Pe. Waldemir Santana
A igreja passa por uma grande crise e a pandemia fez eclodir a gravidade da crise. É mister perceber que estamos nesse momento navegando em um mar tempestuoso. As ondas são violentas e em determinados momentos temos a sensação que vamos naufragar.
A crise por mais angustiante que seja é profundamente criativa, porque permite o evoluir histórico sobre outros bens e valores. A crise pela qual a Igreja passa é um bom sintoma. As vísceras das coisas erradas estão expostas: corrupção na questão econômica, pedofilia envolvendo membros da mais alta hierarquia, oposição violenta ao Papa Francisco. Tudo o que está acontecendo são manifestações de novas possibilidades, que fermentam o processo depurador. A sensação de perda de pontos de orientação é verdade, por isso é necessário ver nessa realidade uma oportunidade de crescimento mais evangélica. Esse processo histórico pelo qual a Igreja está mergulhada é de reflexão profunda em que as forças se recolhem para uma decisão sensata, como disse Platão, recordado por Martin Heidegger: “todas as coisas grandes acontecem no turbilhão.”
Depois que passar a pandemia para aonde a Igreja vai caminhar? Essa realidade dramática provocada pela Covid 19, está a exigir novos caminhos pastorais. Continuar a fazer o que se fazia a um tempo atrás é insensatez pastoral. É inconteste que a prática religiosa vem diminuindo vertiginosamente. No Brasil, o número de católicos está caindo aceleradamente, diminuiu o número de batizados, de crianças na catequese, na participação nas missas dominicais, bem como uma forte crise no sacramento da reconciliação.
É visível que em várias Dioceses, praticamente, só participam da eucaristia dominical pessoas da terceira idade. O número de jovens é insignificante. Não é exagero afirmar que muitos batizados tem se afastado da Igreja oficial, pois ela vive em outro mundo e se utiliza de uma linguagem fora dos padrões do mundo moderno. Essa situação se reflete também nas vocações a vida consagrada. Muitas congregações sobreviverão por causa dos africanos e indianos. É pertinente recordar a pergunta de J.M.R.Tillard:” somos os últimos cristãos?”
Para respondermos os apelos de Deus na pós pandemia temos que superar alguns obstáculos:
- Os escândalos financeiros por parte de clérigos, que mostram pouco espírito evangélico na gestão dos bens da Igreja, além do autoritarismo, abuso de poder e centralismo;
- Uma moral legalista e casuística, estruturada a partir de uma antropologia dualista pré-moderna e pouco personalista, muito centrada na questão sexual, que utiliza a pastoral do medo do pecado para manter o povo cativo na Igreja;
- Superar essa liturgia centrada em vestes e gestos teatrais que resulta numa linguagem ininteligível, clerical e pouco participada.
A Igreja se ela quiser ter futuro vai ter que recolocar o pobre como centro de suas atenções pastorais. Depois da Covid 19, virá uma pandemia muito pior que é a pandemia da fome. Segundo a Oxfam, morrerá por dia no mundo 12 mil pessoas como consequência da fome. Nesse exato momento já são 14 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza. A tendência é que esse número aumente após a pandemia. Portanto pastoral da Igreja não poderá ser estranha a essa realidade.
A pastoral na pós pandemia não pode ficar centrada na doutrina, na moral ou no ritual. O processo evangelizador centrado nesses três elementos é mais fruto de opção ideológica do que propriamente evangélica.
No período de isolamento, muitas pessoas redescobriram o valor da igreja doméstica, rezando juntos, fazendo pequenas celebrações. Essa experiência de igreja tem que ter continuidade, pois no mundo do individualismo doentio, essa experiência ajuda a fortalecer os vínculos comunitários. É vital para a Igreja ajudar os cristãos a fazerem uma experiência de Jesus Cristo libertador, tal como aparece nos evangelhos. O Papa Bento 16, diz de maneira lúcida:” não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas por um encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte a vida, e com essa pessoa uma orientação decisiva.”
O testemunho dos clérigos na sua globalidade é importante, pois, eles devem oferecer ao povo de Deus uma sabedoria espiritual e dessa forma iniciar no mistério de Jesus de Nazaré todas as pessoas, antes de toda referencia eclesial, institucional, doutrinal, moral ou ritual.
Nesse tempo de pandemia, Jesus não oferece só uma vida plenamente humana com valores como justiça, solidariedade, compaixão, misericórdia, perdão, compromisso com um mundo melhor, sem que nos abra a uma dimensão transcendente, ao mistério do Pai e ao Espírito Santo,
O povo tem sede de Deus, portanto descobrir a dimensão profundamente espiritual e mística da comunidade cristã, que não é simplesmente organização e burocracia, mas sim uma permanente pentecostes que envia o Espírito para renovar as pessoas.
A temática da libertação não poderá ficar de fora de qualquer projeto pastoral na pós pandemia. A razão é muito simples. Estamos num processo de destruição da vida humana que é fruto da ditadura totalitária do dinheiro e da ganancia. Em muitas igrejas inclusive a católica a preocupação pelo rendimento mensal chegou adquirir centralidade, relativizando a missão. A natureza está gritando devido a agressividade que se comete contra os ecossistemas. Uma Diocese que não coloca a questão ambiental como parte do seu projeto pastoral, não é fiel a realidade. Não é a missão que faz a realidade, mas a realidade que faz a missão da Igreja. Todos sabem que do ponto de vista bíblico, a primeira ação de Deus é a libertação.
Na Igreja do Brasil, são poucos os bispos e padres que posicionam contra a destruição da política, do meio ambiente e da vida humana perpetradas pelo governo de um obtuso que ocupa a presidência nesse momento. Muitos tem medo das perseguições, difamações que são veiculadas pelas mídias sociais por parte daqueles que formam o gabinete do ódio. Mas como diz Jesus: “não tenhais medo!” Essa palavra de Jesus deve ser para seus seguidores uma força para seguirem firmes na defesa das pessoas humilhadas pela miséria. Faz-se necessário nesse momento recuperar a profecia, como pedia dom Helder a Marcelo Barros, antes de deixar esse mundo. Nesse tempo de pandemia, a Igreja precisa de profetas corajosos para enfrentar esse fascismo que tomou conta da sociedade e está comprometendo o espírito republicano da nação. Sempre é bom lembrar Thiago de Mello: “Faz escuro, mas eu canto.”