uma nova primavera eclesial
Francisco de Aquino Júnior
Presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte - CE
A renúncia de Bento XVI e a eleição de Francisco como bispo de Roma inauguraram um novo momento na vida da Igreja. Um momento que bem pode ser caracterizado como uma ruptura com o dinamismo eclesial conduzido/imposto por João Paulo II e Bento XVI e como uma retomada do dinamismo eclesial desencadeado pelo Concílio Vaticano II e radicalizado pela Igreja latino-americana.
Essa ruptura e essa retomada dizem respeito fundamentalmente à missão e à organização da Igreja.
Por um lado, Francisco tem repetido muito que a Igreja não existe para si nem pode estar centrada em si mesma. Ela existe para a missão e sua missão consiste em levar a boa notícia do evangelho de Jesus Cristo às “periferias” sociais e existenciais do mundo. Daí seu alerta constante contra essa “doença espiritual” que é o “autocentramento” ou a “autorreferencialidade” da Igreja e sua insistência na centralidade evangélica dos pobres e de todas as pessoas que sofrem na Igreja que, aliás, deve ser “pobre e para os pobres”.
Por outro lado, ele tem recordado e reafirmado constantemente que a Igreja é o “povo de Deus” e que todos/as, como “discípulos-missionários”, devem assumir a tarefa evangelizadora. Além do mais, tem falado muito sobre a necessidade de “conversão pastoral” ou mesmo de “reforma” na Igreja: povo de Deus, colegialidade episcopal, primado do bispo de Roma, cúria romana, participação da mulher, estrutura paroquial... Tudo isso em vista de maior fidelidade à sua identidade, vocação e missão.
Sem dúvida nenhuma, as reformas são importantes e necessárias. Mas são importantes e necessárias precisamente em vista da missão de anunciar e tornar realidade do reinado de Deus neste mundo, cuja característica mais importante é a misericórdia e a justiça aos pobres, oprimidos e sofredores. E aqui está a fonte e o coração da novidade que representa Francisco para a vida e missão da Igreja hoje: uma volta ao evangelho de Reino, o que significa uma volta aos pobres deste mundo. Ao voltar-se para os pobres e sofredores e ao colocá-los no centro de suas preocupações pastorais, Francisco desencadeia um processo de “conversão” e “reforma” evangélicas da Igreja.
Mas não nos iludamos: este é um processo extremamente difícil, um processo que depende do conjunto da Igreja e que já está encontrando e vai encontrar muito mais resistência – dentro e fora da Igreja.
Dentro da Igreja porque os interesses/privilégios institucionais tendem a se sobrepor às exigências do Reino, porque a “psicologia de príncipe” e o “clericalismo” dos que presidem a Igreja são muito mais fortes e têm raízes muito mais profundas do que parece e porque o devocionismo e o sacramentalismo são muito mais determinantes da vida da Igreja que a fé como seguimento de Jesus de Nazaré.
Fora da Igreja por causa da indiferença social que caracteriza nossa cultura e porque, como dizia o profeta Helder Câmara, os poderes deste mundo toleram e até admiram “obras de misericórdia”, mas reagem sempre contra os que lutam pela justiça: “se dou comida aos pobres me chamam de santo, se pergunto por que são pobres me chamam de comunista”. E as centenas de mártires da América latina estão ai para confirmar...
Em todo caso, esta é uma tarefa de todos nós. Francisco tem um papel fundamental nesse processo. Mas ele sozinho não vai conseguir. Temos que colaborar: precisamos fortalecer as cebs como lugar de vida fraterna, de oração e de compromisso com os pobres; precisamos sair das sacristias e dos altares e ir para as “periferias” sociais e existenciais de nosso mundo; precisamos participar nas muitas lutas por justiça e por direitos; precisamos assumir como nossa a tarefa de construção de uma sociedade mais justa e fraterna – sinal do reinado de Deus neste mundo.
Que Francisco de Assis interceda a Deus por Francisco de Roma e por todos nós e que seu testemunho nos acompanhe e nos anime nessa missão de ser sinal do amor e da justiça do Deus de Jesus neste mundo.