POR QUE E PARA QUE UMA TEOLOGIA FEMINISTA?
“Do vazio abismal do mundo dos homens era possível ver os movimentos (das categorias oprimidas), cantando e dançando, soprando sobre os ossos secos, espalhando a carne e restituindo a vida. Os ossos secos se moviam, eram machos e fêmeas, mulheres e homens, que faziam... o mesmo movimento vital sobre outros tantos ossos secos... Era o anúncio do fim dos privilégios, a destruição do cativeiro, a restauração da vida, da igualdade e da justiça.” (Releitura de Ezequiel 37:1-10)
Nesse momento de maior atenção ao Cuidado aos corpos ameaçados, em tempos de Pandemia, a discussão da igualdade e das políticas do bem comum, vem alicerçada com as ações de solidariedade e experiencias de autonomias comunitárias que apontam para mudanças.
Assumimos que a formação nos conduziria pelo caminho desafiador de refletir e construir pontes e diálogos, sobre gênero, poder, masculinidades, provocando as mulheres e os homens a efetivarem a proposta de relações de igualdade.
A dança Celta, uma dança de roda onde os passos que a movimentam significam: “Eu te saúdo, eu te dou espaço e eu caminho contigo”, nos faz pensar que não basta dar espaço e saudar, é preciso, como diz a dança, caminhar juntos. Por que é tão difícil para as pessoas viverem juntas em igualdade? O que é esta resistência à igualdade em si? Por que algumas vidas são consideradas importantes e outras não? Ou umas mais importantes que outras? Essas e outras perguntas, nós fazemos todos os dias individual e coletivamente?
Nossa proposta para iniciar a conversa é abrir o coração ao diálogo com nós mesmos, com quem está ao nosso lado e com as companheiras e companheiros, sobre as estruturas que nos cercam e que trazem “Da alma dos homens? Ouro, conquista, lucro, logro. E os nossos ossos, E o sangue das gentes, E a vida dos homens, Entre os vossos dentes...”
A poesia nos ajuda pensar...
Poemas aos Homens do nosso tempo
Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.
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Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu
Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.
(Hilda Hilst)
Quem são os homens e mulheres do nosso tempo? Que tipo de homens e mulheres precisamos ser para construir um novo tempo?
Primeiro é bom fazer a memória do tempo:
“E Deus fez a Terra” - Mãe, do ventre da terra fez nascer a humanidade – fêmeas e machos, feitos a sua imagem e semelhança, com diferenças biológicas, iguais capacidades criativas e sensitivas. À mulher, assim como à Gaia, foi dado o dom de gerar a vida e ao homem, a possibilidade de participar da procriação.
Nesse tempo, ouvia-se forte a voz da mulher, que se misturava com a voz da Terra. A forma da beleza era a diversidade, a plenitude do conhecimento estava na multiplicidade e o equilíbrio na reciprocidade. Existiam sociedades governadas por mulheres, algumas existem até hoje, sociedades matriarcais ancestrais, regidas por deusas que se fundem com os elementos da natureza e agem para manter o equilíbrio das relações e da vida em sua totalidade.
Onde estão as nossas matriarcas? Para onde foram as deusas ancestrais?
O homem sentiu vontade de dominar; utilizou o privilégio da força e o fez, passou a dominar a terra e as mulheres, e também outros homens e nações. Com o desequilíbrio nas relações, a escuridão se espalhou por toda parte, a terra tomou as cores da fumaça, do sangue e da fome, e já não se ouvia a voz das deusas, nem de Gaia, apenas gritos de dor, das mulheres, das diversidades oprimidas, dos próprios homens que se sentiam aprisionados num sistema de dominação que eles mesmos criaram.
Para pensar sobre relações de poder, patriarcado, feminismos, masculinidades, é preciso lembrar que não basta... Precisamos mudar radicalmente as estruturas patriarcais elaboradas a partir da construção das desigualdades, brancos “valem mais” que negros/as, Europa “vale mais” que América latina; Homens “valem mais” que mulheres”.
Com estas ou, dentro destas estruturas violentas e opressoras, como podemos cantar nosso amor uns aos outros? Como irmos ao “encontro” de algo que significa a busca pela manutenção “...de uma cultura que nega a diferença e as submete as normas ‘masculinas’ preestabelecidas como sendo ‘natureza’ e ordem divina. Como apenas abraçar aquilo que nos faz entrar em modelos de comportamento e em predefinições de conteúdos identitários que culpabiliza quem não corresponde a eles? ” já nos alertava Ivone Gebara desde 2011.
A construção destas diferenças acabou erguendo barreiras entre os povos, entre homens e mulheres e impediu uma efetiva partilha de saberes. Seja na família, seja no trabalho, ou pela grande mídia, historicamente as mulheres foram excluídas dos processos de construção de conhecimentos. As mulheres, são uma parte das maiorias excluídas, aquelas que devem replicar os modelos de pensar e agir impostos, e na maioria das vezes, não há interesse em como sentem e pensam a vida, as mulheres o os ninguéns como diz Eduardo Galeano no poema “Os ninguéns”.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada
Os ninguéns: os nenhuns, os nenhuneados, correndo como
lebres, morrendo na vida, fodidos, refodidos
Que são, embora não sejam
Que não falam idiomas, mas dialetos
Que não professam religiões, mas superstições
Que não fazem arte, mas artesanato
Que não praticam cultura, mas folclore
Que não são seres humanos, mas recursos humanos
Que não têm rosto, mas braços
Que não têm nome, mas número
Que não figuram na História Universal, mas nas páginas
policiais na imprensa local
Os ninguém custam menos que a bala que os mata.
(Texto elaborado pela CPT-Comissão Pastoral da Terra). Seguem as perguntas em
preparação da “10ª Semana Teológica Pe. José Comblin”, convidamos grupos, comunidades, movimentos e você pessoalmente a fazerem uma leitura atenta deste texto; e sugerimos duas perguntas:
-
Que aprendizados este denso texto nos traz, a cada uma e a cada um de nós?
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Que passos somos chamados/as a usar, na busca de um enfrentamento desta realidade, em nosso meio?