos mais piedosos que eram os fariseus. Para dizer tudo numa palavra, condenou todo o sistema religioso das elites judaicas. Fez isso com a consciência de ser fiel à tradição dos profetas e de ser fiel ao seu Pai. Cumpriu a sua missão integralmente sem fraqueza e por isso entregou-se aos seus adversários já que era o Messias pobre e humilde que não recorre às armas para defender a verdade.O valor da morte de Jesus foi a fidelidade inabalável, a força da fé, a confiança absoluta no Pai, mesmo na noite obscura da paixão e da cruz, quando aparentemente o Pai o tinha abandonado nas mãos dos seus inimigos.

A doutrina básica sobre a morte de Jesus é que por causa da sua fidelidade e obediência à sua missão, Jesus foi feito salvador, rei, senhor, cristo, (At 2,36; 4,12; 10,42). Ele foi encarregado de enviar o Espírito Santo.(At 2,33). Não se trata de entender isso no sentido de que Jesus mereceu essa nova missão como se fosse uma recompensa. Esta idéia está completamente ausente. Tudo foi iniciativa e desígnio de Deus.Deus fez de Jesus o salvador porque ele tinha mostrado fidelidade na sua missão. A missão de Jesus foi proclamar a verdade: a verdade sobre Deus, ou seja que Deus é amor gratuito e perdoa tudo e estabelece os seu reino aos que seguem a verdade. A verdade é o verdadeiro caminho mostrado por Jesus que é o caminho do reino de Deus. Jesus morreu por causa dessa verdade. Mas justamente porque disse à verdade, ele foi feito salvador, condutor e rei do povo de Deus, verdadeiro Messias. ( Cristo é a palavra grega para dizer Messias).Jesus atingiu na sua morte o ponto culminante da perfeição humana: a afirmação da verdade contra todos os poderes humanos, a afirmação da verdade sobre Deus contra os que se achavam os proprietários de Deus.Dessa maneira Jesus mostrou que era a pessoa designada para ser o chefe condutor da humanidade para a sua vocação. Era o ser humano impecável, irrepreensível. Mostrou que era qualificado para a missão messiânica.

Sucede que pessoas impregnadas do Antigo Testamento projetaram sobre Jesus as categorias às quais estavam acostumadas. No entanto, desde o início os autores dos livros do Novo Testamento e os escritores das primeiras gerações perceberam que havia uma discrepância entre o sentido tradicional do sacrifício e o que aconteceu com Jesus. Multiplicaram os matizes, os corretivos e insinuaram que no caso de Jesus a palavra sacrifício adquiriu um novo sentido. O mal-estar dos escritores mostra que é preciso mudar o conteúdo das expressões sacrificais para poder aplicá-las à morte de Jesus.Abunda a fórmula que Jesus morreu “por nós” ou “pelos nossos pecados”.Essas fórmulas pertencem ao vocabulário dos sacrifícios. Porém, no contexto cristão elas recebem outro sentido. “Por nós” não quer dizer que Jesus morreu em sacrifício par pagar o preço da nossa salvação, ou para merecer a nossa salvação, mas que Jesus foi estabelecido pelo Pai como Messias graças a sua fidelidade até a morte.Infelizmente dentro deste breve artigo não há espaço para explicar todos esses textos aludidos do Novo Testamento..

Em todo caso, a doutrina sobre Deus ensina que tudo é dom gratuito de Deus. Não se merece ou se conquista o dom de Deus. O perdão dos pecados é gratuito, iniciativa do Pai e não é resposta a qualquer sacrifício de Jesus ou dos homens.

 Sucede que as mentalidades estavam impregnadas por essa teoria. Os primeiros cristãos eram judeus com uma mentalidade impregnada pela teoria do sacrifício. Os primeiros discípulos procedentes do paganismo estavam mais impregnados ainda por essa teoria. Os redatores do Novo Testamento tinha essa teoria no subconsciente e procuraram muda-la. No entanto mais tarde a teoria foi reassumida com mais dureza ainda. Mais tarde houve vários retornos ao Antigo Testamento produziram a reintegração do sistema sacrifical e cultual na Igreja. Fizeram templos, fizeram sacerdotes e fizeram da eucaristia novos sacrifícios reproduzindo o sacrifício da cruz. Uma das tarefas mais urgentes da teologia consiste justamente num exame renovado de toda essa história de recuperação judaica do cristianismo.

 

6.A ressurreição de Jesus.

 

De certo modo podemos dizer que o cristianismo consta numa expressão: Cristo ressuscitou! Sempre foi vivido assim pelos mais autênticos representantes,pelos mártires, pelos missionários, pelos Santos Padres e assim por diante, mais na Igreja do Oriente do que no Ocidente por diversas razões históricas, mas sempre no centro. O cristianismo não é uma religião, não é o culto de Jesus, mas a proclamação : Cristo ressuscitou!. Trata-se de um fato em si não religioso, porque se trata da ressurreição de uma pessoa que não tinha nenhum significado religioso.Muitas vezes fizeram dele um ente religioso, uma vítima de sacrifício mas acabamos de dizer que tudo isso é uma reinterpretação falsa da morte de Jesus. A ressurreição não é fato em si religioso. É um fato de vida. É um fato que afeta o povo de Israel, porque a partir desse momento o povo de Deus muda. Como diz Mateus, o véu do templo ficou rasgado. Todo o sistema antigo caiu por terra e em Jesus o povo iniciava uma nova carreira.

A ressurreição de Jesus significou para os discípulos a autenticidade do fato Jesus. A ressurreição dava um desmentido à interpretação que os chefes de Israel deram à morte de Jesus. A morte foi uma etapa para a ressurreição.Não foi o fim de Jesus, mas o começo. Deus desmentia os judeus e proclamava claramente que Jesus tinha a razão. Não somente Deus deu razão à sua mensagem, mas fez dele o chefe, a cabeça, a vida do seu povo.

Diante da ressurreição de Jesus houve entre os discípulos duas interpretações. Para muitos, inspirados no apocaliptismo muito desenvolvido entre os pobres, não havia nada que esperar nesta terra, mas era preciso esperar a destruição deste mundo e a chegada do novo. A ressurreição significava para eles que Jesus estaria de volta em breve para julgar o mundo. A ressurreição de Jesus significava que a nossa ressurreição estava próxima. Os escritos do Novo Testamento mostram que essa interpretação teve muitas simpatias.A outra interpretação  era que com Jesus começava uma nova etapa do povo de Deus, mas sem pensar que o fim dela fosse tão iminente. A ressurreição de Jesus abria uma nova época na história deste mundo. Entender essa nova época seria o objeto das reflexões das primeiras gerações e de certo modo de todos os tempos.Esta reflexão ainda não terminou.

Sobre as circunstâncias históricas da ressurreição de Jesus, pouco sabemos, para não dizer que não sabemos quase nada. Os evangelhos oferecem narrações de fatos apresentados com provas da ressurreição: túmulo vazio. aparições. Cada evangelho  tem as suas narrações próprias. São provavelmente redações tardias inspiradas já pela devoção. Paulo é muito discreto para falar da aparição de Jesus.Não adianta querer saber mais. O fato inegável é que os discípulos venceram o  desânimo e o medo porque tiveram a evidência da ressurreição de Jesus, embora não saibamos dizer de que maneira historicamente essa fé nasceu. Sem essa fé na ressurreição, nada teria acontecido. A própria lembrança de Jesus  teria sido perdida. A memória dos discípulos fixou-se na ressurreição. A partir dessa fé na ressurreição salvaram a mensagem de Jesus.

Os escritos do Novo Testamento mostram que na origem e na expansão do cristianismo desde o início tudo está centrado na ressurreição de Jesus e nas conseqüências dessa ressurreição.

Houve uma reflexão sobre a ressurreição e sobre Jesus ressuscitado, uma reflexão que explicitou as conseqüências para a humanidade dessa ressurreição. Paulo e João deixaram as reflexões mais profundas, que teriam que ser a base das teologias cristãs.

A evidência da ressurreição de Jesus foi o ponto de partida daquilo que sociólogos qualificam de divinização de Jesus. Isto quer dizer que os discípulos reconheceram em Jesus ressuscitado era o próprio Deus. Não há sinal de que Jesus se tivesse apresentado como Deus. Não sabemos se Jesus tinha consciência de ser o próprio Deus. Os teólogos escolásticos elaboraram teorias a esse respeito mas tudo foi na base de deduções. Os textos evangélicos não permitem essa conclusão.

Quanto aos discípulos, com certeza nunca souberam que Jesus era Deus. Esta convicção que era um descobrimento apareceu diante da evidencia da ressurreição.Como puderam conciliar essa convicção com o seu monoteísmo judaico que continuaram afirmando com a mesma força ? Em todo caso para as primeiras gerações há um só Messias, um só Salvador porque há um só Deus: um Deus e um Messias. Um só Deus ao qual Jesus dá o nome de Pai e um só Deus que é Jesus, aquele que morreu e ressuscitou. A conciliação das afirmações de origem a muitas controvérsias até que os Concílios ecumênicos dos séculos IV e V deram as fórmulas tradicionais. Estas fórmulas não explicam nada mas estabeleceram uma formulação comum a todos os cristãos.

Para os cristãos somente pode haver um Filho de Deus porque ele é Deus e somente há um Deus. Não se pode dizer que há Deus Pai e o Filho de Deus como duas pessoas separadas. Se fosse assim poderia haver vários Filhos. Mas Jesus é Deus, é Javé, o Deus monoteísta do judaísmo.

A segunda reflexão refere-se à salvação: como fica a salvação depois da ressurreição de Jesus? Pois, esta significa a abolição de todo o sistema religioso judaico e virtualmente também  pobres.O caminho é o seguimento de Jesus, e o seguimento de Jesus é o amor aos pobres, às vítimas, aos oprimidos, aos excluídos, como dizemos hoje em dia.

. Mas nenhuma atividade religiosa salva. Nisso todas as religiões são iguais. Jesus nunca pensou em fundar uma religião porque veio abolir a religião.Nenhuma religião salva porque somente Deus salva.

Com efeito o que é a salvação ? A salvação é o amor: o . Nenhuma religião cria o amor. As religiões são culpadas de muitas faltas de amor na terra. Elas precisam converter-se também ao amor. Nenhuma infunde o amor no coração humano. Somente Deus faz isso num dom gratuito. Quem ama, já esta salvo. Não precisa de mais nada. Já passou da morte para a vida. Já passou do mundo de pecado para o mundo da vida. O amor é a vitória sobre a morte. Quem ama não morre mais, mas apenas muda de condição. Já superou a morte.Já está na vida eterna que será simplesmente a plena revelação desse amor. Quem ama venceu o pecado, porque o pecado é não amar. O pecado é matar, como Jesus  explica aos judeus. O amor venceu o não amor, e por isso quem, ama, já está salvo. O amor salva também da lei e de todas as religiões. Quem ama vai além de todas as leis, porque dá vida. A salvação não é futura: ela é presente, ela já está ativa. O amor salva porque Deus é amor e o que quer, é o amor. A vontade dele é o amor. Esta revelação da salvação muda tudo.

Todas as religiões valem na medida em que orientam para o amor aos pobres. O Islã coloca o amor aos pobres como um dos 5 pilares da religião. Nisto ele orienta para receber de Deus esse amor que é dom gratuito. Cada religião pode ser apreciada pelo mesmo critério. 

 

7.O povo de Deus

 

Jesus não se dirigiu em primeiro lugar para os indivíduos. Ele enxergava o seu povo, o conjunto do seu povo, sabendo da identidade e do destino especial desse povo no meio de todos os outros povos. Quando enxergava uma pessoa, era em função do seu povo e enxergava o seu povo em função da humanidade toda. Escolheu doze discípulos para fazer deles os chefes das doze tribos de Israel,assumindo o lugar dos doze filhos de Jacó. A sua perspectiva sempre é essa, assim como foi a perspectiva dos profetas antes dele. A mensagem que ele emite, se dirige às doze tribos de Israel. Porém o Israel dele não tinha limites. Não estava limitada pela lei de Moisés. Havia que corrigir a lei de Moisés para abrir as portas de tal modo que todos os povos da terra pudessem entrar. Com isto não se queria dizer que todos os povos  já estão no povo de Deus. Somente estão no povo de Deus aqueles que vivem o amor aos pobres qualquer que seja a sua pertença aos povos da terra. Não há nenhuma religião que possa substituir esse amor, nem a religião que se diz cristã.

Foi depois da ressurreição que os discípulos, entenderam que todas as barreiras levantadas por Israel para manifestar e manter a separação dos outros povos, eram pecaminosas porque eram contrárias à vontade de Deus e ocultavam a verdadeira identidade do povo de Deus. Caíram o templo, o sacerdócio, os sacrifícios, a circuncisão, a lei, as tradições, todo o edifício religioso: caiu toda a religião de Israel. Somente ficou o essencial, a mensagem de vida que tinha sido a sua razão de ser desde Abraão,mas que as autoridades do povo tinham esquecido, desviando o seu povo da sua vocação.

Uma vez que toda a religião judaica tinha caído, os discípulos entenderam que não havia mais nada que os separasse dos outros povos. Gregos, romanos e representantes de outras regiões, africanos, asiáticos chegaram e tiveram que reconhecer que não havia obstáculos. Todos os que praticam o amor, são do povo de Deus. 

S.Paulo explica essa mudança em Rom 9-11. A maioria dos judeus seguiu os chefes e se negou a aceitar essa abertura do povo de Deus: quiseram manter a ligação entre o reino de Deus e a sua religião.Por isso eles mesmos se colocaram fora do povo de Deus e levantaram barreiras impedindo a entrada dos outros. Quanto aos que eram considerados pagãos, foram introduzidos no povo de Deus. Fizeram o batismo. O que era o batismo ? Um sinal exterior de saída do mundo do não amor, par o mundo do amor, de passagem da morte para a vida. O que vale não é o sinal. Nenhum sinal salva, porque a salvação é o amor. O batismo é sinal da entrada no reino do amor. Se faltar o sinal, não importa . Os que praticam o amor que é a realidade da salvação já estão salvos. 

O povo de Deus consta doravante dos homens e mulheres livres: livres de toda lei, livres de toda cultura e livres de toda religião, decidindo eles mesmos, escolhendo eles mesmos, sendo eles mesmos e não simplesmente os membros de uma cultura ou de uma religião. A religião pode ter um papel positivo, o que veremos mais adiante. Mas ela também oprime. Jesus veio formar pessoas livres. O seu povo é de seres livres.Claro está que ainda não atingiram a plenitude da liberdade que é idêntica à plenitude do amor.. Alguns chegaram bem perto da perfeição. A maioria está a meio-caminho procurando viver essa liberdade à qual aderiram.

A história dos primeiros tempos mostra que para muitos a anúncio do evangelho de Jesus foi um deslumbramento porque foi uma libertação do pensamento e do agir. Claro que entre nós a maioria dos cristãos não nos dá essa impressão: sinal de que para muitos a religião dita cristã logra abafar quase completamente a voz de Jesus. O culto de Jesus pode ocultar o próprio Jesus.

O povo de Deus pode caminhar em qualquer cultura ou qualquer religião. No entanto todas as culturas e todas as religiões tendem a limitar o amor, a colocar na frente outros valores. Por exemplo a cultura ocidental coloca como valor prioritário o dinheiro. Cada pessoa deve procurar o mais dinheiro possível. Deve entrar numa competição constante para ter mais dinheiro.Com essa condição o amor torna-se muito difícil porque vai em contra dos valores dominantes e a pessoa que ama vai em contra das leis da sociedade e da cultura. 

Sucede que muitas vezes a religião cristã como todas as religiões tende a legitimar o sistema estabelecido e por isso  aceita essa cultura do dinheiro.A religião é quase sempre conservadora e serve para justificar a ordem ou a desordem estabelecida. Por conseguinte ela justifica ou simplesmente aceita sem crítica a injustiça, a dominação, a morte, a opressão dos pobres e dos fracos. Fazemos todos os dias a experiência disso. E dentro de uma religião custa muito procurar viver a prioridade do amor.

Os homens e as mulheres livres formam um povo novo, um povo que vive o amor: este é o povo de Deus. Não importa a raça, o povo, a tribo, a língua, a cultura ou a religião. Tudo isso de agora em diante está subordinado à prioridade da liberdade.Todos estão unidos em Cristo, todos vivendo da mesma vida de Jesus, formando um só corpo com ele. A teologia paulina desenvolveu muito o tema do corpo de Cristo. Cristo exerce agora a sua liberdade e o seu amor por meio dos seus seguidores.Eles são o seu corpo, pelo qual Ele não somente permanece mas se estende no mundo inteiro por meio de todos os seus membros. Esta unidade nada tem de limitado. Pelo contrário ela não cria uma limitação de todos por todos com o nos assuntos da vida econômica. A unidade é fruto do Espírito e portanto ela exalta a liberdade de cada um. O “amai-vos uns aos outros” é a forma suprema da liberdade.”Onde está o Espírito, ali está a liberdade”(2 Cor 3,17).

Os últimos textos do Novo Testamento, como as cartas aos Col e aos Ef, ou o Apocalipse de João, mas também os Atos dos Apóstolos, aplicam a Jesus títulos de soberania universal Ele é declarado “Senhor de todos”(At 10,36).  Deus resolveu “encabeçar em Cristo todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na`terra” (Ef 1,10); “acima de qualquer Principado e Autoridade e Poder e Soberania e de todo nome que se pode nomear não só neste século, mas também no vindouro.Tudo ele pôs debaixo de seus pés e o pôs acima de tudo como Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo: a plenitude daquele que plenifica tudo em tudo”(Ef 1,22-23). Todos os povos formam  só Homem novo”(Ef 2,15), pela queda do muro de separação entre judeus e não judeus. Doravante nada mais separa os povos.Isto quer dizer que todos têm acesso à verdadeira humanidade que é o corpo de Cristo, o seu povo,( pois Igreja tem o sentido de povo de Deus e não de instituição). Isto não significa que se trata de uma espécie de organização das Nações Unidas em que as nações são tomadas tais quais. O povo de Deus, o Homem novo, a nova humanidade é feita dos homens e mulheres livres. Não basta pertencer a um povo para pertencer ao povo de Deus e não podemos dizer que todos os povos são povo de Deus. Nenhum povo é como tal povo de Deus,mas apenas o povo feito de homens e mulheres livres que vivem o amor.

Os títulos de soberania podem ser interpretados de modo totalmente errôneo o que de fato aconteceu na história e ainda acontece hoje em dia. Os títulos de soberania são reivindicados pelos Imperadores, conquistadores do mundo e de modo geral pelos ditadores que exigem poder absoluto. Eles se apropriaram títulos que pertencem ao vocabulário religioso, até o ponto de exigir um culto devido ao soberano total: o culto imperial, cuja figura mas radical está nos imperadores da China ou nos faraós do Egito. Jesus não tem nada à ver com esses soberanos universais. Ele é exatamente o contrário. A soberania de Cristo é ainda aquela do pobre carpinteiro de Nazaré. É uma soberania de liberdade e de amor. Soberano do universo ele não deixa de ser o filho de  José e de Maria de Nazaré. Desde o seu talher de Nazaré ele difunde o amor pelo Espírito no mundo inteiro e rejeita qualquer forma de homenagem ou de culto como se pratica ns cultos imperiais. Estar incorporado no soberano Jesus é estar subordinado na pobreza A unidade da humanidade realiza-se ao nível dos pobres deste mundo, os pobres de uma civilização primitiva, muito simples,condenado e morto pelas  suas convicções. Nesse sentido os textos que proclamam a soberania universal de Jesus não podem ser separados dos textos dos evangelhos, mas devem ser interpretados juntamente com esses textos dos evangelhos.

 

8.O culto de Jesus Cristo

 

Nos evangelhos Jesus nunca pediu atos de culto. Não pediu para ser adorado, nem para ser venerado ou suplicado ou homenageado. Nunca pediu  que se lhe manifestassem expressões de devoção, de amor. Nunca chamou a atenção para si mesmo,a não ser para anunciar a sua morte inevitável, opondo-se à negação dos seus discípulos.Não instituiu nenhuma forma de culto mesmo depois da sua morte. Nas narrações das aparições de Jesus ressuscitado nunca aparece uma expressão pela qual Jesus queria ser adorado ou homenageado. Pede para ser reconhecido como mostra o episódio de Tomé. Mas não pede a Tomé que o adore ou lhe preste homenagem. Está claro que o cristianismo não é o culto de Jesus. Esse culto de modo algum estava nas intenções de Jesus.Ele mesmo não instituiu um culto ao seu Pai. Para responder a um desejo dos discípulos propõe uma forma de oração  que era uma forma de repetir o seu ensinamento: reino de Deus, amor ao próximo.A oração consiste em pedir ao Pai o que o Pai quer dar. 

Jesus pede a fé . Mas a fé não é nenhum ato religioso. A fé é confiar numa pessoa, confiar nos seus ensinamentos. A fé pode dirigir-se aos pais, aos professores, a pessoas sábias.Ter fé em Jesus não é oferecer-lhe algo, é simplesmente aceitar os seus ensinamentos.

No entanto, hoje em dia, a grande maioria dos cristãos e dos não cristãos acha que o cristianismo é o culto de Jesus.O que não pertencia ao cristianismo nas origens parece que se tornou o único conteúdo.Para muitos o cristianismo é uma religião, que pode competir com outras religiões. O que foi que aconteceu ?

O que aconteceu era inevitável. Cada vez que aparece uma personalidade diferente do comum, dotada de um prestígio de uma capacidade de atração maior, nasce um culto. Conhecemos isso nas Igrejas cristãs e a mesma coisa acontece nas outras religiões. Era inevitável que qualquer dia nascesse o culto a Jesus. Pois  o culto e a religião são realidades profundamente enraizadas no ser humano. Deixamos para as ciências humanas,a antropologia, a sociologia ou a psicologia a tarefa de explicar em que consiste esse instinto religioso, essa tendência que não se pode reprimir, a multiplicar cultos e fabricar religiões. A religião e o culto respondem a necessidades humanas.Estas podem ser inconscientes num primeiro momento, mas aparecem no nível da consciência de modo habitual, ainda que alguns consigam reprimir o seu inconsciente religioso.O fundo da religião é irracional : medo,atração, desejo de proteção, desejo de amor, desejo de vida, angústia pela morte, culpabilidade, etc. Ver as ciências humanas.

Das promessas feitas a Abraão nasceu uma religião. Era inevitável que da visita de Jesus nesta terra nascesse também outra religião. Esta retomou muitos elementos do judaísmo, mas modificou-os e introduziu elementos de outras religiões.

As pessoas que aderiram à mensagem de Jesus e se tornaram discípulas de Jesus, eram pessoas religiosas, como todos os seres humanos. Não abandonaram o seu instinto religioso no dia que entraram no seguimento de Jesus, pelo menos no seu inconsciente. No entanto, sentiram que havia muitas coisas na sua religião que não eram compatíveis com a fé em Jesus e que houve que abandonar : por exemplo os judeus abandonaram o que os separava dos não judeus. Os pagãos logo sentiram que o culto imperial era incompatível com  o  seguimento de Jesus. Muitos deixaram de lado todo o culto consciente, mas o inconsciente ainda era religioso e devia reaparecer um dia. Jesus não condena a religião e claramente deixa que as coisas sigam o seu caminho normalmente. Opor-se à religião teria sido destruir personalidades. Pois, a religião é elemento fundamental no equilíbrio psicológico de uma pessoa. Por isso, Jesus aceita gestos e palavras de devoção por parte das pessoas doentes ou sofredoras que se aproximam dele, mas nunca pede tais atos.Mas quem segue Jesus vai se libertando progressivamente de toda necessidade religiosa. Pois a religião aumenta na medida em que a fé diminui.

Por outro lado, uma vez que Jesus foi reconhecido como Deus, todo o culto prestado a Deus, incluiu também a Jesus. O verdadeiro culto oferecido a Deus é a justiça e a misericórdia para com os pobres como sempre ensinaram os profetas. No entanto outras formas de culto não são condenáveis e podem ter um papel positivo se se orientam para aquilo que Deus quer.

Jesus pediu  que se fizesse memória da sua morte e da sua ressurreição. Esse ato de memória não era ato de culto. Jesus sabia que os seus ensinamentos seriam repetidos e ensinou justamente para que assim sucedesse, e os discípulos reuniram-se para ouvir o testemunho das pessoas que tinham ouvido Jesus. Quando estas pessoas morreram, os seus sucessores procuraram pôr por escrito as suas memórias para que sempre houvesse possibilidade de ouvir a palavra dos apóstolos sobre  Jesus. Tudo isso era memória e os discípulos se lembram de Jesus constantemente. Eles se  lembram do Jesus verdadeiro. O culto tende a afastar sempre mais  da memória do verdadeiro Jesus. O culto exalta um Jesus simbólico, transformado, porque revestido de atributos religiosos, mas a memória de Jesus tem por objeto a vida real de Jesus nesta terra e os seus ensinamentos.

Por isso, não é estranho que  pessoas muito apegadas ao culto de Jesus não conhecem as Escrituras e não se interessam por elas. Elas conhecem um Jesus feito de símbolos que dão satisfação à sua necessidade religiosa, sem perceber a diferença entre o ensinamento de Jesus e a própria psicologia religiosa. 

Jesus mandou lembrar-se dele numa ceia. Esta era a memória de Jesus. Pouco a pouco, provavelmente já desde o segundo século a eucaristia tornou-se ato de culto, mais do que ato de memória. No final do segundo século, parece que a evolução já está consumada e já se implantou o embrião da missa que no século IV já tem globalmente a sua estrutura atual. A eucaristia foi relacionada com o sacrifício. Sem levar em conta a transformação do conceito de sacrifício no Novo Testamento, os dirigentes das comunidades voltaram ao Antigo Testamento para fazer da eucaristia um novo sacrifício.Com isso,  ressuscitou um novo sacerdócio para celebrar o sacrifício e os presbíteros se tornaram sacerdotes. Hoje em dia, existe toda uma teologia do sacerdócio,inspirada no Antigo Testamento, e uma liturgia de ordenação sacerdotal também inspirada no Antigo Testamento.Finalmente, como o constantinismo, foram restabelecidos os templos. A profecia de Jesus sobre a destruição do templo foi anulada porque se multiplicaram os novos templos para que os sacerdotes pudessem ali celebrar o sacrifício.No início, os cristãos tinham salas de reuniões. As salas de reuniões mudaram para terem a configuração de templo que mantêm até hoje.Não se abandonou a forma de sala de reunião, mas na prática tudo foi ocupado pelo templo.Os antigos entendiam que somente os sacerdotes entravam, no templo.Se o templo cristão não deixou de ser sala de reunião, os fiéis tinham acesso a ele e podem entrar .Apesar disso muitos homens sentem que no fundo o que se faz no edifício de culto é a coisa do sacerdotes e eles ficam fora fumando cigarros e esperando que  tudo termine, assim como faziam nos antigos cultos nos tempos de Jesus. O ato cultural perdeu contato com a memória de Jesus.

Pouco a pouco, apareceram outros ritos, todos mais ou menos ligados ao rito da eucaristia. Tudo  isso formou um grande conjunto sacramental,um grande edifício de símbolos que chegou a ocupar todo o espaço do cristianismo.Ser cristão foi receber todos os sacramentos. Os ministros da igreja foram pouco a pouco reservados ao ministério dos sacramentos. Os sinais tornaram-se o centro do cristianismo.

Esta evolução nunca foi aceita plenamente. Muitos leigos não deram aos sacramentos o mesmo valor quase exclusivo que tinham para os sacerdotes. Receberam os sacramentos, mas mantiveram a consciência de que ser discípulo de Jesus é praticar a caridade. No entanto desde cedo as duas idéias permaneceram num antagonismo nunca resolvido.

O clero tendeu a concentrar o culto ao redor dos sacramentos que na idade media foram definidos como sendo 7.Porque foi escolhido esse número 7, depois de muitas controvérsias ? Os antropólogos poderão explicar o valor desse número.

 Mas o culto se estendeu muito além das fronteiras dispostas pelo clero.Na massa popular, o culto é em primeiro lugar a oração pela saúde. A religião torna-se mais consciente e aguda no caso da doença ,sobretudo se esta inclui um perigo de morte. Quase todas as orações têm por objeto a saúde pessoal ou a saúde de parentes ou amigos. Essas orações tomaram cada vez mais importância na medida em que aumentava o culto aos Santos. Por muitas razões os Santos apareceram como mais próximos, mais associados a um lugar,um povo, um grupo de devotos do que o próprio Jesus. Bem sabendo que afinal tudo vem de Deus, acham que a intercessão do Santo especializado confere mais segurança. O desafio da saúde criou um imenso aparelho de santuários, imagens, textos de oração, livros de devoção.

Por outro lado a religião popular desenvolveu muito a prática penitencial. Por razões históricas,  o povo ocidental foi muito marcado por um sentimento de culpa alimentado pela pregação sobre  o pecado e o inferno. A pastoral do medo esteve muito desenvolvida na pregação até o ponto de constituir o ponto central do cristianismo na mensagem popular. Esteve  no centro da pregação até há pouco tempo e ela ainda é cultivada nos grupos integristas da Igreja católica hoje em dia. Daí uma imensa produção de devoções, atos penitenciais, objetos penitenciais, práticas de privações e  mortificações, tudo como tendo por finalidade o perdão dos pecados. A própria eucaristia entrou no culto penitencial. Até há meio século as eucaristias tinham sempre um fim penitencial: era celebrar a missa por tal defunto ou pelas almas do purgatório. Existiam inclusive intenções de missa: cada um dando ao padre uma esmola para que celebrasse a missa por tal pessoa defunta. Tudo isso é religião. Jesus nunca pensou nisso. Infelizmente essas coisas podem afastar da verdadeira memória do verdadeiro Jesus.

O culto pode tomar formas muito materializadas : culto a objetos sagrados ( os objetos da paixão por exemplo, ou as lembranças que se vendem na Palestina), ou relíquias dos Santos. Mas ele pode também assumir formas muito mais espirituais ou místicas.Cresceu muito e ainda hoje em dia está crescendo o culto do “Eu e Jesus; Jesus e eu” “Amo Jesus e Jesus me ama”. Há os estados místicos mais espiritualizados e as devoções mais populares. O culto do Sagrado Coração é o caso mais habitual desse culto místico popular de Jesus.Todas as religiões conhecem fenômenos semelhantes, embora os fenômenos cristãos possam alcançar uma altura que poucas vezes  se encontra nas outras religiões.Esse culto é individual embora a instituição trate sempre de organizá-lo para colocá-lo sob a vigilância do clero.

Com o culto cristão formou-se a instituição eclesiástica.. A memória de Jesus não precisava de uma forte organização.Os apóstolos não tinham muita aparelhagem, nem os apóstolos atuais .Quando nasceu e se desenvolveu o culto, os sucessores dos apóstolos transformaram-se rapidamente em administradores da religião mais do que anunciadores da boa notícia do reino. Hoje em dia, o resultado final dessa evolução, que é o corpo clerical com o Papa na frente, pretende controlar todas as atividades dos cristãos mediante o culto e pretende dirigir o anuncio do evangelho embora na prática permaneça mais na intenção de evangelizar do que na prática. Cristo foi enquadrado num catecismo, celebrado numa liturgia rígida e o relacionamento com Jesus canalizado dentro de devoções controladas pela hierarquia. Jesus tornou-se convencional, objeto de uma religião, objeto de um culto. No entanto a instituição Igreja católica que pretende ser a realização da Igreja-povo de Deus é apenas uma construção histórica que somente expressa uma parte do evangelho e oculta o resto sob uma abundante produção religiosa e cultual. Apesar disso o povo de Deus caminha e conserva  a memória de Jesus.Dentro do seguimento de Jesus, conservam e vivem os seus ensinamentos: o amor ao próximo, que é a realização prática, concreta e real do amor de Deus.

 

9.A unicidade de Jesus Cristo

 

Como já foi dito, a unicidade de Jesus Cristo é a unicidade de Deus. Para os cristãos como para os judeus ou os muçulmanos e uma imensa multidão de povos há um só Deus criador do universo, ou seja de tudo o que existe. Também os cristãos afirmam que Jesus é esse Deus único. Ele é único porque Deu é único. Não é único porque seria o único salvador, ou o único profeta ou o único Messias, muito menos por ser fundador de uma religião, já que não foi fundador de nenhuma religião, mas porque é o Deus único. A dualidade Pai-Filho não prejudica a unicidade de Deus.

O reconhecimento de Jesus como Deus foi feito pelos discípulos diante da evidência que tiveram da ressurreição. De qualquer maneira, nenhuma religião adora um fundador ressuscitado. A ressurreição é fato único, manifestação da unicidade de Deus.

Há um sinal visível dessa unicidade na unicidade do povo de Israel. Não existe outro povo igual a esse. A sua originalidade veio justamente do fato de que desse povo nasceu Jesus Filho de Deus. Jesus não podia nascer num povo poderoso,no meio de uma cultura rica: se Deus queria estar na terra devia ser como pobre, humilde e escondido no povo mais fraco da terra. Todas as outras alternativas teriam tirado a liberdade da humanidade e desmentido a sua mensagem.O povo de Israel subsiste até agora como testemunha de uma vocação única.

A dialética que Paulo explica nos capítulos 9-11 da epístola aos Romanos revela a relação entre Jesus e a universalidade das nações. O povo que o preparou, que era o povo dele e devia ter nele a realização da sua razão de ser, o rejeitou, e ele foi acolhido por outros povos. Este paradoxo pode muito bem se repetir. Uma vez que uma entidade histórica como foi a cristandade se reserva a herança de Jesus Cristo e levanta barreiras para impedir que venham os outros, ela se expõe a rejeitar de fato o Deus que diz adorar.Ela não pratica o amor aos pobres pretendendo amara Deus com o  seu sistema religioso.

Jesus foi um asiático e a Igreja dos seus discípulos foi feita de asiáticos. Os outros continentes não podem ser ciumentos por isso. Depois o cristianismo foi para África e Europa. Na Europa foi assumido pelo Império romano, o mesmo que matou Jesus. Isto provocou uma imensa confusão. Ficaram juntos os que mataram Jesus e os que nasceram dele. Atualmente o cristianismo está sendo rejeitado na Europa e vai desaparecer em menos de um século. Atualmente o cristianismo está implantado na América. Por enquanto América é o continente que aparece como o continente cristão. Depois disso, o que ? O reconhecimento do evangelho de Jesus pode viajar de novo. Para onde ? Talvez para África porque hoje em dia os cristãos mais fiéis são os africanos e são também os mais pobres. Talvez para a China, porque na China existe uma minoria cristã que suportou uma perseguição implacável ao lado da qual a perseguição no Império romano parece brincadeira de crianças. Apesar disso, ou por causa disso, eles são os mais firmes na fé. Pode ser outras regiões do mundo.

O que poderá acontecer pelo contato entre o evangelho de Jesus Cristo e as religiões antigas da África ou da China ? Ninguém pode prever  que pode acontecer. Ninguém pode prever a evolução das religiões atuais, sobretudo num momento em que elas sofrem o impacto da cultura secularizada do Ocidente. Dependerá deles. 

Para os cristãos nenhuma religião salva. O batismo cristão pode ser sinal de condenação se não é praticado. A eucaristia pode ser sinal de condenação se a pessoa não pratica o amor aos pobres e aos excluídos. A salvação realiza-se agora: quem ama já está salvo. Qualquer que seja a sua religião.

Todas estas afirmações podem parecer incríveis e devem aparecer assim para muita gente. Mas há uma verdade só, e ela é muito simples. Se houvesse outros deuses e outros cristos, eles não poderiam dizer outra coisa a não ser repetir a mesma verdade. Seria a repetição do mesmo. Basta com um Deus, já que outro faria a mesma coisa e diria a mesma coisa. 

Alguns acham que Deus podia encarnar-se em outras pessoas, por exemplo em pessoas representativas de outras religiões. Isto seria como uma consagração das religiões, o que é o contrário daquilo que Deus quis. Deus não podia confirmar uma religião, mas somente pode confirmar pessoas que em cada religião seguem  a sua vontade.Se Deus se tivesse encarnado em outras religiões, teria feito a mesma coisa que fez em Israel: desmentir o fundador, Moisés, condenar todo o sistema religioso e denunciar as autoridades religiosas. Esses seriam os sinais da encarnação. Além  disso se tivesse que se encarnar em cada religião, teria milhares de encarnações. Somente na cidade de São Paulo nascem centenas de novas religiões por ano. Porém se há um só Deus, só pode haver uma só verdade e essa verdade deve ser a mesma para todos.  As religiões são criações humanas que têm efeitos positivos e negativos sem que se saiba se o positivo supera o negativo ou o contrário. Por exemplo neste momento há uma gigantesca guerra entre  cristianismo e o islamismo. A religião motiva uma guerra que não se explicaria somente pelo petróleo ou interesses econômicos..

Diante de Jesus,que é Deus, todas as religiões, assim como todos os seres humanos, são chamadas a uma conversão e Deus promete a possibilidade dessa conversão. O evangelho é justamente que outro mundo é possível. Outra Igreja é possível, ainda que seja muito relutante para se converter. Da mesma maneira todas as instituições religiosas. O que acontece com as instituições religiosas é que ensinam uma coisa e fazem o contrário.Foi isso que Jesus veio dizer e isto vale para todas as religiões. Em todas as religiões há uma força de vida assim como em toda a criação. Porém, esta força ficou desviada, adulterada. Entre os mais pobres estão os que preservam o melhor da religião. Entre os poderosos sucede freqüentemente que vence o pior.

Os cristãos não podem ficar orgulhosos. Neste momento quem fala no mundo em nome do cristianismo, é o presidente G.W.Bush. Nos outros continentes ele é a voz cristã mais forte. Não é precisamente um evangelizador muito adequado, mas a história é assim. As Igrejas cristãs ficam caladas, não denunciam, e colaboram pelo seu silêncio. E milhões de cristãos americanos constituem o apoio e sustentam o programa do presidente. Para as outras religiões, esta apresentação não atrai muito. Para os outros cristãos, o silêncio é cumplicidade. Nas Igrejas que se dizem cristãs, o silêncio é cumplicidade. A Igreja católica ainda não pediu perdão por esse pecado.É fácil pedir perdão pelas Cruzadas, mas é mais difícil pedir perdão pelo apoio que as Igrejas oferecem à cruzada religiosa americana no Oriente Médio, no Iraque e na Palestina, n a espera de futuras novas conquistas. 

 

José Comblin

 

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