“EU VOS FAREI SUBIR DA AFLIÇÃO PARA A TERRA (...) QUE MANA LEITE E MEL” ( Ex 3, 17)
TRINTA ANOS DA CPT- NORDESTE 2: de 11 a 14 de Agosto 1988 a 11 a13 de Agosto 2018*
Madalena, minha mulher, e eu fomos insistentemente convidados, pela Coordenação Regional, a estar presentes na celebração dos trinta anos. Por coincidência, tinha sido eu o assessor daquela memorável Assembleia de há trinta anos atrás. Outra grata coincidência, é que nos encontrávamos no mesmo local, o CENTREMAR, que, além de sede do Seminário, tem cumprido, ao longo de anos, as funções de Centro de Treinamento do Povo de Deus, particularmente nos heroicos tempos do episcopado de Dom José Maria Pires e Dom Marcelo Carvalheira, só a sala era outra, sim, porque naquela primeira vez éramos menos gente. Agora chegávamos a cem pessoas.
Vivíamos em 1988 um momento muito conturbado na Igreja Católica Romana no Nordeste. Após os anos de Primavera do Concílio Vaticano II e, em seguida, das assembleias episcopais continentais de Medellín e Puebla, que trouxeram as orientações conciliares para o contexto concreto de nossa Afroameríndia. Esse período era aquele que a Igreja chama de “recepção” de grandes proclamações universais, doutrinais e pastorais. A Igreja universal reunida em Concílio Geral abrira esperançosamente uma nova era, era preciso porém que cada região e cada Igreja local buscassem assimilar a direção indicada e refletissem profundamente sobre como cada continente e cada região iriam apropriar-se do Concílio no contexto de sua realidade peculiar. A Igreja Católica do Brasil, sob a liderança da CNBB, empreendeu um trabalho extraordinário de “pastoral de conjunto”, e extraordinariamente corajoso, pois estávamos em plena ditadura militar. Temos orgulho da liderança episcopal daquele período; homens corajosos e lúcidos, cheios de Deus e devotados ao povo; levavam a sério a “opção pelos pobres”; não temiam enfrentar os poderosos; desciam aos calabouços dos cárceres para verificar se pessoas presas estavam vivas ou se não tinham sido torturadas... enfrentavam soldados armados para verificar “in loco” a invasão da terra de camponeses pelo gado dos latifundiários. A Igreja se sentia realmente “católica” (universal) em seu dever de ir em defesa de todas as pessoas perseguidas, tendo como bandeira,não as identidades religiosas, mas os Direitos Humanos de qualquer criatura humana, fosse crente ou se dissesse descrente; nas pessoas pobres e oprimidas e naquelas perseguidas e torturadas e até assassinadas, delas nos vinha o chamado a contemplar e abraçar o próprio Jesus crucificado pelos poderes deste mundo, econômicos, políticos e religiosos.
Após esse extraordinário período, a direção da Igreja Católica mundial passara às mãos do papa polonês João Paulo II. O povo da Igreja começava a sentir uma mudança de rumos, já ao observar as novas nomeações episcopais, além de outros sinais. A renúncia do Arcebispo Dom Helder Camara, por motivo de idade, nos trouxe para liderar a Arquidiocese, que era o polo de irradiação da Igreja no Nordeste, um bispo desconhecido, pernambucano de nascimento, mas completamente ausente do Brasil durante os abençoados anos do Concílio e os duros tempos da ditadura. Veio com a nomeação debaixo dum braço e o Código de Direito Canônico debaixo do outro. Vivera muitos anos em Roma, mas parece que nunca se tinha dado conta de que a Igreja é bem mais que instituição, é um “povo de Deus” e o Evangelho está muito acima da lei. Foram tempos difíceis, inclusive de protestos públicos, de rupturas, o Instituto de Teologia (ITER) foi fechado e tantos departamentos e equipes foram proibidos de atuar. Tínhamos vivido cerca de trinta anos numa Igreja marcada pela “comunhão”, pela “opção pelos pobres”, pela luta ao lado dos pequenos de Deus, pela alegria de servir, pela esperança de viver a abertura ao Mundo e de ser capaz de ir até ao martírio se preciso fosse para defender as causas de Deus; nossos bispos eram corajosos tribunos que se levantavam junto com o povo e seus movimentos para interpretar suas causas e emprestar-lhe a voz. Padres, frades e freiras,se tinham disseminado em meio às periferias e às roças do interior, enquanto também homens e mulheres leigas, adultos e jovens se dedicavam à formação eclesial e cívica na classe popular, particularmente pessoas que tinham sido formadas na escola da Ação Católica Especializada, uma das experiências de formação mais bem sucedidas na Igreja, com um método admiravelmente eficaz e que marca a vida de muitas pessoas até hoje.
Já estava convocada a assembleia anual do setor de Pastoral Rural para Agosto de 1988. O Arcebispo do Recife, para surpresa geral eleito por seus pares para Presidente do Regional da CNBB NE-2, já ia em sua “obra” de desmonte de todas as organizações, departamentos, equipes e comissões a serviço daquela tradição que marcara nossa Igreja na região por mais de trinta anos. Naturalmente, muitas pessoas foram demitidas de suas funções. De repente, dissolveu a Comissão da Pastoral Rural, extinguiu a própria Comissão e cancelou a convocação da Assembleia. Graças à lucidez e coragem de Dom José Maria Pires, Arcebispo da Paraíba, a convocação se manteve, apesar da proibição, e a Assembleia se realizou em João Pessoa e o que se chamava “Pastoral Rural” passou a ser “Comissão Pastoral da Terra”, secção regional da CPT Nacional, organismo anexo à CNBB, com muito mais autonomia e, inclusive, aberto à participação de irmãos de outras denominações religiosas, portanto de marca ecumênica. Com sua sensatez e polidez proverbial, Dom José escreveu carta a todos os bispos da Região e comunicou tranquilamente a fundação da CPT-Nordeste 2, a qual estaria a serviço do território de todas as dioceses, desde o Rio Grande do Norte até Alagoas, passando por Paraíba e Pernambuco.. Essa Assembleia memorável é o que estivemos a celebrar depois de trinta anos, de muita dedicação e de muita luta em favor do povo da terra e tendo nesse mesmo povo seu agente principal.
Era preciso “resistir para existir” e manter a Igreja a serviço de agricultores(as) sem terra, de gente despejada e expulsa, de vítimas da construção de barragens, de camponeses(as) pobres... Com a constituição da CPT-Nordeste 2, porém, dava-se, na verdade, um passo novo, passava-se da “Pastoral Rural” a uma dimensão mais ampla e mais radical, a “Pastoral da Terra”, com estatuto de maior autonomia, com maior abertura ecumênica e com visão política mais ampla e mais profunda. A ditadura acabou-se, mas os conflitos no campo prosseguiram, com a famigerada UDR (União Democrática Ruralista) bem aguerrida em sua pretensão de “exterminar” a luta no campo. A dura realidade do povo requeria dos(as) agentes da Igreja, mais do que nunca, a mística da fé, a generosidade do compromisso radical, a lucidez metodológica e a competência política no emprego dos meios de ação. A luta exigia profunda qualidade espiritual. A motivação fundamental tinha tudo a ver com o que se proclamara em Medellín e Puebla: a Opção pelos Pobres, enquanto atitude espiritual profunda. A motivação principal era, sem dúvida, a identificação com a Teologia da Libertação. A terra foi sendo melhor compreendida como “território”, a educação foi-se aperfeiçoando como “educação para o campo” e o horizonte se ampliava para a Reforma Agrária Integral, como pressuposto de uma sociedade alternativa.
O primeiro dia de nossa comemoração foi dedicado a “memória e testemunhos”, sob a guia de nosso querido irmão Padre Hermínio Canova, Muitas pessoas “abriram seus tesouros” e nos brindaram com preciosas recordações de tantos anos de sofrimento, esperanças, lutas e vitórias. Em nossa celebração, foi-nos recordado que “com a Teologia da Libertação a Igreja se fez Verbo”, palavra viva de Deus. Voltamos a nos sentir, não mais ao lado ou acima, mas dentro das dores e angústias do mundo. Já não se tratava mais de “aceitar” com resignação a pobreza como “destino” e “virtude” agradável a Deus, mas, ao contrário, denunciá-la como a outra face da injustiça. Era preciso ir além da reza e passar à ação de resistência para a qual a reza pode nos dispor e preparar; passar da ideia de salvação individual à prática da luta coletiva. Nosso foco de observação e de atuação passava a ser a atenção à sociedade e a suas vítimas. O imenso mundo das pessoas pobres deixava de ser encarado como objeto de assistência caritativa e passava a se constituir como sujeito de novo processo de transformação de toda a sociedade. Com isso, os olhos se tornavam novos, “lavados”, iluminados para ler o Evangelho de Jesus e redescobrir Deus e seus propósitos na história. Com a CPT avivava-se na Igreja, ou em porção dela, a consciência de que “as dores e angústias do mundo” têm de ser compartilhadas pelo Povo de Deus, como nos lembrava o Concílio Vaticano II. Com coragem e coerência, era preciso “assumir a agri-cultura em contraposição ao agro-negócio”. Ao falarmos de “Comissão” queremos designar um instrumento operacional da Igreja; “Pastoral” quer indicar sua dimensão teologal e eclesial, ou seja, a presença da Igreja como mediadora de salvação enquanto redenção da Criação divina; “da Terra” focaliza o âmbito no qual se trava a luta dos pobres que reagem à “apropriação” a preço de morte e não mais aceitam passivamente ser expulsos e mortos, a partir da convicção profunda, espiritual, de que “a terra foi Deus quem a fez para todas as Suas criaturas”. Evidentemente, a “pastoral da terra”, enquanto pastoral de conflito, tem de definir-se como pastoral de fronteira, itinerante, com mobilidade para acompanhar o trajeto dos pobres, e ecumenicamente aberta. É a Igreja a passar “do centro para a margem”, como dizia Dom José Maria Pires. A Igreja que se tinha feito Verbo, agora “se faz Carne”, quando assume sob o impulso do Espírito, a dimensão material da vida humana: ecológica (a “lógica” da Casa Comum) e econômica (a lei da Casa a serviço de todas as pessoas e de acordo com a lógica da Casa). Foi bonito de ver o companheiro Marcos, advogado, professor e sobretudo amigo do povo, formular esses conceitos.
“O encontro com o povo e a visão de uma Igreja servidora eram provocação a nossa conversão”, conversão que se fazia prática na proximidade pessoal com os pobres e o quotidiano de sua vida. A memória não representa só lembrança e saudosa recordação do que passou, mas nos provoca a retomar com novo ânimo essa proximidade corporal que se expressa na solidariedade com nosso povo. “Solidariedade” quer dizer fazer-se um único sólido, isto é, uma coisa só. Para exorcizar uma triste experiência: os pobres têm estado sempre muito perto e até dentro da Igreja, mas ao mesmo tempo tão distantes de seucoração e de suas opções, “tão perto e tão longe”... Mas aqui estávamos padres (o arcebispo também nos visitou); freiras, advogados e advogadas (corajosos e corajosas amigos e amigas do povo), Deputado Federal Pe. Luiz Couto e Deputado Estadual Frei Anastácio, tribunos do povo; e tantos outros amigos e amigas da CPT...
Este primeiro dia de comemoração dos trinta anos foi um tempo de memórias, de histórias que bem mereciam ser contadas mais longas e com mais detalhes. Pareciam narrações bíblicas, testemunhos profundos, emocionantes, de vida, de gestos, de lutas que nos provocavam às lágrimas. Dava para contemplar intensamente a presença de Deus, quase tocá-la com as mãos (cf. 1Jo 1, 1-4), presença que, como dizem as santas Escrituras, se experimenta nas situações de vida. É tão forte que nem a morte consegue desmobilizar, as agruras do presente não apagam a esperança no Futuro e não fazem secar a fraternidade, a perseverança, o zelo fraterno de umas pessoas pelas outras, os gestos de amor que nos chegam na hora certa, como verdadeiros milagres, a coragem que não cessa. Nosso Deus é o Deus da vida e da história dos pobres, já não é mais o deus só de reza, que nos aguarda no céu depois da morte, aquele em que se crê para nos dar coisas e proteger de perigos... o deus da prosperidade ou de benefícios individuais. O nosso Deus, que transparecia nos sentidos depoimentos e memórias das pessoas, é o Deus de Jesus: companheiro dos pobres, por isso feito preso político, torturado e condenado à morte, a mais vergonhosa, como se fosse um escravo rebelde ao Império e ao Templo, ao Estado e à religião, aliás infelizmente sempre juntos...
Temos descoberto – e era o que experimentávamos intensamente – que Deus está entre nós, conosco e em nós, e Sua glória (dizia Santo Irineu no século II: “A glória de Deus é o ser humano em plena vida”) se revela quando percebemos que nos tornamos pessoas livres e confiamos na vida em comunidade, em grupo e movimento organizado, porque Deus só se revela em nossa experiência de sermos, não mais só um Eu, mas um NÓS: “Deus conosco”. Outro tipo de deus não passa de ídolo. Não basta “gostar de Deus”, louvá-lo, proclamá-lo, invocá-lo... Nós só O conhecemos por identificação, é preciso “ser semelhantes a Ele”. Não o alcançamos como uma “coisa” ou “alguém” fora de nós; Ele se faz transparente em nós, em nosso novo modo de ser, em nossa condição de “novas criaturas”, como nos diz São Paulo, ou como pessoas que vivem “nova vida”, como nos diz o Apóstolo São João. É porque Deus é Ser pleno e só se revela em nós quando temos posse de nós, de nosso ser. Ora, isto só se dá quando vamos deixando de ser só para nós e nos tornamos para além de nós. É nessa dimensão “para além” que nos encontramos com Deus, pois Ele é exatamente esse horizonte “para além”de nós e de tudo o que existe. Ele está em nós como princípio íntimo que nos convence de que somos mais quando somos com outros e outras, quando somos com o mundo.
É, porém, evidente, em toda a história dos povos, que a humanidade, ao se relacionar com Deus, como fonte da vida, insiste em “buscar a face do Senhor”. Por isso, a tentação nessa busca do “Deus abscôndito” é projetar n’Ele nosso próprio rosto. O profetismo da Bíblia denuncia continuamente essa descabida pretensão ao combater, com veemência, a idolatria. Na verdade, não somos nós a modelar a face de Deus. Mas, ao mesmo tempo, se nos indica onde vislumbrar os traços de Seu rosto. É Ele mesmo que nos oferece Sua própria “imagem e semelhança”, a saber, nós, mulheres e homens (cf, Gn1, 26-27), uns enxergando em outrem os rastros do Criador. E Deus vai adiante: revela Seu rosto em Jesus de Nazaré (cf. Jo 1, 18; Hb1, 1-4; Fl 2, 1-11; 1Jo 4). Finalmente, Jesus mesmo aponta-nos onde encontrar imediatamente a imagem viva de Deus, bem ali junto de nós: em pobres, famintos, sedentos, forasteiros, nus, perseguidos, prisioneiros...
Infelizmente, desde o século III d.C., a Igreja se foi acostumando a conviver muito perto do poder do Estado e da riqueza. Por isso podemos avaliar como é difícil corrigir esse rumo, pois carregamos conosco dezoito séculos de aliança com os poderosos deste mundo. De fato, até hoje a Igreja cristã se sente mais à vontade nos palácios e nos palanques do poder do que em meio à sociedade civil. Ainda hoje tem sido difícil para ela sentir-se parte da sociedade civil, a saber, sentir-se simplesmente “povo de Deus”. Sob o peso da história, podemos entender as reações a esse conceito elaborado pelo Concílio Vaticano II. Chegara mesmo a definir-se como “sociedade perfeita”, completa, ao lado do Estado (“sociedade política”), ou seja, “poder religioso”. Esse é o contexto remoto e profundo da discussão que se tem travado desde a Conferência de Medellín, em torno do conceito de “opção pelos pobres”. Progressivamente, foi havendo um esforço para abrandar o suposto “radicalismo” da expressão. Parecia inapropriado definir a Igreja como “povo de Deus”, seria preferível falar de “mistério de comunhão”; “opção pelos pobres” poderia soar mal ao ouvido de quem não é pobre, seria, então, preferível emendar falando de “opção preferencial pelos pobres”; daí, como não se trataria de “opção”, mas só de “preferência”, não foi difícil chegar a sugerir que se fale de “amor preferencialpelos pobres”... chegamos quase ao ponto de escutar dizer “amor assistencial aos pobres”. Ao inaugurar o Dia Mundial dos Pobres, Papa Francisco foi sutil, embora não ambíguo, pois, sem entrar na polêmica e disputa terminológica, disse simplesmente que a “opção da Igreja pelos pobres é opção fundamental”, quer dizer, é opção que está nos próprios fundamentos da Igreja. Aliás, o insuspeito papa Bento XVI chegara a dizer que a relação da Igreja com os pobres tem um caráter teológico essencial, pois Jesus é Deus que assumiu a condição de pobre, em outras palavras, a pobreza/relação com os pobres é dimensão intrínseca da Cristologia. Já os antigos Pais da Igreja tinham deixado muito claro que, na verdade, os pobres são os juízes da Igreja.
Nesse debate que se tem dado dentro da Igreja, CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e CPT são duas instituições que trouxeram profunda inovação: enquanto organismos da Igreja, inclusive anexos à CNBB, recolocaram a Igreja ou parte dela, na sociedade civil, ao lado de movimentos populares, sociais e políticos, e, desse modo, têm afirmado que a luta pela justiça é lugar privilegiado da revelação de Deus a Seu povo e, por isso, lugar onde o povo de Deus tem de estar para escutar o Seu Deus (cf.Ex3).
No segundo dia de nossa grande celebração dos 30 anos, fez-se memória das Romarias da Terra, caminhadas e peregrinações. Têm sido símbolo maior do caminho perseverante do povo em direção à terra que é de Deus e se destina a Seus filhos e filhas. Os mártires e as mártires pela causa da terra, como direito do povo,nos comprometem a não desistir de caminhar em meio ao fogo cruzado dos conflitos com o latifúndio que é como dragão devorador de terras e de vidas humanas. “O preço de sangue de irmãos e irmãs é o testemunho vivo de que a luta vale a pena, se queremos criar o futuro. A Justiça de Deus vale uma vida, é o que nos ensina o sangue de mártires”, foi dito com muita emoção. No final da tarde, concentramo-nos em tocante celebração da memória de Margarida Maria Alves, a corajosa sindicalista paraibana, morta em sua própria residência a mando de poderosos latifundiários paraibanos. Ficou famosa sua corajosa frase quando já se sabia das ameaças que pairavam sobre sua cabeça: “Não desistirei da luta, saibam que seguirei adiante, não tenho medo de ameaças, pois é melhor morrer na luta do que morrer de fome”. De todos os envolvidos no crime ninguém foi condenado, mas desde o executor direto até os mandantes se mataram uns aos outros... só um dos latifundiários morreu um ano depois de “morte morrida”. Com a morte de Margarida o povo se fortaleceu e muitas novas iniciativas surgiram no campo, inclusive o fortalecimento da atuação das mulheres.
É bom terminar dizendo que toda a alimentação, consumida nos quase três dias vividos em conjunto, foi ofertada pelos agricultores(as), produção de seus roçados e sítios, suor de seu rosto, dom de suas mãos, sem dúvida, festiva antecipação do banquete do Reino de Deus, penhor de vitórias maiores. Foram três dias de verdadeira celebração da Eucaristia, com os alimentos da terra, a começar literalmente do pão, e o testemunho do sangue do martírio, “desde o sangue de Abel”, passando por Jesus e a multidão pelos séculos (cf. Hb 11), até Margarida, a flor do jardim que já pressagia novos tempos...
No clima de intensa emoção que dominou o encontro, veio-me à mente um quase-poema que dedico a irmãos e irmãs: padres, agentes da CPT, coordenadores(as), representantes, advogados(as), colaboradores(as) e, antes de tudo, a agricultores e agricultoras que celebravam conosco, mostrando-o com suas próprias calejadas mãos o maravilhoso preço da vitória da esperança: