Testemunhos recebidos ou encaminhados a mim por ocasião da páscoa do Pe. José Comblin
1. Pe. Joseph Servat, missionário francês, hoje residente em Toulouse*, que trabalhou no Brasil (especialmente no Nordeste, na animação da ACR, de 1965 até começos dos anos 90):
Joseph Comblin, meu irmão.
Esse homem tem marcado muito minha vida no Brasil. Os primeiros contatos podiam parecer indiferentes, com algumas vezes essas friezas e ironias ásperas que podiam desanimar quem não o conhecia. Depois com mais intimidade descobri o seu grande sorriso que revelava grande coração quente e aberto.
Com ele falava-se no essencial nesses tempos duros onde as mudanças politicas acentuaram a dureza da vida do Nordeste e a urgência de um despertar da fé. Como descobrir a realidade de um povo sofredor, inconsciente das situações que vivia, aceitando tudo cegamente de todas as autoridades divinas e humanas, sem conhecer bastante a riqueza libertadora da Palavra de Jesus no Evangelho.
Nos encontramos “em Dom Hélder Câmara” apesar de algumas vezes andar por caminhos diferentes. A mesma preocupação de ajudar o povo da roça a se humanizar, afirmar-se na fé, tornar-se uma presença transformadora num mundo e numa Igreja que de fato o deixaram sempre à margem da historia. Como despertar e preparar no povo nordestino homens e mulheres capazes de desenvolver os projetos de Deus?
No tempo de Paulo VI, animados por Dom Hélder, nos encontramos com Comblin, Guerra e outros padres para preparar animadores de comunidades em vista da presidência da Eucaristia, mas os tempos mudaram. Passaram três anos de intensa colaboração na heroica “teologia da Enxada” e também em encontros com dezenas de padres dos Estados do Nordeste no despertar duma Pastoral Rural. Respondendo aos convites da ACR, Pe. Comblin participou também como assessor de algumas das grandes assembleias do Movimento, verdadeiras fontes duma vida nova.
Com ele e tantos outros vivemos, no meio de perigos, prisões e mortes -o Espirito Santo soprando em abundância- anos de esperança, de alegria e de vida nova. No meio de perigos e de mortes pareciam se desenvolver sinais duma Igreja Nova. O povo da roça tentava assumir os seus destinos na terra como no céu. Nessas situações, sim, conheci profundamente a pessoa do Padre José Comblin, experimentei sua fé, seu amor de Deus nos pobres, aproveitei as visões desse profeta do Nordeste que se foi nesses dias encontrar Ibiapina, Cicero, Dom Hélder, Fragoso e tantos outros que viveram a intensidade do amor de Deus que se encarnou no meio dos mais pobres. “Vai com Deus, fiel servidor de Deus. Até logo”
Pe. Joseph Servat
Tel (00 31 23) 5 61 13 17 55
- Mensagem enviada por Dom José Maria Pires, e lida por ocasião da celebração dos funerais de Pe. José Comblin, por Irmã Maria Letícia Penido:
Zumbi, ganga meu rei,
Você não morreu,
Você está em mim.!
Isso que nós negros afirmamos de Zumbi dos Palmares, vale para todos os nossos ancestrais. Eles passaram a uma nova vida, mas continuam presentes, embora invisíveis, acompanhando e protegendo seus descendentes.
Algo semelhante acontece com Você, Padre José. Você não morreu, tornou-se invisível a nossos olhos, mas continua vivo na memória dos missionários do campo, das missionárias, vivo na família do Discípulo Amado e de outros grupos que nasceram de seu coração de missionário que deixou o conforto da Bélgica e veio ajudar seus irmãos da América Latina na caminhada do Vaticano II implementando uma Igreja que retrate a simplicidade, a beleza e a riqueza do povo nordestino, especialmente dos mais pobres.
Agora que Você parte para a Casa do Pai, não podemos lhe pedir o que Eliseu pediu a Elias: “o dobro do seu espírito” (cf. II Reis, 2,9). Nessa hora de despedida, pedimos a Deus que suscite novos profetas que possam como Você questionar e incomodar, fazendo a Igreja crescer como Igreja Missionária, Igreja, povo de Deus. Vai em paz, Padre José!
- Testemunho de Dom Luiz Flávio Cappio, Bispo de Barra – BA, ao final da celebração dos funerais do Pe. Comblin.
(Palavras anotadas por Irmã Maria Letícia Penido)
(Perdi o início procurando lápis e papel)
Gostaria de agradecer por sua perseverança. Até o fim. Por sua perseverança no silêncio. Na discrição. Até o fim.
Quem perseverar até o fim, esse será salvo.
Obrigado, meu amigo, por seu testemunho de homem fiel.
Quero lhe pedir também, agora, a você que está tão perto de Deus, que conceda a seus amigos aqui da terra, que como você, sejamos fiéis a Jesus. Sejamos fiéis a Jesus. E a seu Evangelho. Você foi muito fiel a Jesus. Muito. O Evangelho foi escrito no seu coração com letras de ouro e você o testemunhou de maneira bonita, simples, silenciosa, mas com os arroubos de profeta. Obrigado por seu testemunho de fidelidade a Jesus e a seu Evangelho.
Também quero pedir que você, junto de Deus, rogue por seus amigos da terra, para que sejamos fiéis ao povo de Deus e dentro do povo de Deus, de modo carinhoso, como você testemunhou, os pobres, os pequenos, os sem voz, sem vez, sem nada. Mas os que eram cheios de Deus. E você assumiu esse compromisso evangélico de servir os prediletos de Jesus que são os pobres deste mundo. Ensina-nos Pe. José e ajuda-nos a fazer como você fez. Muito obrigado.
- Testemunho de Mônica Muggler, missionária popular, uma das animadoras das Escolas de Formação Missionária, acerca do Pe. José Comblin
Meus queridos amigos,
Minhas queridas amigas
Desde o dia 27/3, eu me permiti ser Maria. Maria aos pés do mestre JESUS que me falou intensamente. Falou através dos mistérios dolorosos e gloriosos vividos.
Falou através da presença de tantos que vieram dos quatro cantos celebrar a ressurreição do nosso amigo José Comblin.
Falou através do abraço, do aperto de mão, das lágrimas silenciosas, da solidariedade entre todos que nos sentimos irmanados na orfandade.
Falou através das mensagens e testemunhos tão diversos e genuínos retratando a grandiosidade de nosso profeta.
Falou enfim através da vida tão completa de nosso amigo que pude acompanhar por tantos anos.
O Mestre foi desvendando os fatos, como fizera pacientemente com os discípulos no caminho de Emaús, até reconhecerem o Ressuscitado! Daí vou haurindo as forças para prosseguir no caminho de Jesus.
É com o coração repleto de GRATIDÃO que faço essas linhas. Gratidão pelo nosso querido José Comblin – o padre Zé – por tudo o que ele foi e significa para nós.
Gratidão também por cada um, por todos vocês que tão carinhosamente se expressaram de muitas formas, de todos os recantos, presentes nas mais diversas fases de nossas histórias. Tantas mensagens tão belas, tão lindas, que transbordaram do coração. Raios de Luz a suavizar a noite e a apontar o rumo, como a estrela de Belém. Certamente ele quer nos ver a caminho. Por isso envia a sua luz!
Ele partiu para a sua Grande Viagem, como ele costumava dizer. Três dias antes comentava comigo: – Acho que Deus se esqueceu de mim… pela primeira vez senti que desejava partir. Indaguei, ao que ele respondeu: não me sinto mais desse mundo. Nos últimos dias tinha pressa de fazer tudo, organizar, responder. Mas o livro… o livro era o grande desafio. Desejava fazer o melhor. Trabalhou intensivamente na 4ª versão em janeiro. Já ia adiantado, quando o computador escondeu e não mais devolveu seus escritos. A princípio ele se conformou, disse que era para poder recomeçar melhor… Mas um mês depois, o esforço o desafiava, dava para perceber. Sua mais bela obra ficou inacabada. Será, sim, publicada no momento oportuno.
Ele se preparou cuidadosamente para a Grande Viagem. Todos se recordam quando optou pela diocese de Barra, terra de desafios, sertão remoto e esquecido, igreja dos pobres, dos pequenos, dos sem voz, sem vez, sem nada… mas cheios de Deus! Ele justificava: preciso me converter, preparar-me para a grande viagem. Acolhido pelo pastor, místico e profeta, que muito admirou e amou, cada dia José se via mais feliz. “À sombra de um santo como dom Cappio, eu só posso estar muito bem!”
Nosso amigo viveu a sua Páscoa de modo sereno e rápido como pedira a Deus.
Todos queríamos tanto que ele ficasse mais um pouquinho… só um pouquinho…
Levantou-se na manhã do dia 27, fez a barba, tomou banho, vestiu-se, tomou o remédio, colocou o relógio e, neste dia, um agasalho… Diariamente o mesmo ritual. Hospedado num apartamento na sacristia da capela do Recanto da Transfiguração, – (comunidade querida de apoio em Salvador, onde vive Gisa e uma comunidade de consagradas leigas) – abriu as duas portas chaveadas de passagem para a capela e o jardim. Logo retornou… Seria um mal estar? Quem viu, do outro lado do jardim, logo veio com um guarda-chuva, pois garoava. Chamou… outra vez… silêncio. Adentrou até o quarto e lá estava nosso amigo sentado na cama inerte. Seu cardiologista veio constatar: fibrilação atrial (que provocou uma embolia cerebral), morte instantânea. Além da graça de uma morte rápida, queria também morrer na ativa… assim ficou, sentado… e queria morrer em casa… – partiu desse recanto tão acolhedor.
Não houve nem tempo, amigo, para colocar a música que pediste para esta hora definitiva: o coro final da Paixão segundo Mateus, de J.S.Bach.
O Pai amorosamente o ACOLHEU… ouvindo os seus desejos. Era domingo, o dia do Senhor. O Senhor veio, e no jardim da vida, colheu a flor mais viçosa. Nós, tomados de surpresa… não tivemos pressa, necessitávamos contemplar o mistério que na sua eloquência só nos pedia silencio profundo e obediência. Na hora do crepúsculo Frei Luiz Cáppio nos convidou a celebrar a Eucaristia na intimidade do corpo presente. Ele ainda no estado natural, tão sereno, irradiava tanta paz e até mesmo um sorriso velado nos lábios. Parecia ouvir nossos testemunhos e os cantos das comunidades.
Na 2ª feira fizemos a última viagem por terra – de carro como ele tanto gostava de viajar. Saímos de Salvador rumo ao Santuário de Santa Fé, no município de Solânea, Paraíba, Era lá que desejava fecundar a terra, junto ao modelo de missionário que ele tanto difundiu, o Pe. Ibiapina. Ele dizia: não quero ficar abandonado, lá sempre tem gente visitando o padre Ibiapina, assim também aproveitarei do movimento…
Movimento foi a sua vida toda, incansável.
Chegamos na madrugada da 3ª feira: noite escura, céu estrelado. Em breve a aurora se anunciaria e o dia chegaria. Que lindo dia! Quantos reencontros! O Santuário se preparou para recebê-lo. Alimentou e hospedou a tantos peregrinos que vieram de toda parte para o último adeus. Obrigada padre José Floren, obrigada Ir. Letícia – quanta dedicação. Também seus filhos e filhas mais próximos que chegaram antes para preparar as cerimônias. Certamente ele se regozijava de ver a sua imensa família se reunindo…
Os funerais começaram com a leitura de mensagens – durante uma hora inteira… e não foi suficiente. As 15.00 a celebração eucarística, presidida pelo bispo de Guarabira, Dom Lucena, outros cinco bispos, cerca de 60 padres. Quando a noite já nos envolvia, os funerais. Bem ao lado do padre mestre Ibiapina.
Sim, você já nos contemplava da morada eterna.
Veja, José, a multidão de filhos e filhas! Quantos acorreram a Santa Fé de todos os lugares, até de fora do Brasil! Bispos, sacerdotes, religiosas, mas, sobretudo o povo dos pobres, tantos missionários e missionárias, os pequeninos, os preferidos de Jesus – estes mesmos que você amou de modo tão terno. Quantos se irmanaram nessa hora de todas as partes do mundo: da América Latina amada, da sua terra de origem Bélgica, dos vizinhos países europeus, da América do norte, até de Jerusalém… Provavelmente, do Japão, das Filipinas e tantos lugares onde seus escritos também chegaram…
Você teve o dom maravilhoso de REUNIR numa grande família todos os que sonham com uma Igreja mais humana, mais presente, mais amante e fiel a Jesus, fiel ao seu Evangelho. Como você gostava de ensinar, de mostrar, de descortinar horizontes… apontar o Caminho de Jesus. Seu olhar aguçado penetrava a realidade e nos despertava do torpor, da cegueira e da inércia. Obrigado, padre Zé!
Sofremos, sim e muito! Somos de carne e osso ainda, e a sua presença física, com suas manifestações: o sorriso, a ternura, o abraço, suas mãos tão ternas e servidoras, o olhar tão transparente e verdadeiro, a suavidade e clareza … e sobretudo, as suas palavras – sábias, sinceras, penetrantes, contundentes – nos faltam imensamente, amigo! Quanto privilégio tivemos! Cultivaremos sim a sua memória, não para guardar, mas para repartir.
Sua PRESENÇA perdura através dos seus gestos que marcaram tantos corações. A sua voz segue ecoando através dos seus escritos! Os seus exemplos do cotidiano são filmes permanentes na memória do coração.
Com você aprendemos que ter Fé em Jesus não é render-lhe um culto. Ter fé em Jesus é entrar no seu Caminho e perseverar! Aprendemos a lição do amor – única realidade humana que nunca desaparece! – dirigido, sobretudo aos pequeninos e esquecidos da sociedade. O dom do Espírito é o dom de AMAR! você escreveu.
Concede-nos a fidelidade e perseverança para levar adiante o legado que você nos deixou.
Ensine-nos a ser LIVRES como você foi!
* * * * *
Voltei para a diocese de Barra – a nossa casa – que nos acolheu com tanta alegria há quase dois anos. Aqui fui chamada a trilhar o caminho de Jesus. Quem colocar a mão no arado e olhar para traz não é digno de mim.
Cheguei para a Missa de 7º dia, celebrada na Catedral. Uma Eucaristia fervorosa e participada, uma homilia tão expressiva sobre sua vida e presença, no ofertório os símbolos do seu sacerdócio e da sua missão, no final as mensagens singelas.
Pouco a pouco vou retomando a vida como Marta. Certamente não faltarão os momentos de ser Maria. Santa Fé do padre Ibiapina será local de peregrinação. Organizar seu legado, sua memória será um dos nossos trabalhos. Dedicar-me às Escolas Missionárias, principalmente a caçula na diocese de Barra. Contribuir na animação missionária no chão Nordestino, viver entre os pobres e os pequeninos … Será a missão!
OBRIGADA minha irmã, OBRIGADA meu irmão!
Sigamos irmanados e APRENDIZES do Caminho de Jesus inspirados pelo nosso amigo para sempre José Comblin!
Barra, 05 de abril de 2011
Mônica Maria Muggler
…também quero pedir
que você, junto de Deus, rogue por seus amigos da terra. Que sejamos fiéis ao povo de Deus e, entre o povo de Deus. de modo carinhoso, como você testemunhou, os pobres, os pequenos, os sem voz, sem vez, sem nada. Mas que são cheios de Deus. E você assumiu esse compromisso evangélico de servir os prediletos de Jesus que são os pobres deste mundo. Ensina-nos padre José e ajuda-nos a fazer como você fez.
(Palavras de Frei Luiz Flávio Cáppio durante os funerais) |
- Testemunho de Leopoldo Carneiro de Rezende, jornalista do Rio de Janeiro
Querido Alder,
Desde já, eu queria, aqui do Rio de Janeiro, mandar um forte abraço a você e a todos os queridos amigos da Paraíba pela passagem a Casa do Pai do nosso grande Pe. José Comblin. O Wanderley me telefonou ontem à noite mesmo para me dar a notícia. Infelizmente, só pude lhe mandar esta resposta hoje à tarde porque estou com problemas no computador de minha casa. Por isto, estou tendo que usar o computador do trabalho.
Apesar de ter estado apenas duas vezes com ele quando estive aí na Paraíba, pude sentir de perto toda a força e a energia que emana do Pe. Comblin. Eu digo isto no presente e não no passado porque acredito piamente que esta força e esta energia não se apagaram. Elas ‘apenas mudaram de origem. Não vão sair do corpo físico do Pe. Comblin e sim do seu corpo espiritual. Agora, nos cabe continuar mantendo esta chama acesa, fazendo brotar em outras pessoas as sementes de amor, justiça, fé e esperança que o Pe. Comblin tão bem plantou.
Nós que tivemos o privilégio de conhecer este homem tão repleto do Espírito Santo é que devemos seguir em frente. Não esmorecer em nenhuma das lutas que ele tão bravamente lutou. Em nenhum de seus sonhos que ele tão alegremente sonhou. E nenhuma de suas obras que ele tão energicamente construiu. Devemos ser tão profetas como ele foi, denunciando as injustiças e lutando pela verdade e pela dignidade num mundo ainda tão dominado pela cobiça e pela ambição.
Para terminar, reforço o pedido para que mande abraços a todos que tive a felicidade de conhecer na minha rápida estada na Paraíba. Em especial, mande um forte abraço na Mônica que, por um longo tempo, teve a grande alegria de estar sempre ao lado do Pe. José Comblin. Por hora me despeço, já me deixando a sua disposição e de qualquer pessoa do grupo para qualquer tipo de ajuda. E pedindo a Deus que a passagem do Pe. Comblin reforce ainda mais os laços que nos une e que começamos a construir há quase dois anos.
Fraternalmente,
Leopoldo
- Testemunho do Pe. José Maria da Silva (Diocese de Pesqueira – PE)
Caríssimo Alder: antes de sairmos para o Retiro do Clero no Crato,
logo após o café amanhã de manhã, antes de ir dormir, estou abrindo o
gmail, procurando ver alguma novidade. Deparei-me com a notícia que
me deixa entristecido da partida do nosso querido José Comblin, um
sinal de contradição na Europa e também entre nós, por nunca nos ter
sonegado a verdade – “nua e crua” – tendo sacudido a consciência de
muitos acomodados – como o fez Jesus Cristo também frente a fariseus e
mestres da lei. Claro que os “grandes”, também nos quadros da Igreja,
mal aturaram tal transparência na fidelidade ao grito da consciência
cristã. Na visão eterna na casa do Pai, o encontraremos… e estamos
felizes pelo grande testemunho que nos deixou. Eu não tinha sabido de
nada a respeito da saúde do nosso inesquecível. Só os 88 anos e nada
mais? Teve alguma crise repentina? Nada foi possível fazer? Com
certeza partiu tranquilo. Que Deus o tenha na glória e nós o tenhamos
forte na memória!… Pe. José Maria
- Testemunho de Enrique Orellana, integrante do grupo “Somos Iglesia – Chile”
Estimado/a amigo/a, informamos lamentable fallecimiento de nuestro amigo P. José Comblin. Te mantendremos informados de la actividades por realizar (en Chile).
Fraternalmente Enrique Orellana y amigos y amigas de P. José Comblin
Fono 09 3659171
Muere en Brasil el sacerdote belga y teólogo de la Liberación José Comblin
Río de Janeiro, 27 mar (EFE).- El sacerdote belga José Comblin, uno de los más importantes representantes de la Teología de la Liberación y que llegó a ser expulsado de Chile y de Brasil por sus ideas, murió hoy a los 88 años en la ciudad brasileña de Simões Filho de causas naturales, informaron fuentes eclesiásticas.
Comblin, un estudioso de la Iglesia de América Latina y autor de obras como “Teología de la Liberación”, “Teología de la Azada” e “Ideología de la Seguridad Nacional”, murió en la pequeña ciudad de Simões Filho, en el estado de Bahia (nordeste) y a donde había acudido para dar un curso a comunidades de base.
El sacerdote, que tenía problemas cardíacos y usaba marcapasos, fue encontrado muerto en el cuarto en el que estaba alojado por otros religiosos que lo esperaban para la oración matinal y que extrañaron su demora.
El cuerpo del religioso belga será velado hoy en la ciudad de Salvador, capital regional y próxima a Simões Filho, y sepultado en una pequeña población del empobrecido estado brasileño de Paraíba según sus deseos, dijeron a Efe voceros de la Arquidiócesis de Barra, también en el estado de Bahia y en donde residía.
Comblin fue uno de los seguidores y principales asesores del obispo brasileño Hélder Cámara, el defensor de los derechos humanos y de la opción de la Iglesia por los pobres que llegó a ser conocido durante la dictadura brasileña como el “obispo rojo”.
Además de especializarse en estudios sobre la Iglesia latinoamericana, el religioso belga contribuyó en la construcción de la Teología de la Liberación, especialmente de la dirigida a los agricultores pobres y a los habitantes de comunidades rurales.
Comblin, que nació en Bruselas el 22 de marzo de 1923, fue ordenado como sacerdote en 1947 y se graduó como doctor en Teología en la Universidad Católica de Louvain.
El religioso llegó por primera vez a Brasil en 1958 para atender la petición del papa Pío XII para que los sacerdotes europeos actuasen como misioneros voluntarios en regiones con falta de sacerdotes.
Se estableció inicialmente en Campinas, en el interior del estado de Sao Paulo en donde sirvió como profesor y se acercó a la Juventud Obrera Católica, para la que trabajó como asesor.
En Sao Paulo, en donde permaneció hasta 1962 antes de viajar a Chile, fue profesor en la Escuela Teológica de los Dominicos de frailes que se destacarían después como teólogos de la liberación y en la resistencia a la dictadura brasileña, entre los cuales Frei Beto y Frei Tito.
Tras tres años dando clases en la Facultad de Teología de Chile, regresó a Brasil en 1965 al recibir una invitación de Hélder Cámara, entonces obispo de Recife, para desempeñarse como profesor en el Instituto de Teología de Recife.
Sus obras polémicas y su trabajo con los teólogos de la liberación lo convirtieron en blanco del régimen militar brasileño, que ordenó su arresto y deportación en 1971.
Vivió durante 8 años como exiliado en Chile en donde ayudó a crear un seminario rural en Talca, pero, tras la publicación de un libro sobre la ideología de la seguridad nacional, fue expulsado por el régimen de Augusto Pinochet en 1978.
El sacerdote belga regresó entonces a Brasil para trabajar en el estado de Paraíba, en donde fundó un seminario rural, pero, como ingresó al país con una visa de turista, fue obligado a viajar cada tres meses al exterior para renovar la autorización.
Su situación legal apenas fue regularizada tras la ley de amnistía de 1979.
Además de sus obras teológicas y de los seminarios que ayudó a fundar, Comblin también creó varios movimientos para laicos, como Misioneros del Campo y Misioneros del Medio Popular. EFE
- Testemunho de Pe. José Oscar Beozzo (Teólogo da Libertação, Lins – SP)
O teólogo padre José Comblin, de 88 anos, morreu na manhã deste domingo, 27, no interior da Bahia onde assessorava grupos de base. Segundo padre José Oscar Beozzo, padre Comblin levantou-se cedo, tomou banho, aprontou-se, mas não apareceu para a oração da manhã. Procuram-no e o encontraram-no sentado no quarto e já morto.
“Perdemos um mestre e um guia inquieto e exigente como os velhos profetas, denunciando sempre nossas incoerências na fidelidade aos preferidos de Deus: o pobre, o órfão, a viúva, o estrangeiro. Trabalhou por uma Igreja profética a serviço destes últimos nas nossas sociedades”, lamenta padre Beozzo.
Nascido em Bruxelas, na Bélgica, em 1923, Comblin foi ordenado padre em 1947. Fez doutorado em teologia pela Universidade Católica de Louvaina e chegou ao Brasil em 1958. Em Recife, a convite de dom Hélder Câmara, foi professor no Instituto de Teologia do Recife.
Expulso do Brasil em 1971 pelo regime militar, padre Comblin exilou-se no Chile durante oito anos, de onde também foi expulso, em 1980, pelo general Pinochet. Voltando ao Brasil, passa a morar na Paraíba, em Serra Redonda. É autor de uma vasta obra.
Padre Comblin morava, atualmente, em Barra, na Bahia. “Comblin dedicou praticamente toda sua vida ao povo e à Igreja da América Latina, no Brasil, no Chile e no Equador e em centenas de assessorias por todos os países”, recorda padre Beozzo.
- Testemunho de Ronaldo Zanella (Peregrino, com passagem por Trindade (BA), Crateús – CE, Mosteiro da Fraternidade do Discípulo Amado (AL) e Casa Papa João XXIII (João Pessoa – PB), estando atualmente em São Paulo)
Caríssimo Alder agradeço a notícia da passagem do Coblin. Só Deus sabe a importância deste homem entre nós. Para mim foi um profeta. Graças a sua espiritualidade eu me conscientizei que ser cristão não é ir à igreja e seguir o que o sacerdote falou. Mas viver o espírito do Evangelho, e viver o Evangelho é diferente de viver uma religião.
Agradeço as mensagens e textos que na fraternidade você me manda.
Abraço
- Testemunho de Jeane Troquilino (Educadora em Mamanguape, com passagem pelo CFM – Centro de Formação Missionária, em Serra Redonda, habitante de Mamanguape)
Querido irmão Alder,
Comblin será para nós um testemunho fiel do seguimento a Jesus Cristo na preferencial radical pelos pobres. A esperança dos pobres continua vivo,alimentado por seus testemunhos de vida!
Obrigado pelas informações,estaremos nos organizando para participar do plantio.
abraços!
Jeane
- Testemunho de Renato Paulino Lanfranchi (Padre Camboniano, casado, Coordenador do Centro de Direitos Humanos Dom Oscar Romero – Santa Rita – PB)
A notícia da morte do nosso querido mestre e profeta amigo, Pe. José Comblin, nos deixou tristes e espantados pois aumenta nossa solidão, nosso desamparo nestes tempos de fim das utopias, de falta de estrelas a mostrar o caminho, de perseguição dos sonhadores e dos profetas. Por outro lado, quanta gratidão a Deus e à vida por ter permitido os nossos caminhos se cruzarem com os passos rápidos, leves, conscientes, iluminados, laaaá na frente, de Pe. Comblin! Gratos por ter bebido da sua palavra viva, da sua ironia sutil e gentil, das suas leituras corajosas da conjuntura. Comovidamente e eternamente gratos por sempre nos lembrar que o que conta é a vida dos pobres e a mensagem sem embrulhos do Evangelho de Jesus de Nazaré. Que herança ele nos deixa! Para mim sua estrela brilha ainda mais agora! Irei aguardar (procurar?) com alegria e expectativa seu último livro sobre o Espírito. Obrigado Pe. Comblin!
Renato Paulino Lanfranchi.
- Testemunho de Jung Mo Sung (Teólogo da Libertação)
Lições que aprendi com Pe. Comblin: liberdade e a história
Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Adital
O falecimento do Pe. Comblin nos faz enfrentar uma realidade inevitável: a primeira geração (provavelmente a mais criativa e rigorosa) da teologia da libertação está aos poucos chegando ao limite da vida. Uma forma de homenagear pessoas como Comblin é continuar a tarefa de uma reflexão crítica séria comprometida com a causa dos pobres e também de divulgar o seu pensamento para novas gerações de estudante de teologia ou de agentes pastorais.
Pensando nisso é que resolvi escrever este pequeno texto. Mas é uma tarefa muito difícil escrever em uma página o que significou a pessoa e a obra de Pe. Comblin para as igrejas cristãs na América Latina e também para muitos não cristãos que conheceram, por ex., o seu livro “A ideologia de segurança nacional”. Por isso, eu quero simplesmente compartilhar algumas ideias de Comblin que me marcaram nos últimos 30 anos.
Se há uma palavra que marcou a minha leitura da vastíssima obra de Comblin é a liberdade. Ele disse: “Segundo a Bíblia, a liberdade é mais do que uma qualidade, um atributo de ser humano: é a própria razão de ser de humanidade.” E a afirmação de Paulo de Tarso, “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gal 5,1)” pode ser visto como o mote que guiou a sua obra. Esta busca de liberdade, que impulsiona a luta pela libertação, não pode ser confundida com uma visão moderna burguesa da liberdade. “Não é livre aquele que diz que faz o que quer, mas, na realidade, não sabe resistir à pressão dos desejos, tornando-se escravo dos objetos que excitam o seu desejo.” Nestes casos, a liberdade pressupõe a libertação dos desejos individuais e a sua realização no assumir o serviço e a causa em favor dos mais pobres.
A sua reflexão crítica não era direcionada somente à visão burguesa da vida e da liberdade, mas também a outras teses presentes no nosso meio. Já na década de 1960, quando muitos do cristianismo de libertação estavam descobrindo o marxismo e o utilizando nas análises sociais e nas propostas políticas, Comblin criticava filosofias da história que anunciam um caminhar necessário da história humana para a erupção do Reino da Liberdade (marxismo) ou para “cristificação do universo” (inspirado em Teilhard de Chardin), quando começaria a verdade história humana, plena de harmonia. A sua crítica constituía em duas ideias centrais: a) a liberdade não pode nascer da necessidade; isto é, se a histórica caminha necessariamente para um ponto, este não é liberdade porque processos históricos necessários não podem gerar a liberdade, pois não haveria opção de não chegar; b) esta visão de que após a “revolução final” iniciaria a verdadeira história humana é um mito que desqualifica a história humana a uma pré-história.
A sua reflexão a partir da liberdade se aplica também sobre a noção de Deus. Para ele, a tradição bíblica difere da tradição Greco-Ocidental que busca em Deus o fundamento da ordem atual ou da nova ordem a surgir necessariamente (Deus como motor criador da nova ordem). “Na Bíblia, todavia, tudo é diferente porque Deus é amor. O amor não funda ordem, mas desordem. O amor quebra toda estrutura de ordem. O amor funda a liberdade e, por conseguinte, a desordem. O pecado é consequência do amor de Deus.”
“Que Deus é amor e que a vocação humana é a liberdade são as duas faces da mesma realidade, as duas vertentes do mesmo movimento”. Segundo esta forma de ver Deus e o sentido da existência humana, Deus, não é mais um ser todo-poderoso que impõe sobre o mundo a sua vontade conduzindo a história para um fim já preestabelecido. Uma visão presente não somente em setores conservadores, mas também em diversos setores considerados “progressistas” e eco-socialmente engajados. Deus vem ao mundo como alguém que se fez impotente diante do ser humano livre: “esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana” (Fl 2,7).
Para Comblin lutar pela libertação e uma vida de liberdade não é lutar por um mundo sem mal, pois não é possível vivermos a liberdade sem a possibilidade do mal e do pecado. Deus fez o mundo tal que o pecado é uma possibilidade inevitável. Por isso, ele retoma um texto bíblico muito citado por Juan Luis Segundo, “Já estou chegando e batendo à porta. Quem ouvir minha voz e abrir a porta, eu entro em sua casa e janto com ele, e ele comigo” (Ap 3,20) e diz: “se ninguém abrir, Deus aceita a derrota sabendo que sua criação fracassou. Deus criou um mundo que podia fracassar.”
Essas palavras mostram uma característica de Comblin que sempre admirei: a sua coragem profética de dizer coisas que podem contrariar nossos desejos românticos, desejos que nos levam para fora da história humana e do ser humano real. Assim, ele cumpriu com a sua obra um dos propósitos da teologia da libertação: ser uma reflexão crítica sobre o mundo idolátrico e também sobre a nossa religiosidade e experiência de fé, a serviço da liberdade-libertação dos mais pobres.
[Autor de “Sujeito e sociedades complexas”, Vozes; no twitter: @jungmosung].
- Testemunho do Pastor Rodolpho Eloy
Irmão Alder,
Ontem à noite, no culto dominical, comuniquei à congregação sobre a páscoa de José Comblin. Falei um pouco do que conheço sobre a sua vida, suas lutas e seu ministério apostólico na América dos Pobres, e também sobre o ser humano extraordinário, que sempre nos acolheu com tanta doçura e amizade.
Não poderei estar presente no sepultamento, por causa do meu trabalho, mas peço-lhe que, na medida do possível, transmita a todos que nos conhecem das reuniões de reflexão na casa do Comblin, os nossos mais ternos sentimentos.
Em Cristo Jesus,
Pr. Rodolpho Eloy
Igreja Betesda de João Pessoa/PB
P.S.
O Pr. Ricardo Gondim postou uma reflexão do Comblin em seu site, não sei se antes ou depois do seu falecimento. Sei apenas que é o post mais recente. Veja o link abaixo:
http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=69&sg=0&id=1491
- Testemunho do Pe. Vicente Zambello (missionário “fideidonum, tento atuado em Bayeux, no Multirão, e no Xingu -PA)
Caros amigos e amigas, a pascoa de padre José toca o coração de todos nos.
Conhecemos um grande irmão, profeta, teólogo, pastor.
Lembro com muita saudade as conversas com ele durante os anos que morei no Mutirão de Bayeux, quando com frei Roberto íamos visitar o patriarca, teólogo pastor. Sempre disposto a ouvir. Sempre disposto a ajudar nas palestras, nas confissões na igreja de S. João Batista e celebrara a Eucaristia nas outras comunidades eclesiais de base. Também nos almoços, junto com a missionaria Mônica era sempre nobre, generoso.
Quero repassar para vocês a ultima e-mail que me enviou
Caríssimo Padre Vicente, os meus melhores votos de ano novo. Deus lhe de saúde e fortaleza para percorrer como missionário a ultima reserva florestal do mundo. Coragem e perseverança. Com grande abraço. José Comblin.
Estas e outras palavras, livros, testemunhos padre José nos deixa como relíquia de uma vida totalmente doada aos pobres, a igreja, ao Reino.
Numa carta ele se assinava >pecador, sinal da bela e sincera humildade deste grande homem de Deus.
Agora na casa do Pai com certeza e com lucidez vai continuar acompanhar a nossa caminhada. Obrigado padre José.
Amem.
Seu pequeno irmão Vicente
- Testemunho do Pe. Francis B. Higdon (Pe. Chico, Maryknoll, que trabalhou na Comunidade do Multirião em Bayeux – PB, atualmente em Cochabamba – Bolívia)
Muito caros irmãos,
hoje chego-me as noticias da páscoa do nosso querido Pe. José Comblín. É verdadeiramente um gigante na igreja Americana e especialmente em Chile e Brasil. Não somente o lembro como importante para o povo em geral, mas o considerei meu amigo e conselheiro. Foi ele que dirigiu-me a trabalhar em Mutirão. Por isso sempre estou sumamente agradecido.
Também foi ele que sempre estava pronto pra colaborar nos cursos e retiros dos jovens em Mutirão e com nossos adultos-jovens nos cursos em Mogeiro. É em grande parte sua contribuição a Mutirão que permitia que os fieis da paróquia de São João Batista tome as responsabilidade de levar adiante esse povo pobre para Deus.
Desculpa minhas palavras meio mexcladas, mas quero pôr uma parte de minha alma com sua alma lembrando este Santo novo.
Favor saudar a Mônica, também. Não tenho seu e-mail. Ela tem sido seu companheira fiel. Santa es ela também.
Queiro-os muito e sempre estão em meu coração.
Pe. Xico
- Testemunho do Pe. Antônio Maria Guérin (Desde Chemin de Saint André, Limonest, França. Padre da congregação do Prado, em João Pessoa)
Queridos amigos e amigas.
A partida de José Comblin nos toca profundamente, pois ele marcou nossas vidas, nossa caminhada, a da Igreja da América Latina.
Sexta-feira, o Pe. José me mandou um e-mail me dizendo entre outras coisas: “ Os anos passam tão depressa ! Aqui é a pobreza do sertão…No carnaval dom Luiz Cappio pregou o retiro em Mogeiro para um grupo de missionários leigos. Todos ficaram encantados. Dom Luiz também. Encontrei dom Aldo no centro da pastoral da criança em Curitiba. Acolheu-me com a maior simpatia. Totalmente mudado.”
Como sempre, muito sensível e de pé no chão!
Sinto muito não estar presente no santuário do Pe. Ibiapina, terça-feira, pois estou na França até o mês de Agosto. Mas estarei em profunda comunhão com todos e todas com saudade e esperança.
Com um abraço fraterno.
—
Antônio Maria Guerin
- Testemunho de CLASP
Caros leigos e leigas,
hoje estamos em luto … o céu em festa!
Pois aquele que nos ajudou a se aproximar do poço e a beber da água viva que é Jesus Cristo, fez o seu mergulho profundo e definitivo nas águas de Deus, entregando-se profundamente aos mistérios da eternidade.
Deixa-nos como herança a rota para chegar ao poço, a corda, o balde, a capacidade solidária de encontrar-se com todos os irmãos e irmãs, independente de suas condições, e nos deixa como missão continuar permitindo que Jesus (água viva) continue a nos saciar na sede e no cansaço!
Descanse em paz e interceda por nós, amigo e pastor José Comblin!
CLASP
- Testemunho do Irmão Marcelo Barros (MONGE BENEDITINO, TEÓLOGO DA LIBERTAÇÃO)
Comblin, o profeta da ironia afetuosa
Marcelo Barros
Hoje saí da UTI de um hospital de Olinda, no qual me abriram o peito e me recauchutaram o coração fragilizado, com duas pontes de safena. No reencontro com a vida, ainda no leito de uma enfermaria, fico sabendo da partida do padre José Comblin, meu velho professor de Teologia e amigo de tantos anos e companheiro de lutas e esperanças.
A um teólogo de fama mundial e de projeção pastoral como foi o padre Comblin, não faltarão testemunhos de muitos irmãos e irmãs que com ele conviveram e trabalharam por tantos anos. Eu fui apenas um dos seus alunos em todo o curso de Teologia e nem pertenci ao grupo mais ligado a ele na Teologia da Enxada ou mesmo no instituto de vida missionária que ele animava. Entretanto, fui marcado por sua figura e sua doutrina e tenho algumas experiências próprias que podem ser úteis que agora sejam recordadas. Há pouco mais de uma semana, escrevi um pequeno artigo, defendendo a atualidade e a pertinência de sua profecia eclesial e popular. Ele me respondeu com uma breve mensagem de agradecimento e depois me mandou um texto maior explicando suas críticas ao estilo atual do poder na Igreja Católica.
Conheci o padre Comblin quando ele ainda era muito jovem, em 1964. Dom Hélder Câmara, então novo arcebispo de Olinda e Recife, trouxera uma equipe célebre de professores de Teologia. Entre eles estava o padre Comblin que, durante seus primeiros anos no Nordeste, ficou hospedado no mosteiro dos beneditinos. Naqueles anos, justamente, eu entrei no Mosteiro com a ânsia de renovação que motivava minha geração. Apesar de ser o tempo em que o Concílio Vaticano II propunha para a Igreja um novo Pentecostes, a maioria dos monges se apegava às velhas tradições. Apesar de ser muito discreto e viver outras preocupações pastorais, Comblin não deixava de ser irônico e quase sarcástico. E aquilo me atraía. No meu tempo de noviciado, li em francês “O Cristo no Apocalipse” onde se vê um Comblin exegeta e pouco conhecido. Li também, já em português “A Ressurreição”, um belo livro da Herder no qual ele, antes do Vaticano II, sustentava que o fato teológico mais marcante para o século XX tinha sido a revalorização teológica e espiritual do mistério pascal e da ressurreição de Jesus
Quando comecei a fazer Teologia no Seminário de Camaragibe, ele era o coordenador do curso. Na minha juventude, eu o achava contraditório. De um lado, ele ensinava uma teologia profunda, mas tradicional (não tradicionalista) e eu compreendia pouco isso. Esperava dele intuições inventivas e estas não apareciam, ao menos para mim. Sei que, neste tempo, ele produziu obras impressionantes como Théologie de la Paix, Théologie de la Ville e um estudo sobre Catolicismo Popular no Brasil. Mas, na época, não tive acesso a estas obras. Suas aulas eram dadas em um tom monocórdio, só interrompidas aqui e ali pelas risadas de alunos que festejavam as ironias do Comblin, aparentemente demolidoras, mas no fundo construtivas. Mais tarde, em 1968, o Instituto de Teologia do Recife nomeia uma equipe de três professores e três alunos para elaborar uma proposta de nova temática e nova metodologia teológica. O coordenador da equipe era Comblin e eu fazia parte dos três alunos que tinham de discutir com ele as propostas dos alunos. Eu tinha a sensação de que ele mal nos escutava, mas me surpreendi quando, depois de muitos debates ácidos, ele assumiu nossas propostas e estas foram, em sua maioria, implementadas. No mesmo ano, um escrito interno com o qual Comblin preparava a conferência episcopal de Medellin e propunha uma revolução social, extravasou para a imprensa. Ele que tinha ido a Europa foi proibido pela ditadura militar de voltar ao Brasil. Quando lhe perguntaram quem poderia, até o final do ano, coordenar o seu curso de Teologia dos Sacramentos, (estávamos em agosto), tive a surpresa e o orgulho de saber que ele escolhera o meu nome. Eu era apenas um dos alunos da classe do terceiro ano. A partir daí, sim, eu o assumi como um mestre de vida e procurava ler e estudar tudo que ele escrevia. A partir de então, descobri como ele inovava sua doutrina. Seu livro em dois volumes “Teologia da Revolução” foi meu batismo nos caminhos do que depois chamaríamos teologia da libertação. Nos anos 70, ele estava fora do Brasil e tivemos poucos contatos. Nos anos 80, o reencontrei mais velho e o achei mais aberto e comunicativo, sempre muito atento aos amigos. Um homem fiel às amizades e às relações. Era um intelectual de erudição raríssima, capaz de dissertar sobre Teologia, Política, Bíblia, Economia e muitos outros assuntos com uma competência incrível, ao mesmo tempo que punha em prática sua visão de uma teologia popular e seu carinho por um instituto para formar padres, missionários/as e religiosos /as que viessem do campo e não precisassem sair do meio rural.
Algumas discussões com ele nortearam-me a vida. Por exemplo, a tentativa de libertar a Teologia cristã de sua base helenista (filosófica grega) ainda muito forte em nossa Igreja. Também, me impressionavam sempre a sua capacidade de criticar livremente a estrutura monárquica e absolutista do Vaticano. Mesmo um interesse imenso por uma vida religiosa mais popular e mais inserida, menos centrada nas estruturas das congregações. Nos últimos anos em que vivi no mosteiro de Goiás, sempre passou a Páscoa conosco. No Brasil, temos a graça de contar com teólogos e teólogas dos mais abertos e criativos do mundo, mas a contribuição própria do padre Comblin tem sido sempre a de uma liberdade interior de dizer o que pensa e ser um profeta crítico e irônico sempre capaz de lera história e as estruturas eclesiásticas a partir dos empobrecidos e das grandes causas da América Latina. Em 2006, com Dom Tomás Balduíno e com ele, fomos observadores internacionais das eleições presidenciais da Venezuela e, bem mais do que outros companheiros, eu o vi muito aberto ao bolivarianismo. Quem o conheceu de perto sabe que sua ironia era profunda, mas não era de ruptura e sim de afeição.
Como poucas pessoas, é o caso de Dom Hélder Câmara, Comblin conseguiu ser cada dia mais aberto e crítico à medida que seus anos avançaram. Que sua herança teológica e profética seja por nós mantida e continuada.
- Testemunho de Frei Hugo Fragoso (Frade Franciscano, – irmão de Dom Fragoso -, Salvador – BA)
COMBLIN, COMO EU O VEJO – UM MÍSTICO A DEMOLIR MITOS DO PODER –
Conheço Comblin desde o ano de 1967. Começavam os anos de chumbo de nossa realidade nacional, afetando fortemente a vida da Igreja. De lá para cá, houve toda uma evolução em nossa caminhada histórica: Baixou a noite de trevas sobre o Brasil; surgiu uma aurora de esperança; seguiu-se um estado de anestesia geral em nossa sociedade… E através de todas essas mutações, Comblin conservou a mesma coerência, em seu modo de pensar e agir. Seus traços fisionômicos não mudaram. Conservou-se o mesmo Comblin.
Como caracterizar esse rosto combliniano? Eu costumo qualificá-lo como UM MÍSTICO A DEMOLIR OS MITOS DO PODER. Mas sua “demolição” não é um simples “ato de destruição”. É uma terapia de choque, em vista da cura do organismo social e eclesial. Todo o seu projeto é elaborado, a partir de uma vivência “mística”. Sob o olhar e ação do Espírito, ele se sente impelido, por um sopro profético, a “demolir” todos os mitos que se oponham ou procurem cercear a ação livre do Espírito, a libertar os homens, em especial, das estruturas de poder e dominação.
Para ele, é essa ação livre do Espírito o único absoluto. Como ele mesmo confessa: “Não é sobre a Igreja que devemos nos apoiar, mas sim sobre o que constitui o apoio da própria Igreja, única fonte de sua força, o Espírito de Deus” (José Comblin: O TEMPO DA AÇÃO, Petrópolis, 1982, p. 17 – sigla: TA).
Não se poderá compreender Comblin, se não se tomar a sério aquilo que ele toma a sério: A AÇÃO LIVRE DO ESPÍRITO A LEVAR OS HOMENS À LIBERTAÇÃO.
Uma “leitura” de Comblin: condição prévia para sua compreensão
Para se fazer uma leitura de Comblin, é preciso primeiramente se perguntar como Comblin faz a leitura da realidade. Sua leitura não é um simples exercício intelectual, mas uma “contemplação” do agir do Espírito de Deus na história dos homens. Sem o pressuposto dessa ótica, não se pode compreender o que ele escreve.
Aliás, o enfoque de Comblin em quase todas as suas obras, é o prisma histórico. Ele busca contemplar o Espírito agindo livremente, e rompendo os esquemas de pensamentos humanos. Os seus pensamentos não são os pensamentos dos homens. Os Seus caminhos não são os caminhos dos homens. O Seu modo de agir não se deixa enquadrar nos esquemas humanos.
Ao enfocar ordinariamente a realidade em seu desenrolar histórico, ele tem muito do pensamento de Teillard de Chardin. O fenômeno humano não se pode compreender, a não ser numa perspectiva de processo vital, em que o hoje – que é prioritário – supõe um ontem que o elaborou, e vai se abrindo para um amanhã. É o hoje o momento prioritário da história, por que é no hoje que podemos concretizar, sob a ação do Espírito, nossa agir transformador.
Também é a partir dessa perspectiva histórica, que ele encara toda a realidade numa dinâmica do provisório. Uma só coisa é “absoluta”, o agir livre do Espírito de Deus. Uma só coisa não é transitória: a fidelidade de Deus ao seu projeto de amor em relação aos homens.
Outro elemento fundamental para uma leitura de Comblin, é a percepção do lugar em que ele se posiciona para contemplar a história. Esse lugar é o lugar dos pequenos, dos pobres, dos oprimidos. É ali que ele busca contemplar a ação do Espírito, transformando a realidade humana, a partir dos sem voz e sem vez.
Por isso, Comblin se recusa a aceitar o lugar do poder, como lugar teológico. Recusa-se a aceitar a absolutização da ordem, da autoridade, da lei. E investe contra todos os mitos do poder, que procuram cercear a ação do Espírito.
O estilo combliniano de comunicação é um estilo bem seu. Nos seus manuais de teologia, ele observa as regras básicas da pedagogia. No entanto, nas demais obras, seu estilo não é um estilo dentro das normas da pedagogia convencional. Ele não procede por passos metodológicos; ele queima etapas. Ele não lança antes as premissas; ele estabelece logo a conclusão. Ele “não procura ser compreendido”; ele choca. Ele não seleciona os seus endereçados; ele os nivela a todos. Ele, na maior parte de suas obras, se dirige ao público em geral; mas a compreensão do seu discurso supõe uma formação teológica…
O que talvez mais dificulte a sua leitura é que ele não usa as categorias da teologia escolástica. Passa por cima das conceituações convencionais. Sobretudo, quando ele se refere à Igreja, ao magistério, á lei e à obediência na organização eclesial.
E justifica-se Comblin: “O maior obstáculo [ ao evangelho da liberdade ] foi a teologia escolástica. Uma vez que essa adotou os conceitos da filosofia grega, não teve mais lugar para falar em liberdade” (José Comblin: CRISTÃOS RUMO AO SÉCULO XXI, São Paulo, 1996, p. 63 – sigla: CR).
Face a esse estilo combliniano, julgamos que para fazer uma leitura de Comblin, é preciso primeiro colocar os óculos da simpatia e da compreensão. Do contrário, se alguém para fazer uma leitura das obras de Comblin, arma-se dos “óculos da prevenção”, irá descobrir “heresias”, a cada página.
Um “místico” que vive, respira e age sob a ação do Espírito
Foi, sobretudo, na leitura das suas obras, que procurei discernir os traços desse rosto combliniano. Em seus livros, ele como que despeja sua alma inteira. Expõe todo um projeto de vida. Deixa gravadas bem perceptivelmente suas impressões digitais… De forma que bem se pode perceber, como todo o seu pensar e agir brotam da vivência de uma “mística”, ou seja, a contínua busca de “uma consciência permanente de Deus mediante uma oração que nunca descansa” (José Comblin, A IGREJA E SUA MISSÃO NO MUNDO, S. Paulo, 1985, p. 289 – sigla IM).
É a partir dessa vivência que ele vislumbra a Igreja: “A Igreja não existe a não ser no Espírito e sob a movimentação do Espírito” (TA 15). E esse Espírito se faz presente, antes de tudo, numa moção interior: “Num só ato a pessoa descobre a miséria dos outros e de si própria, tem compaixão do outro, entrega-se ao movimento interior e age” ( José Comblin: VOCAÇÃO PARA A LIBERDADE, S. Paulo, 1998, p. 47- 48 – sigla: VL).
Deus “não é Outro ao lado de nós, nem exterior a nós. Ele é outro que nos envolve e é independente de nós…. Deus é fonte do nosso eu” (CR 330). É Deus que no íntimo de nós mesmos está ajudando a libertar o nosso “eu verdadeiro, que vive o debate entre o pecado e a graça, e que se sente solicitado pelos dois movimentos contrários, luta a vida toda porque nunca chega a alcançar um estado de tranquilidade” (CR 345). E em todo esse processo vital, há um apelo contínuo de Deus “para ser eu, um eu único, totalmente diferente dos outros seres humanos” (VL 240-241). Mas essa vivência “mística” deve levar a uma ação libertadora concreta, pois “na tradição cristã, é falsa e ilusória a mística que pretende amar a Deus num amor desligado das contingências materiais, acima do mundo material, por meio de atos puramente espirituais, sem conexão com este mundo e com os demais irmãos… Uma vida extática seria uma vida falsa” (CR 71).
Comblin atribui à Igreja oriental a origem de uma linha de espiritualidade, que coloca a vida “contemplativa” acima da vida ativa. “A contemplação superou a ação: gerou o tema da superioridade da vida contemplativa, tão diferente das doutrinas do Novo Testamento” (VL 90). E no entanto, “não adianta limitar-se a rezar, refletir ou meditar. Deus quer a liberdade, quer o agir com liberdade” (VL 247). Daí, “não há tarefa mais urgente do que unir de novo o que esteve separado durante tanto tempo, o político e o religioso, o social e o místico” (TA 105).
Nessa união entre o social e o místico, “a libertação dos pobres, a melhoria de sua condição ou sua promoção, seja qual for o nome que se queira dar a esse empreendimento, não constituirá a novidade do Espírito e o próprio do cristianismo?” (TA 372). E Comblin faz um reparo de que “nem sempre os teólogos da libertação tiveram a preocupação de buscar a unidade entre a salvação de Cristo e a libertação temporal” (TA 103).
Seria, por outro lado, falsear o sentido da autêntica mística reduzi-la a um sentimentalismo alienado e alienante. “Há experiências puramente sentimentais, outras puramente extáticas…O mal seria pensar que são experiências do verdadeiro Deus” (CR 328). Não basta encher a boca de expressões altissonantes sobre o amor de Deus. Há em certos movimentos de espiritualidade, hoje em dia, “muito amor a Jesus, mas a um Jesus emocional, afetivo, sem conteúdo racional, um Jesus suspeito de não ser nada mais do que uma projeção das frustrações afetivas tão comuns nos tempos atuais” (VL 10).
Muito ao contrário, “os autênticos místicos mostram os longos caminhos que conduzem a um verdadeiro conhecimento de Deus como na nuvem escura” (CR 328). Esse envolvimento profundo do nosso eu humano pelo Eu divino, Comblin o expressa nessas palavras: “Os místicos sempre disseram que o momento culminante da oração é quando se realiza a fusão do sujeito e do Espírito Santo de tal modo, que o místico se sente levado pela força do Espírito e vai além dos seus limites humanos” (VL 69).
E como teólogo, apresenta ele a tarefa específica a que se propõe, ou seja, “ressuscitar a tradição mística e dar-lhe a devida importância. Nela encontraríamos mais fundamentos para uma atualização da mensagem cristã e uma nova evangelização do que na tradição teológica” (CR 64). Pois, a mensagem do evangelho da liberdade, de modo especial, “foi conservada e transmitida pelos místicos e pela tradição mística” (CR 63).
Mas, infelizmente, os místicos foram através da história marginalizados ou colocados sob suspeição na Igreja: “Quase sempre, durante a cristandade, os místicos foram tidos por suspeitos, justamente porque não se sentiam ligados pelo linguajar oficial escolástico” (CR 63). E não somente: “Os místicos foram colocados várias vezes sob suspeita de se deixarem cair na heterodoxia, e de querer se emancipar da Igreja institucional, para formar uma Igreja puramente espiritual” (CR 327).
“Os místicos ignoraram a teologia e tiveram a impressão de não terem perdido nada” (José Comblin: O ESPÍRITO SANTO E A LIBERTAÇÃO, Petrópolis, 1987, p. 154 – sigla: EL).
E apesar de tudo isso, a mística “mesmo escondida, manteve a tradição de liberdade na Igreja – apesar da estrutura dominadora” (VL 14).
Como teólogo, Comblin sustenta que não busca “uma representação da ação em si, mas sim, saber para onde o Espírito leva os cristãos hoje” (TA 44).
Um Espírito que “desordena” a ordem estabelecida
Esse aspecto da “mística” de Comblin é talvez o que mais provoque temor em todos aqueles que só tomam conhecimento de uma ação do Espírito, dentro das bitolas estabelecidas pelos homens. Que não assimilaram as palavras de Jesus, de que “o Espírito sopra onde quer”. Que têm a “ordem estabelecida” como valor fundamental na Igreja.
É preciso, por conseguinte, que se lembre que muito mais “perigoso” do que Comblin, é o Espírito de Deus, que “sopra onde quer”.
E é propriamente o sopro livre do Espírito Santo que faz “demolir” o mito da “ordem estabelecida”, pois “com o Espirito Santo todo o sistema tem de mudar” (VL 316). Mas esse Espírito, que “desordena” a ordem estabelecida, é o Espírito do Senhor Jesus. E as palavras que ele dirigiu, em certa ocasião, aos seus discípulos, são um verdadeiro lema para toda a vida dos cristãos: “Não tenham medo ! Sou Eu !”
O que, no entanto, causa temor aos homens de Igreja, mais do que o abalo da “ordem estabelecida”, é uma “nova ordem” (se assim é licito chamar) baseada no evangelho da liberdade. Escreve Comblin que as autoridades da Igreja historicamente tiveram medo da liberdade, “porque a liberdade deixou o futuro imprevisível… porque a liberdade abala as garantias da ordem, da tranquilidade… porque a liberdade abre portas para a desordem e o pecado”. Daí, “a angústia de todas as autoridades diante da vontade de liberdade dos súditos” (CR 73 e 76). E concomitantemente, “o temor sagrado ao papa está enraizado, desanimando até os mais corajosos” (VL 303).
Na “ordem estabelecida” da Igreja imperial, “a liberdade ficou escondida por medo dos possíveis abusos e das possíveis falsas interpretações” ( VL 54).
E esse temor se torna mais alarmante, quando os movimentos de libertação individual “adquirem mais importância e vão dar ao magistério da Igreja mais dores de cabeça do que os movimentos de libertação política” (CR 304).
Realmente, “ sem liberdade humana o pecado seria impossível… No entanto, Deus criou a possibilidade do pecado… e por isso não intervém para impedir o pecado”. E a Igreja, “querendo impedir o pecado, pode provocar pecado maior, que é a rejeição da mensagem de amor e de perdão de Deus” (CR 68).
E Comblin constata com alegria e tristeza, ao mesmo tempo, que o Concílio Vaticano II abriu uma porta para o evangelho da liberdade, mas “o medo voltou a tomar conta da maior parte da hierarquia, do papa e da Cúria romana” (VL 314).
O único absoluto é a ação libertadora do Espírito
Comblin escrevendo sobre o modo novo, como Dom Hélder Câmara exerceu o seu episcopado, assim se expressa: “O bispo tridentino é antes de tudo um administrador…estimula uma Igreja estabelecida e considerada como essencialmente estável… Atua dentro de uma Igreja cujo atributo principal é a imutabilidade” (José Comblin: Dom Hélder, bispo do Terceiro milênio, In HÉLDER, O DOM, Petrópolis, 1999, p. 92 – sigla: HC). E acrescenta: “Na Cúria Romana, prevalece a imagem da Igreja tridentina. Prevalece a imagem do bispo tridentino” (HC 91).
A absolutização da ordem, da instituição, da autoridade, da obediência, da lei, dos códigos de comportamento, degeneram em mitos a substituir a ação do Espírito. Mas a ação transformadora do Espírito desfaz todos esses mitos. O chamado do Espírito à liberdade “é o único absoluto que encontramos na vida”.
É mais do que evidente, que dentro dessa linha de raciocínio, nenhuma pessoa, nenhum movimento ou organização pode ser assumido como “mito”. “A reserva crítica e a autonomia diante dos melhores movimentos e das melhores organizações nunca pode ser dispensada” (José Comblin: ANTROPOLOGIA CRISTÃ, Petrópolis, 1985,, p. 229 – sigla: AC).
Essa afirmação de o “único absoluto” na Igreja ser a ação livre do Espírito, levando o homem à libertação, deve imprimir temores aos absolutizadores da ordem estabelecida.
Comblin, diante dessa absolutização da ordem, se faz porta-voz da interrogação perplexa de J. L. Segundo de “como foi possível que o conjunto da organização eclesiástica…tenha escondido o que no Novo Testamento aparece como sendo o centro e a alma da novidade cristã?” (CR 58).
E consequência de tal absolutização da ordem estabelecida é que quando a Igreja dava a tônica na instituição, “a causa da libertação dos pobres se via relegada a segundo plano” (TA 185). E isso, porque o clero e os monges “não podiam ver os problemas sociais do ponto de vista dos próprios pobres… Viam o mundo com os olhos daqueles que se sentem responsáveis pela ordem social, pela tranquilidade, equilíbrio e estabilidade” (TA 185-186). E os pobres, quantas vezes, são vistos como fator de desestabilização, uma vez que suas exigências viriam abalar a ordem estabelecida.
No entanto, “quando a Igreja se entrega à escuta dos pobres… retoma seu lugar tradicional, sempre perdido e sempre reencontrado pela graça do Espírito” (TA 374).
MITOS A CERCEAREM A AÇÃO DO ESPÍRITO
ORDEM, AUTORIDADE e LEI foram categorias “sacralizadas” pelos homens de Igreja, até praticamente o Concílio Vaticano II. Ou, mais precisamente, até que o Nazifascismo “enlouqueceu” essas categorias.
Foi uma herança da Igreja medieval, que por sua vez, a herdou da filosofia grega, a qual servira de embasamento à teologia escolástica.
Comblin enfoca esses mitos, de maneira especial, enquanto eles se aninham dentro das estruturas de Igreja. E ele assim o procede, porque, historicamente foi a tentação do PODER RELIGIOSO a prova de fogo para a Igreja de Cristo. Pois, o PODER RELIGIOSO, quantas vezes envolveu não apenas uma absolutização da ordem estabelecida, mas sobretudo, uma quase “divinização” da autoridade eclesiástica. Pelo poder religioso que os homens de Igreja se julgavam detentores, eles, muitas vezes, como que assumiam o lugar de Deus, e manipulavam as consciências, cuja liberdade o próprio Deus respeita reverentemente.
E acresce que o PODER RELIGIOSO vem sempre acompanhado de um cortejo de poderes, que na Igreja medieval, são resumidos pelos historiadores nos conhecidos três pês (PPP): P de Poder; P de Prestigio; P de Pecúnia.
Mito da absolutização da “ordem”
Para a cristandade medieval, “o valor supremo é a Ordem”. E, por sua vez, considerava ela “a Igreja como parte da Ordem do mundo” (CR 59).
A filosofia grega, de onde derivava essa “teologia da ordem”, sustentava que “o ser humano realizava o seu destino ocupando o seu lugar na ordem cósmica; a razão de ser dos homens era a sua submissão à ordem universal estabelecida e movida por Deus” (CR 65).
Era como se parodiasse a afirmação joanina de que Deus é amor: “Deus é Ordem, e quem permanece na Ordem, permanece em Deus e Deus permanece nele”. Mas Deus é, antes de tudo, Amor. E “o amor não funda ordem, mas desordem. O amor quebra toda estrutura de ordem. O amor funda a liberdade e, por conseguinte, a desordem” (CR 65).
E isso, porque o amor por natureza é “uma falta de garantia da ordem”, pois, Deus criando o homem, por amor, ele o criou livre, e “a liberdade seria uma imperfeição de um ser, ainda não fixado, estabelecido na ordem” (CR 67).
O amor rompendo as barreiras da “ordem estabelecida”, como que limita o poder de Deus. Mas Deus quis criar o homem livre, pois, “para ser amado precisava de outro que pudesse também amar livremente” (CR 66). E desse modo, face ao homem livre, “Deus, que era todo-poderoso, tornou-se impotente diante do ser humano livre” (CR 67). Assim também, a Igreja deve convencer-se de que “o amor pode renunciar livremente ao poder, ao mando, à dominação, inclusive à ordem” (CR 67).
Esse Deus da Revelação não pode servir de embasamento para uma “ordem” na Igreja, que confunda a vontade de Deus com a vontade das autoridades eclesiásticas. Pois, é inconcebível admitir um Deus que “queira afirmar o seu poder humilhando a liberdade de sua criatura” (CR 331).
Face à afirmação de que a vontade dos superiores representa a vontade de Deus, se pergunta Comblin: “Como pode uma criatura fazer as vezes de Deus? Como pode a vontade de um ser humano, finito, fazer as vezes do Deus transcendente e imanente?” (CR 331).
É, porém, uma realidade histórica o fato de que a cristandade “inventou teologias que legitimaram uma vontade arbitrária de Deus e a pura afirmação de poder, como se esse poder fosse garantia a ordem do mundo” (CR 332).
Ao invés disso, “a vocação para a liberdade é a novidade do Evangelho de Cristo, a conclusão final de toda a história bíblica, o fundamento da nova existência para a humanidade toda”. E o Reino de Deus pode ser resumido nas palavras: “Reino de Deus significa liberdade” (VL 43).
Essa liberdade que brota do Espírito envolve o “lutar contra as estruturas estabelecidas que oferecem segurança…experimentar o ainda não conhecido” (CR 95). Dom Hélder Câmara “foi um sinal visível de que às vezes o Espírito Santo pode manifestar-se na Igreja; recebe liberdade; ninguém reprime para salvar as estruturas e salvar a lei…Pois o que o Espírito quer é a liberdade… (HC 94).
A chegada do Espírito ao mundo provoca uma reviravolta de todas as coisas… provoca mudança sempre em vir-a-ser e r” (TA 39). “O Espírito é o contrário da imposição. O Espírito é liberdade. Como liberdade, chama à liberdade. Daí, o destino do homem é chamado ao Espírito” (EM 10).
Na história da Igreja, tantas vezes, “a ordem prevaleceu e o Espírito teve menos liberdade para se exprimir através das comunidades cristãs” (LC 78) Igualmente houve nessa história uma luta constante entre o Espírito e a carne, “entre um Igreja que promove a libertação dos pobres e uma Igreja que se preocupa com suas próprias leis, com seus regulamentos, sua identidade interna” (EM 343). A “ordem”, assegurada pela lei, envolve uma limitação à liberdade de Deus, mas “o Espírito não conhece obrigações. O Espírito é livre”. O Espírito rompe as barreiras da “ordem” e “leva à vida porque liberta da lei” (VL 69).
No entanto, praticado pelos homens de Igreja, “o erro histórico foi ter inserido Deus e a Bíblia dentro de um sistema de pensamento racional, segundo os métodos dos filósofos gregos” (VL 163). E com isso, como que procuraram bitolar a ação do Espírito, dentro das balizas da organização eclesiástica.
No entanto, esta organização Jesus confiando-a aos Apóstolos, a “entregou ainda sem definição nenhuma”. “Não houve jamais fundador tão liberal com seus sucessores. Entregou-lhes toda a organização. Deixou, no entanto, bem claro um princípio que a organização estaria sempre subordinada ao amor e à humildade” (Pe. José Comblin: JESUS DE NAZARÉ, Petrópolis, 1976, p 113).
Deus da Revelação é “Espírito” e “espírito quer dizer pura força sem forma, sem limitação, livre em relação ao espaço e ao tempo” (VL 242). E é esse Espírito que “faz renascer de novo, começar tudo de novo… O Espírito levar-nos-á para além daquilo que somos, a sermos outros , e assim começará a evangelização” (VL 319).
E conclui Comblin que a ação livre do Espírito não é um agir bitolado pela “ordem estabelecida”, mas que tem sua presença representada por cinco conceitos: “a ação, a palavra, a liberdade, a solidariedade, o povo” (TA 36). O agir do Espírito “dá aos homens a palavra da liberdade…” E a liberdade age no serviço, que desemboca na solidariedade. Por fim gesta, a partir dos que não contam na sociedade, “o povo que é o efeito do Espírito” (TA 36-39). Sob a ação do Espírito, “o povo desperta lentamente para responder a um apelo que vem debaixo, do grito dos pobres” (TA 39-40). Este “povo é a novidade cristã e a aspiração da própria Igreja”. É tanto que “no começo a Igreja não era ainda chamada de Igreja. Chamava-se simplesmente povo” (TA 39). No entanto, à proporção que se foram aplicando à Igreja as categorias de “ordem”, tomadas de empréstimo da filosofia grega, essa novidade cristã, chamada “povo”, assumiu o conceito de “povo cristão”, no sentido de “cristandade”.
Esclarece Comblin que até se pode falar de uma “ordem” na Igreja, pois, “é verdade que Deus é um Deus de ordem. É verdade que a Igreja deve ter instituições e não pode ser um corpo sem forma, magma de indivíduos” (VL 278). Sendo a Igreja formada de homens, “suprimir o aspecto institucional da Igreja seria um sonho realizável apenas pelos anjos, mas impossível na terra no meio dos homens “ (EL 114). A Igreja tendo de exercer sua missão, numa linha de serviço e não de poder, “os aparelhos e as organizações são válidos para ajudar o ministério da Igreja, mas com a condição de servir e não de serem servidos” (EL 125).
Essa “ordem”, portanto, não pode excluir a liberdade, só visando a manutenção da verdade e da justiça. Infelizmente, porém, na organização histórica da Igreja, o empenho na manutenção da verdade, muitas vezes “serve para apagar a liberdade” (VL 279). Historicamente se pode perceber como na organização eclesiástica “tudo estava incluído, previsto, calculado para uma maior justiça e melhor verdade. Porém estava excluído que se pudesse manifestar a liberdade” (VL 279-280).
E o grave é que essas estruturas de “ordem” na Igreja podem afetar a própria liberdade do ato de fé. “A doutrina oficial sempre manteve a ideia de que a fé é um ato livre. No entanto, a rigidez imposta pelo sistema gregoriano ao longo de todo o segundo milênio, não lhe deixou muito espaço” ( VL 284). E lamenta Comblin que o DIREITO CANÔNICO atual, assumiu o modelo de Igreja gregoriana (VL 285).
Face às atuais estruturas eclesiásticas, Comblin tem a “ousadia” de, em nome da liberdade cristã, propor aos detentores do poder de reforma na Igreja: “A liberdade na comunidade eclesial pede sobretudo três coisas muito pregadas hoje. O poder de cada comunidade elaborar o seu direito… O direito de escolher os dirigentes – bispo, vigários e demais ministros; o poder de recorrer a uma instância judicial imparcial em caso de conflito” (VL 298).
Tal proposta perde o seu caráter de “ousadia”, quando se toma em consideração o que diz a Palavra de Deus sobre o novo “sacerdócio régio”. Inspirado no livro do Apocalipse, Comblin chama a atenção para a alta dignidade do novo povo de Deus: “A proclamação dum povo em que todos são reis e sacerdotes tem consequências incalculáveis. Todos os sistemas de dominação são virtualmente atingidos e mortalmente feridos “ (José Comblin: A LIBERDADE CRISTÃ, Petrópolis, 1977, p. 94 – sigla: LC). E, face à dicotomia clero-leigos, envolvendo uma dominação do clero sobre os leigos, acrescenta categórico: “o Povo de Deus é um povo de leigos: o novo sacerdócio do Novo Testamento é o sacerdócio dos leigos…a nova classe sacerdotal é todo o povo de Deus” (IM 34-35). O fato de os bispos e presbíteros serem ministros do sacerdócio de Cristo, não invalida o sacerdócio régio dos leigos.
Diante de tais aspirações, Comblin felicita o Vaticano II, pois “abriu as portas para a liberdade… Infelizmente isso não durou mais que dez anos” (VL 314).
Mito da absolutização da autoridade
AUTORIDADE e OBEDIÊNCIA são, de maneira especial, os mitos do poder religioso na Igreja Imperial. Diante dessa mentalidade, Comblin convida para um exame de consciência: “Todos os que ocupam uma parcela de poder devem praticar o discernimento a fim de se submeter deste modo ao julgamento de Deus, não no fim de sua vida, mas a cada momento em que tiver e exercer sua parcela de poder” (TA 377).
A grande tentação dos mantenedores da “ordem” eclesiástica é a busca de investidura do poder. Não somente no domínio do “poder civil”, mas também no âmbito da Igreja, “o poder pode tornar-se um anti-deus, um falso deus, um anti-Cristo ou falso Cristo, como o denuncia o Apocalipse de São João. E isso porque os detentores da ordem “podem querer aumentar sem cessar esse poder a ponto de atribuírem a si capacidades, que só pertenciam a Deus” (José Comblin: O ESPÍRITO SANTO E SUA MISSÃO, S. Paulo, 1984, p. 284 – sigla: EM).
Em face dessa tentação, Jesus mostra como o seu poder – e o da Igreja – “é antipoder na medida em que não usa os instrumentos do poder humano: não aceita a violência em seu exercício” (EM 285). Inspirando-se na fonte de seu “poder”, “a Igreja pratica em si mesma e em torno de si o modo de viver do Servo de Deus, Jesus” (EM 286).
É uma tentação intrínseca do poder que, pelo seu simples desempenho, ele não se expressa como serviço (TA 377). Pois, todo poder tem uma dinâmica de auto-crescimento. Além disso, ordinariamente, “aqueles que dispõem de algum poder, servem-se dele para criar para si mesmos uma ação privilegiada” (TA 378).
Comblin, ao retratar a fisionomia do bispo Dom Hélder Câmara, escreve que ele foi o contrário do bispo tridentino, que “achava que seu papel consistia em estar ao lado das autoridades para assegurar a paz e a unidade social. Considerava-se autoridade social que devia agir em conjunto com as outras autoridades. Desta maneira, dava cobertura e legitimidade ao que faziam as autoridades, supostamente pela paz e pela união” (HC 93).
O bispo “não está a serviço da ordem e, sim, da verdade, ainda que a verdade provoque desordem”. Para Dom Hélder, a autoridade do bispo é “a autoridade para anunciar o evangelho”, por seu testemunho de vida e por suas palavras (HC 93).
A obediência ao Espírito interpela a Igreja de que ela “só pode sobreviver esvaziando-se a si mesma, renunciando a si mesma para servir aos homens” (TA 17). E a Igreja sempre deve ter em vista, que a vontade de Deus é que o homem [seu subordinado] seja livre (VL 240). Essa “vontade de Deus é fonte da vontade humana mais profunda, mais autêntica” (CR, 331).
Toda autoridade na Igreja deve ter como fonte de inspiração a “autoridade” de Jesus, que foi, antes de tudo, a autoridade do pastor, que “leva às pastagens e à vida” as suas ovelhas (José Comblin: JESUS CRISTO E SUA MISSÃO, S. Paulo, 1983, p. 166 – sigla: JC). A autoridade do pastor “não aparece como imposição, mas como atração” (JC 165). É essa autoridade de pastor que “Jesus transmite a alguns dos seus discípulos, para que sejam pastores dos seus irmãos” (JC, 166).
Historicamente, um meio de manter as pessoas submissas à autoridade da Igreja, foi a “pastoral do pecado”, uma vez que a Igreja detinha as chaves do perdão. Quantas vezes “a Igreja usou a culpabilização como meio privilegiado da educação cristã” (CR 335).
Além disso, mostra-nos igualmente a história que nos momentos de crise, enfrentados pela Igreja, “mais do que o exercício de amor ao povo, a evangelização transforma-se em campanha para recuperar a parte do poder perdido” (VL 10).
E uma expressão desse poder eclesiástico foi, tantas vezes, a forma do exercício da autoridade enquanto magistério. E lamenta Comblin : “Milhões deixaram a Igreja devido à forma pela qual nela se exerce a autoridade” (VL 16).
Infelizmente, deplora Comblin, “o poder imperial do Papa ainda não desapareceu completamente, não somente em Roma, mas também na mente de muitos católicos” (VL 111).
A forma autoritária, como muitas vezes é exercido o magistério na Igreja, não se expressa, segundo Comblin, como “ministério”, ou seja um serviço da Palavra. Aliás, ele não fala de “magistério”, mas sim de “ministério petrino”. E sustenta que “a forma pela qual se exerce o ministério petrino é a pedra angular sobre a qual se sustenta toda a Igreja imperial” (VL 315).
Na Igreja, que veio até o Vaticano II, a expressão desse poder magisterial concebia-se da seguinte maneira: A verdade “desce de Jesus ao povo mediante o magistério, e o magistério recebe essa verdade do Papa, que é a sua cabeça”. E dentro desse esquema “mantém-se o mito de que o magistério não erra. Se errasse, todo o esquema cairia” (VL 115). Essa visão do poder do magistério eclesiástico a partir de Trento, demonstrou que “a porta estava aberta para a espiritualidade da obediência, virtude raiz de todas as virtudes” (VL 139).
Comblin não nega um papel especial à autoridade, em qualquer sociedade humana: “Precisa de autoridade para organizar uma sociedade de convivência pacífica. Não pode emancipar-se das necessidades da condição humana” (VL 223).
Mas, a rigidez das estruturas da Igreja faz, tantas vezes, com que o Papa “torna-se o primeiro prisioneiro do sistema. Abdica da sua liberdade diante das regras estabelecidas por si próprio, sacralizando-as de tal maneira que se torna servidor delas” (VL 282). E lembra Comblin que “todas as leis que determinam a maneira prática de exercer a autoridade [na Igreja] podem mudar…Tudo ou quase tudo se define em Roma” (IM 84).
O que, porém se torna mais grave, em tais estruturas, é que esse esquema de poder no exercício do magistério, condiciona, de alguma maneira, o próprio ato de fé. Pois, o ato de fé, em tal estrutura “consiste em receber incondicionalmente essas proposições [definidas], dando-lhes adesão intelectual sem restrição”. Em tal colocação, “o ato supremo do poder eclesiástico consistirá em definir dogmas ou preceitos morais. A própria conceituação de infalibilidade do papa quando define dogmas diviniza, de certo modo, a atividade de definir proposições” (VL 285).
Mas, diante de possível incompreensão de suas palavras, acrescenta Comblin: “Que exista uma instância na Igreja que se dedique a dar exatidão a alguns conceitos indispensáveis, entende-se. Mas não que a fé possa surgir a partir de puros conceitos” (VL 290).
A fé é um encontro pessoal do crente com o Cristo pessoal, encontro que envolve o comprometimento de toda a sua vida. “A liberdade da fé está no livre encontro com Cristo de acordo com caminhos mais diversos e imprevisíveis… Ao magistério cabe acompanhar discretamente a caminhada, sem interrompê-la, a fim de não destruir o movimento da fé, e sim defendê-lo (VL 294).
Que haja necessidade de uma referência doutrinal para “manter a continuidade da fé e a fidelidade à herança recebida” (VL 291), é bem compreensível, esclarece Comblin. E “o magistério está aí para, quando necessário, retificar a linguagem” sobre a fé (VL 293). “O magistério terá de ajudar a compreensão mútua, ser órgão de comunicação em lugar de logo condenar o que não coincide com sua própria linguagem” (VL 294).
E continua Comblin: “O Espírito orienta o magistério da Igreja para que este oriente os missionários. Mas, o magistério também está sujeito à tentação de submeter o evangelho à cultura e à política humana, a uma falsa prudência baseada no uso dos meios humanos: aliança com os poderosos, com os sábios e os ricos”. “Por isso, o Magistério tem que se converter sempre ao Espírito, para converter-se também ao evangelho de Jesus Cristo” (EM 75).
E se felicita Comblin que “é muito significativo que João Paulo II tenha tomado, na encíclica Ut Unum Sint (95-96), a iniciativa de propor a reforma da maneira pela qual se exerce o ministério petrino” (VL 308-309).
Mito da absolutização da lei
Outra categoria sacralizada pela cristandade foi a lei. Lei que deriva da autoridade constituída, e regulamenta a ordem estabelecida.
Comblin investindo contra o mito do poder-dominação, enquanto expresso na lei, adverte de inicio: “A liberdade do Espírito não quer dizer que as leis não existem mais… Quem se deixa conduzir pelo Espírito não vai agir contra os dez mandamentos” (VL 51), nem vai fazer da liberdade “um pretexto para a carne, mas, pelo amor, colocam-se a serviço uns dos outros” (Cf. Gl 5, 13). O Espírito “substitui a lei e constitui um novo princípio de ação e um novo fundamento para a sociedade humana e a própria pessoa humana” (LC 33). E esse Espírito de Deus “é o que é mais humano ao homem: o autor de sua liberdade” (LC 36).
O que ele condena é que “a maioria acha que o cristianismo é, antes de mais nada, uma lei, uma obrigação, um dever. A sua pertença à Igreja cristã está sendo vivida como aceitação de uma lei” (CR 57). O que ele condena é que “sempre reaparecem pessoas inseguras que creem que a segurança da Igreja será melhor defendida por um sistema de leis do que pela presença que Jesus lhe prometeu e pelo Dom do Espírito que nunca falha” (LC 50). O que ele condena é que “a legislação eclesiástica orienta e canaliza o trabalho apostólico por meio de leis e tradições, que em várias circunstâncias, são tão exigentes como as leis do Antigo Testamento” (LC 71). O que ele condena é que “ao tomar os meios [as leis] como fim ou como norma absoluta, os homens fazem deles novos ídolos e substituem Deus por sua Lei” (EM . 141).
A dominação é como um ingrediente natural de toda lei: “A imposição é o elemento fundamental da lei. A imposição é garantida por uma autoridade e pelo castigo. Por conseguinte, o temor é parte do sistema da lei” (EM 185). “Desta forma, não podemos considerar nenhum sistema de imposição como sagrado e como vontade de Deus…” (EM 186).
“A lei representa sempre uma imposição ou obrigação. Com efeito ela manda fazer coisa que alguém não faria se não houvesse lei” (JC 101). A lei denunciada pelo Apóstolo Paulo, não é somente a lei de Moisés, “mas todo tipo de lei, lei moral, religiosa, civil, todo tipo de organização ou disciplina, toda forma de subordinação do homem a algo que lhe seja exterior” (AC 129).
Ser livre diante da lei “consiste em ser o verdadeiro autor dos próprios atos, em deixar de ser manipulado por forças alheias” (JC 102).
Pois, “a finalidade do ser humano não é obedecer à lei, mas tornar-se livre, isto é, plenamente humano, capaz de agir por amor e não por temor” (CR 76). E esse amor, ao contrário da lei, “não tem limite, nem medida, nem regra. O amor é fonte que nunca deixa de jorrar. Uma exigência que não tem limite” (LC 40). Pode-se falar, na linguagem do Novo Testamento, em uma “nova lei”, mas “a lei do Pai chama-se caridade, misericórdia ou amor” (JC .92). “Essa lei não é imposição, nem limitação à liberdade: ela não significa escravidão” (JC 93). Ela é “o Dom de fazer o que ela impõe sem limitar a liberdade” (JC 93).
Certa leitura “legalista” de Mateus, julga ver o Evangelho de Jesus Cristo como a perfeição da lei de Moisés. “Mateus permitiria fazer do cristianismo uma lei nova” (CR 59-60). Mas, o Evangelho de Mateus não se opõe ao evangelho de liberdade de Paulo, e este ensina que “a escravidão consiste no sistema que propõe a obediência à lei como valor supremo” Paulo condenava, por conseguinte, “fazer da relação com Deus uma lei, uma subordinação total“ (CR 72).
E sustenta Comblin que “a finalidade do ser humano não é obediência à lei, mas tornar-se livre, isto é, plenamente humano, capaz de agir por amor e não por temor” (CR 76)… “Quem faz da lei o fundamento da vida moral, vive na dependência: quer evitar o castigo, quer evitar problemas de convivência, ou quer acumular méritos. Sempre subordina-se a uma vontade alheia por medo de perder, medo de risco, medo dos outros” (VL 52).
No entanto, é importante advertir que não se pode confundir a liberdade cristã na comunhão eclesial com a realidade da sociedade civil.. “É claro que a sociedade precisa de leis e polícia, de prisões e castigos, de regulamentos e ameaças. Porém, seria esse o papel da Igreja? Seria essa a missão assumida por Jesus? “ (CR 80).
E mesmo na comunhão eclesial “as leis têm uma função pedagógica: conduzem para a liberdade” (VL 51). As leis são como balizas a proteger a caminhada contra possíveis desvios. Mas, se essas balizas prejudicam a caminhada, devem ser corrigidas, pois muito mais importante que as balizas são os caminhantes e o seu projeto de caminhada. Aliás, isso foi muito bem expresso por João Paulo II, na Introdução ao novo Código de Direito Canônico, embora essas suas palavras não sejam assimiladas pela leitura que habitualmente se faz do Código: “Torna-se bem claro, pois, que o objetivo do Código não é de forma alguma substituir, na vida da Igreja ou dos fiéis, a fé, a graça, os carismas, nem muito menos a caridade. Pelo contrário, sua finalidade é, antes, criar na sociedade eclesial uma ordem [espaço] que, dando a primazia ao amor, à graça e aos carismas, facilite ao mesmo tempo seu desenvolvimento orgânico na vida, seja da sociedade eclesial, seja de cada um dos seus membros” (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, S. Paulo, 1983, XV).
A partir desse evangelho de liberdade, Comblin se recusa a aceitar a definição de que a liberdade consiste na “livre obediência à lei de Deus” (Cf. VS 41b). Pois, arremata Comblin: “Na verdade, se a liberdade consistisse simplesmente na obrigação de obedecer à lei de Deus, teria sido muito melhor para a humanidade não ser livre” (CR 94).
E partindo da própria natureza da lei, ele passa a demonstrar a incompatibilidade entre lei e liberdade. “A lei é exterior ao ser humano e se impõe a ele mesmo a fim de erigir o contrário daquilo que a pessoa quer” (CR 51).
É inaceitável fazer da obediência a essa lei, um valor superior, ou mesmo “o único valor ou a fonte de todos os valores, porque todos valores – e as leis que estão na Bíblia – sempre têm um aspecto de dominação” (VL 51). E, normalmente, na sociedade civil – e por que não dizer?: também na sociedade eclesiástica – as leis “refletem em todo caso os interesses e as preocupações dos grupos dominantes” (CR 53). De forma que quando a Igreja se considera, como nas palavras de Belarmino, uma sociedade tão “perfeita” como os reinos de França ou de Veneza, cresce dentro dela a dominação da lei.
Toda essa absolutização da lei é, em última análise, uma herança da filosofia grega, que fundamentou a Escolástica. Pois, “no mundo grego o mundo é ordem, submissão a leis eternas. Somente vale a ordem eterna das coisas, e as pessoas apenas aceitam o seu lugar nessa ordem” (CR 88).
Estaria bem dentro de todo esse legalismo, a proclamação dos chefes judaicos a respeito de Jesus: “Nós temos uma lei, e segundo a nossa lei ele deve morrer!” (Jo 19,7). Tal proclamação pelos chefes do povo judaico, bem expressou a culminância de um confronto entre a Boa Nova da liberdade e os detentores da ordem e do poder “legalista”. Ele devia ser silenciado, pois sua voz era a subversão de toda ordem estabelecida sobre a Lei, que Moisés lhes transmitira.
Uma palavra final
Comblin, “um simples demolidor de mitos”? Ou “um profeta a anunciar uma utopia”? Aquela utopia a superar as estruturas e organizações em torno ao Templo de Jerusalém, de que Jesus falava: “Vem a hora em que nem neste monte (Garizim) nem em Jerusalém adorareis o Pai…. Mas vem a hora, e já é chegada, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade… Deus é espírito. Importa, pois, que os adoradores o adorem em espírito e verdade” (Jo, 4,21-23).
Comblin, um crítico “exacerbado”? Ou um apaixonado pela bem-aventurança dos que desejam ver a Igreja mais entregue à ação do Espírito, mesmo sem ter conseguido vê-la?
Comblin, um desrespeitoso das “autoridades” constituídas? Ou um profeta movido pelo amor daquele, de quem deriva toda “autoridade”?
Qualquer que seja a resposta que cada um preferir, uma coisa, porém, não deve ser esquecida. É o que já afirmamos, e tornamos a afirmar: NÃO SE PODERÁ COMPREENDER COMBLIN, SE NÃO SE TOMAR A SÉRIO AQUILO QUE ELE TOMA A SÉRIO: A ação livre do Espírito a levar os homens à libertação.
Conta-se que ao tempo do Papa da paz e do amor, João XXIII, quando o Pe. Lombardi SJ teceu críticas à forma de governo da Igreja, expressa pela Cúria Romana, muitos curiais ficaram em polvorosa. Mas o bondoso Papa os tranquilizou com as palavras: “Ouçamos o que diz o Pe. Lombardi. ELE ESTÁ FALANDO POR AMOR. E A TUDO QUE NOS É DITO POR AMOR, DEVEMOS PRESTAR OUVIDOS, MESMO QUE NOS VENHA EM FORMA DE CRÍTICA!”…
- Testemunho de Pe. José Brites (Missionário Comboniano)
A misionariedade contagiante de Pe. Comblin é uma lição para a Igreja Católica Brasileira e sobretudo nordestina! Homem de grande profetismo pelo que sempre sofreu em tantas lutas, teve consciência de uma Igreja popular defendendo a vida do povo! Muitos momentos convivi com ele, na sua casa em Bayeux com a Mônica e as Irmãs Judith, Estela e Eugênia e com os missionários de Tibiri 2. A sua amizade refletia-se na simplicidade do tratar os mais humildes com a consciência de que são eles os portadores da novidade do evangelho. Quando completou os 80 anos celebrou-os em Tibiri 2 convidando mais de 400 missionários de todo o Nordeste e outros de países latino americanos! Foi certamente o maior evento realizado nesse bairro de periferia em termos religiosos! O acolhimento que o povo fez dos peregrinos vindos de tantas partes foi um sinal da abrangência do Apostolado missionário do nosso querido José! O livro que foi lançado pela ocasião dos seus 80 anos é prova de todo sentido da sua vida. O titulo é significativo e marcou as jornadas missionárias de Tibiri 2 por ocasião dos seus 80 anos: ” A Esperança dos Pobres Vive” Muitos de nós ainda guardamos aquele lencinho confeccionado para a ocasião e lembramos dos testemunhos de missionários que vivem ao lado do povo sofrido!!! José escolheu o dia da sua páscoa, o dia do diálogo de Jesus e da samaritana! Do seio daquele que acredita em mim jorrará uma fonte de água viva para a vida eterna! Os verdadeiros adoradores adorarão a Deus em Espirito e Verdade! Certamente, José, já não adoras, mas contemplas a face do Pai na glória eterna! Também tu és um daqueles samaritanos que afirmou que Jesus é o Salvador do Mundo! A tua missionariedade nos inflama com o testemunho nos recônditos do Nordeste! Que a semente que será lançada á terra possa gerar muita vida cristã em uma Igreja mais comprometida com o destino do povo! Obrigado por teus escritos, pela vida meditada e transcrita, pelos teus missionários, pelas associações que criaste! Saibamos dar vida ao patrimonio que nos deixaste! Que Deus te Acolha no seu seio Misericordioso e te recompense de todos os esforços e lutas que empreendeste! Pe. José Brites (Missionário Comboniano)
- Testemunho do Pe. José Lisboa Moreira de Oliveira (Teólogo)
Comblin: Bastão de Deus que fustiga os acomodados
José Lisboa Moreira de Oliveira
Estou acompanhando o que se anda dizendo nos últimos dias sobre o nosso irmão teólogo José Comblin. Houve quem tentou até se compadecer dele dizendo que já passou dos oitenta e chegou a insinuar que ele está meio “gagá”. E por está gagá, coitadinho, passou a dizer umas coisas fora de lugar, fazendo umas afirmações pessimistas, vendo o horizonte escuro, tendo uns ataques de “alucinação”, enxergando coisas que não existem, falando mal da hierarquia da Igreja e assim por diante.
Todas essas coisas me fizeram imediatamente pensar nos profetas de todos os tempos. Também eles, quando começaram a falar sem meios-termos, a “dar nomes aos bois”, a colocar o dedo em certas feridas, foram logo acusados de serem visionários, lunáticos, inimigos da religião e do rei. Amós, por exemplo, foi acusado por Amasias, sacerdote de Betel e “capanga” de Jeroboão, de ser um visionário. Por essa razão foi impedido de profetizar no santuário do rei (Am 7,10-17). Jeremias foi surrado e preso (Jr 20,1-6). Antes deles, Elias teve que se refugiar no deserto para não ser assassinado por Jezabel (1Rs 19,1-8). Geralmente todos os profetas são perseguidos e ridicularizados por que falam a verdade e não camuflam a realidade. Creio que o paradigma de todos os profetas é Miquéias, odiado porque nunca profetizava coisas boas, mas só desgraças (1Rs 22,8). Ou seja, não era bajulador e conivente com os poderosos, mas falava apenas o que Javé mandava falar (1Rs 22,14). Era fiel somente Deus.
Também Jesus, o profeta por excelência, não escapou da fúria dos poderosos. Falou o que pensava, do que estava convencido, atacando tanto o sistema religioso como o poder político. Por essa razão chegaram a pensar que ele estava louco (Mc 3,21). Terminou os seus dias crucificado como um malfeitor. Tinha feito tremer a ordem estabelecida e ameaçado a posição dos privilegiados, desmascarando suas hipocrisias e suas falsidades (Mt 23,1-36).
Não. Comblin não está gagá, não está louco, não está tomado de pessimismo e nem tão pouco de derrotismo. Comblin é um dos poucos profetas que ainda temos na Igreja dos nossos dias. Infelizmente em tempos de exílio eclesial, como o que estamos vivendo atualmente, é rara a figura do profeta. “Nesse nosso tempo, não há chefe, profeta ou dirigente” (Dn 3,38). Quando a corrupção atravessa os limiares da religião, e permanece entranhada dentro dela, são poucas as pessoas dotadas de clareza e de lucidez (1Sm 3,1). Todos querem fazer carreira e preferem silenciar, mesmo sabendo interiormente que o que acontece não condiz com o projeto de Deus. Como verdadeiro profeta, Comblin não se deixa enganar e não se ilude com o que vê. Enxerga longe, além das aparências e dá o seu prognóstico, mesmo que tal prognóstico, como no caso de Miquéias, apareça cruel, sem piedade e sem esperança. Mas é assim mesmo e assim deve ser, pois se trata de profeta e de profecia.
O profeta é o bastão de Deus que fustiga os acomodados. E onde há profetas verdadeiros e autênticas profecias há incômodo e mal-estar para muita gente. Dom Tonino Bello, bispo de uma minúscula diocese do sul da Itália, falecido ainda jovem, vítima de um câncer, gostava de afirmar que o autêntico cristão deve consolar os aflitos e afligir os consolados e acomodados. De fato, ele incomodou bastante seus colegas bispos italianos. Sua simplicidade e pobreza, sua determinação em defender os pobres, especialmente os imigrantes africanos, o colocou em rota de colisão com as eminências e excelências. Teve inclusive que dar explicações à cúpula da Igreja acerca da sua atitude audaciosa de acolher no palácio episcopal alguns imigrantes africanos. Mandaram-lhe como visitador um bispo de uma diocese da Sicília, o qual, logo depois de sua visita a Dom Tonino, ficou conhecido no país por suas ligações com a máfia, sendo inclusive processado pela justiça italiana. Não foi preso porque a diplomacia vaticana entrou em ação e não permitiu que isso acontecesse.
Comblin é um autêntico teólogo e como tal não se contenta em ficar repetindo o que os outros já disseram. Não é teólogo-papagaio e nem faz teologia de coorte, apenas repetindo frases do Catecismo ou de documentos da Igreja para agradar a cúpula eclesiástica, receber elogios ou até compensações, como, por exemplo, uma roupa roxa ou avermelhada. Comblin faz teologia de verdade, ousando dizer o que ninguém diz, propondo alternativas para o que aí está, apontando caminhos que podem ser trilhados. Como teólogo-profeta mostra que certos modelos atuais de Igreja estão carcomidos pelo tempo e por vícios seculares e não dizem mais nada para a humanidade que sonha com outro mundo possível e com uma comunidade eclesial que, de fato, seja sinal desse novo mundo.
Com sua ousadia e determinação profética, Comblin não tem medo de afirmar que a Igreja precisa perscrutar os “sinais dos tempos”. Não pode viver acomodada, acreditando que o atual modelo eclesiástico é o melhor de todos os tempos. Creio que Comblin está sendo ridicularizado porque do alto de sua sabedoria anciã tem a coragem de falar palavras proféticas como essas: “A experiência mostra que a hierarquia errou muitas vezes na condução da Igreja em circunstâncias determinadas. O Espírito mostra o caminho por outros meios. A hierarquia deve estar atenta aos sinais dos tempos que alguns cristãos têm o dom de entender. Deve escutar se não quer errar e provocar desastres” (A profecia na Igreja, São Paulo: Paulus, 2008, p. 11). Alguns membros da hierarquia não suportam tanta sinceridade e honestidade. Estendendo o dogma da infalibilidade papal para todos os casos e para todos os hierarcas, sem exceção, não admitem que alguém diga que alguns deles, em algum momento, erraram e continuarão a errar se não souberem escutar. Atribuem a si mesmos uma prerrogativa divina, ocupando na Igreja e na terra um lugar que pertence exclusivamente a Deus.
Não temos como negar. É visível a mudança de rota na Igreja Católica Romana a partir do final da década de 1970. Aos poucos as propostas e intuições do Concílio Vaticano II são postas de lado ou reinterpretadas a partir de uma eclesiologia jurídica, segundo a qual o direito canônico está acima do Evangelho. Enquanto se perde tempo com a discussão de temas banais, questões sérias não são enfrentadas. Basta lembrar, por exemplo, o caso da centralidade da celebração eucarística. Institui-se um ano eucarístico, afirma-se que a Eucaristia é o centro e o cume da vida cristã, e, no entanto, não se resolve o problema gravíssimo das milhares e milhares de comunidades católicas que ficam meses e até anos sem a celebração eucarística dominical.
Qualquer pessoa honesta, que conheça bem a situação da Igreja no momento atual, não poderá negar que ela está sendo dominada por grupos e movimentos ultraconservadores. Tais grupos e movimentos estão trazendo de volta a Igreja da Contra-Reforma, fechando cada vez mais os espaços de participação do povo de Deus, impondo uma moral rigorista e “tirando do baú” costumes e tradições arcaicas, “mofadas” e ridículas. Os pobres são cada vez mais esquecidos e é notória a adesão desse modelo de Igreja a sistemas políticos de direita. Com isso a Igreja Católica Romana vai se distanciando da realidade do povo e se tornando cada vez mais um sinal opaco e sem sentido do Reino de Deus. Por essa razão é cada vez mais visível o afastamento das comunidades eclesiais de pessoas com um pouco de bom senso e com consciência crítica. A Igreja Católica vai se transformando, no dizer de Cappelli, numa comunidade “infantil, feminil e senil”. Uma Igreja só de crianças e de mulheres idosas. Alguns até se empolgam porque, de vez em quando, aparecem jovens distraídos em alguns espaços religiosos. Mas não deveriam se iludir. A participação de jovens nas comunidades católicas não ultrapassa a percentagem de 1% do total de jovens da nossa sociedade.
Dizia pouco antes, citando o profeta Daniel, que na atualidade não temos mais nem chefe e nem profeta. De fato, as lideranças cristãs transformaram o serviço de coordenação e de presidência das comunidades em puro carreirismo. Por isso adotam uma atitude de subserviência, não se importando com os reais problemas de suas comunidades. Os próprios bispos não mais cultivam a solicitude por todas as Igrejas, elemento fundamental do ministério episcopal e do colégio episcopal. Assim sendo, não falam com as instâncias vaticanas com a autoridade de bispos das Igrejas locais e da Igreja Católica, de igual para igual. Agem com timidez e medo, deixando de oferecer à direção da Igreja em Roma seus pareceres sobre questões e problemas eclesiais inadiáveis. Sem falar em todo o problema da onipotência da burocracia eclesiástica que, como nota o próprio Comblin, não se move e não faz nada para uma maior descentralização (cf. Quais os desafios dos temas teológicos atuais? São Paulo: Paulus, 2005, pp. 60-64).
Por que, então, tanto escândalo e tanto alvoroço com aquilo que Comblin falou ultimamente? Será que perdemos a capacidade de enxergar? Por que insistimos num comportamento de avestruz, recusando-nos a ver o que é tão visível? Por que duvidar da possibilidade de “politicagem e de conchavos” dentro da Igreja Católica? Por acaso não conhecemos a sua história para saber que ela sempre esteve cheia desses casos? Será que esquecemos que os escritores dos primeiros séculos do cristianismo a chamavam de “casta meretrix”, de “casta prostituta”? Será que chegamos a um nível tal de arrogância a ponto de achar que o atual sistema eclesiástico é tão perfeito a ponto de não mais precisar de reformas e nem de profetas para pregar a conversão da Igreja?
Comblin é um profeta que possui sensibilidade para perceber o que está acontecendo. E por isso fala sem medo e sem falsas contenções. Ele, enquanto ancião, é um verdadeiro modelo para as novas gerações de cristãos e de cristãs. Como o velho Eleazar (2Mc 6,18-31) prefere a morte, a perseguição e a calúnia do que trair suas próprias convicções. Não aceita fingir para escapar dos olhares mortíferos dos acomodados e incomodados. Recusa-se a ser tratado com benevolência e a trocar sua fidelidade por vantagens. Assim, “coerente com a sua idade e com o respeito da velhice, coerente com a dignidade dos seus cabelos brancos” (2Mc 6,23), prefere continuar firme em sua profecia. Como Eleazar, ele tem consciência de que o fingimento, em troca de certas vantagens e do “bom nome”, escandalizaria os mais jovens. Assim é para todos nós um exemplo honrado de fidelidade. Uma fidelidade diferente, é claro. Ele não pretende amar a Igreja mais do que os outros, como insinuou alguém. Apenas ama-a de um modo diferente, radical e corajoso. Um modo, aliás, que não se tem visto ultimamente, inclusive entre os anciãos, e do qual tanto precisamos em nossos dias.
[Autor de 13 livros e dezenas de artigos sobre o tema da vocação e da animação vocacional. Foi assessor do Setor Vocações e Ministérios da CNBB (1999-2003) e Presidente do Instituto de Pastoral Vocacional (2002-2006). Atualmente é gestor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília, onde também é professor de Antropologia da Religião e Ética. Contato com o autor pelo e-mail:
- Testemunho do Pe. Alfredo J. Gonçalves
José Profeta
Pe. Alfredo J. Gonçalves
Assessor das Pastorais Sociais.
Adital
De uns tempos para cá, os profetas estão fora de moda. Prevalece o espetáculo recheado de câmeras, holofotes e microfones. Em tempo de mídia, a visibilidade do fantástico ganha terreno sobre o silêncio da semente e do fermento. Com frequência se confunde mudança com show ilusionista, profusamente iluminado e ruidoso, com luzes, sons e imagens. José Comblin viveu, lutou e morreu para mostrar que a profecia continua viva e ativa. E que o Evangelho só é Boa Nova na exata medida em que se faz profecia renova em cada contexto histórico. E, ainda, que profetizar e evangelizar é promover a libertação integral do ser humano.
Três características marcam o movimento profético no Antigo Testamento: memória, denúncia e anúncio. A memória está associada a um reiterado “lembra-te” que remonta à abertura do decálogo: “Eu sou Iahewh teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2). O decálogo, por sua vez, vem precedido do código da aliança. Assim, os profetas procuravam, em primeiro lugar, trazer para o contexto do reinado e do exílio o espírito de libertação fundamentado na memória do êxodo. Ali se encontram suas raízes. Em outras palavras, se foste escravo no Egito, como podes agora submeter teus próprios irmãos ao mesmo regime? Enquanto sob o Faraó, os hebreus eram subjugados por uma nação estrangeira, agora era o próprio Estado de Israel que escravizava seu povo através de pesados impostos e do trabalho de corvéia. Contra isso se insurgem o movimento profético, retomando e atualizando as exigências do Deus que os tirou da condição de escravos.
Um Deus que “vê a aflição, ouve o clamor, conhece o sofrimento e desce para libertar” marca profundamente a experiência religiosa do Povo de Israel. Ou seja, esse povo vivenciou o contato vivo com um Deus único: atento, sensível e solidário com as condições de vida e trabalho dos oprimidos. Numa palavra, um Deus que caminha pelo deserto da história pessoal e coletiva. Os profetas tentam reviver e recriar essa mesma experiência num novo contexto de opressão e exploração.
Aqui entra em cena a segunda palavra chave do movimento profético. A denúncia tem uma força devastadora em figuras como Isaías, Jeremias, Amós, Oséias e Miquéias. Na mira de seus ataques estão os poderosos dos reinados do Norte e do Sul. São os “chefes da casa de Jacó e magistrados da casa de Israel”, na medida em que desconhecem o “direito e a justiça”, “comeram a carne de meu povo, arrancam-lhe a pele, quebram-lhe os ossos, cortaram-no como carne na panela” (Mq 3,1-3). Aos mesmos chefes e magistrados, o profeta acusa: “vós que detestais o direito, que torceis o que é reto; vós que edificais Sião com sangue e Jerusalém com injustiça” (Mq 3,9-10). Mas estão também na mira os líderes religiosos: “seus chefes julgam por suborno, seus sacerdotes ensinam por salário e seus profetas vaticinam por dinheiro” (Mq 3,11).
A veemência de Miquéias irá repetir-se nos demais representantes do profetismo vetero-testamentário. Sobrecarregados de tributos, os camponeses gemiam sob o reinado. O templo representava uma espécie de coração político e econômico da Israel, para o qual convergiam os esforços dos trabalhadores em forma de numerosos impostos. Daí a dureza das palavras proféticas contra chefes e magistrados, de um lado, falsos profetas e sacerdotes, de outro, todos circulando na órbita do tempo e de seus rendimentos. Daí também as profecias sobre a destruição do tempo e do exílio.
A denúncia, porém, vinha acompanhada por um anúncio. Este se expressa de forma particular nos poemas de Isaías sobre a “Nova Jerusalém”. “Vou criar novos céus e nova terra” – diz o profeta – “nela não se tornará a ouvir choro nem lamentação. Já não haverá ali criancinhas que vivam apenas alguns dias, nem velhos que não completem a sua idade; com efeito, o menino morrerá com cem anos”. E prossegue: “Os homens construirão casas e as habitarão; plantarão videiras e comerão seus frutos (…). A duração da vida do meu povo será como os dias de uma árvore, os meus eleitos consumirão eles mesmos o fruto do trabalho de suas mãos” (Is 65,17-25).
A imagem de Isaías, que se repete com outras cores e graus nas páginas de vários profetas, será retomada pelo Apocalipse, no capítulo 21: “Vi então um céu novo e uma nova terra (…). Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo, e Ele, Deus-com-eles, será seu Deus. Ele enxugará toda lágrima de seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram!” (Ap 21,1-4).
Nas últimas décadas da história brasileira, poucas pessoas representam esse tríplice terreno da profecia como o belga José Comblin. Memória viva, denúncia vigorosa e anúncio de esperança e liberdade – assim se poderia resumir sua trajetória histórica. Ele que seguramente já conhece “o novo céu e a nova terra”, deixa-nos muitas veredas para trilhar o caminho da fonte e da Boa Nova. José está vivo! O profeta com sotaque estrangeiro e com nome e alma brasileira, segue entre nós. Sua fala mansa e seus escritos proféticos seguem clamando por justiça. Nosso ponto final resume-se a um muito obrigado José!
- Testemunho do Pe. Edegar Silva Júnior (Salvador – BA)
José Comblin
22.03.1923 27.03.2011
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
É terceiro domingo da quaresma, o evangelho apresenta Jesus na beira do poço pedindo água a mulher samaritana. Na cidade de São Salvador da Bahia chove muito. Longe do centro turístico, na região metropolitana, bem na divisa entre Salvador e Simões Filho, num bairro pobre e meio esquecido está o “Recanto da Transfiguração” – uma comunidade de consagradas que vivem a espiritualidade trinitária. Foi nesta casa simples e acolhedora que José Comblin se encontrava. Foi cercado de gente simples que ele celebrou há dias atrás, seus 88 anos de vida, com direito a bolo e vela para apagar.
Ao lado da capela num simples quarto, na manhã do dia 27 de março, embalado nos braços da Trindade Santa, José foi para casa do Pai.
Recebi o telefonema do Frei Luciano da CPT e imediatamente segui para local. No caminho fui avisando aos amigos e amigas, que pudessem ir para lá.
Cheguei no Recanto da Transfiguração… Comblin estava na cama onde tinha dado o último suspiro. O semblante tranquilo de quem morreu como tinha sonhado… cheguei bem perto, peguei em sua mão, afaguei seu rosto e lembrei naquele instante de pessoas que gostariam de fazer aquele mesmo gesto… e disse baixinho: “José esse aperto de mão é em nome do Beozzo, do CESEP, do CEBI, do Carlos Mestres, da Ivone Gebara, das faculdades de teologia onde você lecionou, do Fr Beto, do Marcelo Barros,do Ir Bruno de Taizé, das Comunidades eclesiais de base…e tantos e tantas… é também em nome da Teologia da Enxada!
Na sala, ao lado do quarto, estavam Frei Luis Cappio, Bispo da Barra (BA), onde atualmente residia Comblin; também Eduardo Hoonaert e a esposa e a Mônica que o acompanhava. Dom Cappio nos convida a celebrar a Eucaristia. Pegamos juntos o corpo do José, levamos para capela, e numa celebração simples, familiar de pouco mais de vinte pessoas, entoamos canções que marcaram a história das comunidades. Rezamos, ouvimos o testemunho dos que ali estavam e dos amigos que conviveram com Comblin.
Terminada a celebração embalados por canções e preces nos despedimos. Pe. José Comblin será sepultado na Paraíba. Lá seu corpo será semeado, no mesmo chão nordestino que acolheu Pe. Ibiapina, Padre Cícero, Margarida Maria Alves, Dom Hélder Câmara…
Fechei alguns botões da sua camisa; no quarto onde veio a falecer, coloquei no guarda roupa os óculos que ainda estavam sobre a cama. Lá fora a chuva caia fina, algumas pessoas ainda chegavam, quase todos sempre com o mesmo sentimento: Muito obrigado José Comblin!
Recordei sua profecia, seus escritos, sua lucidez…e me veio no pensamento a canção:
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
Pe. Edegard Silva Júnior
Salvador-Ba 27.03.2011
- Testemunho de Pe. Luís Weel (desde a Holanda, atuou várias décadas em João Pessoa – PB)
Preito de gratidão ao Pe. José Comblin
O que dizer neste momento do falecimento de Pe. José Comblin?
Conheci este grande guerreiro antes de ver em pessoa. Nos anos de 1962-1966 estudei teologia no seminário diocesano da diocese de Haarlem (Holanda). Foi aí que encontrei um livro dele em holandês “Ik zag een nieuwe hemel en een nieuwe aarde”= (Vi um novo céu e uma nova terra). O livro me fez sonhar da perspectiva de uma nova era que estava para iniciar no tempo do Concílio Vaticano II. Nem de longe tinha consciência que o apóstolo João, querido de Jesus, tinha escrito o livro do apocalipse como carta de consolação às comunidades de cristãos oprimidos e perseguidos. A grande realidade do tempo de João é que a boa nova da grande alegria passa por um vale de lágrimas. “Quem semeia entre lágrimas, recolhe a cantar.”
Empolgado com a perspectiva de uma igreja renovada e a chegada do Reino da Justiça e Paz, fraternidade e partilha, resolvi me oferecer para o serviço da missão. Os caminhos de Deus são misteriosos. Cheguei no Nordeste do Brasil em junho do ano 1970.
Levei um grande susto ao ver e sentir os clamores dos oprimidos que como ovelhas eram abatidas e massacradas. Minha primeira tentação era, após cinco anos conforme o contrato entre os bispos, voltar para minha terra. Senti-me incapaz de enfrentar as inúmeras situações de miséria revoltante, brutalidade e morte sem sentido. Porém fiquei continuando, muitas vezes chorando e não querendo mais ouvir os gritos silenciosos de grandes multidões de pobres que não sabiam para onde ir e o que fazer para se libertarem. Naquela época não queria ser um turista que está aí para passear sem compromisso.
Foi a partir dos anos de 1973 que aos poucos fui conhecer o Pe. José, que dedicava sua vida com inteligência, ciência, fortaleza e teimosia à causa dos marginalizados no campo, plantando a boa semente do Evangelho nos corações dos preferidos de Jesus, como por último plantou ainda uns dias atrás o pé de Pau Brasil para dar sombra à cova de sua sepultura. A imagem me faz lembrar do profeta Jonas, que, após o cumprimento da missão se sentia debaixo de um árvore para ter sombra e contemplou que sua mensagem aos Ninivitas deu outros resultados que os esperados por ele. Ele ficou frustrado ainda mais quando a sombra que buscava debaixo da árvore desapareceu. A arvore secou.
Sem dúvida vai demorar muito antes que o pau Brasil, plantado por Pe. José vai dar a sombra que está procurando. O pau Brasil cresce muito lento. Também podemos dizer que isso não importa. Paz do cemitério não é a verdadeira paz. A melodia de Luís Gonzaga ressoe na minha cabeça: “Minha vida é andar por este país, para ver se um dia descanso feliz, guardando as recordações das terras onde passei, andando pelos sertões e amigos que lá deixei…..
Não sinto dor ou saudade neste momento. Somente gratidão por sua coerência com o Evangelho e a vivência até o último suspiro com o projeto de Deus para com os pequenos desta terra. Rezo e espero que Deus me dê um pouco de sua coragem de perseverar até o fim no cumprimento da missão. Obrigado Pe. José por sua vida e seu exemplo
Pêsames para você Mônica, companheira e servidora fiel que tem dedicado sua vida de serva humilde à causa da evangelização e apoio a Pe. José em todos os momentos. Sem dúvida é você que mais do que qualquer um vai sentir a ausência do nosso guerreiro. Só as palavras do Evangelho ajudam para passar pelo vale de sombras: “Não tenhas medo. Estou com você até os confins do tempo”
Ao acompanhar daqui na Holanda o enterro que está acontecendo por volta deste horário, ouço na minha mente a canção do salmo: “Se Deus nos levar pra casa do nosso exílio, isso será nosso grande sonho”.
Adeus a todos
Pe. Luís Weel, Rechtestraat 162, 1483 BH De Rijp – Holanda
- Testemunho do Pastor Paulo César Pereira (da Igreja Batista de Bultrins – Olinda – PE)
Por quem os sinos dobram? Dobram por Comblin, o profeta da liberdade!
(Paulo César Pereira)[1]
E no Nordeste se ouviu um lamento e choro amargo, são os seus filhos que hoje não querem ser consolados.
Lamentamos com lágrimas e silêncio o recolhimento de José Comblin aos braços de Deus. A sua páscoa se deu apenas cinco dias depois de seu aniversário de 88 anos, o que certamente lhe veio como um presente, bem diferente de 24 de março de 1972, quando, dois dias depois do seu aniversário, ao desembarcar em Recife foi informado que agora era uma persona non grata e assim, a contragosto, foi deportado para o Chile.
Comblin foi católico no mais puro sentido da palavra, as suas ideias eram universais, ele pensou e viveu o mundo, mas sempre agiu a partir do local aonde se encontrava.
Falava exatamente o que vivia, nele discurso e ação era uma coisa só.
Falou de pobreza e viveu toda a vida como um pobre. Não tinha absolutamente nenhum bem registrado em seu nome. Morou entre os pobres, ensinou e aprendeu com eles e quando teve que conviver com os ricos foi apenas para desafiá-los a viver uma vida mais regrada e menos acintosa aos olhos de Deus.
A aparente fragilidade de seu corpo era um contraste profundo com a força das suas palavras. Pregou com coragem e demonstrou tê-la em suficiência quando, em plena ditadura militar, escreveu a Ideologia da Segurança Nacional, onde desnudava o poder militar na América Latina.
Sua obra com mais de 60 livros escritos e acima de 300 artigos publicados é um exemplo da produção de teologia fora dos limites dos Seminários e das Universidades.
De forma incansável, alertou a Igreja para reconhecer o erro histórico de nunca ter colocado o pobre como centro de sua ação pastoral. Afirmou sem medo que a Igreja hoje carece de conteúdo e que existe um vazio eclesiástico onde resta muito pouco do evangelho anunciado e vivido por Jesus.
Anunciou também para quem quisesse ouvir, que não se deve alimentar o espetáculo da ilusão de que a Igreja pode evangelizar o mundo com “o mesmo discurso, os mesmos gestos, os mesmos ritos e os mesmos meios de expressão de outrora”[2].
Ouvir Comblin era estar diante do profeta e da profecia. Na sua profecia a palavra liberdade tomou uma dimensão como nunca antes se viu. Para ele liberdade é a base da vocação evangélica, a novidade do evangelho de Cristo, a conclusão final de toda a história bíblica e o fundamento da nova existência para a humanidade toda. Entendia que anunciar o evangelho era anunciar a liberdade, pois “No início do cristianismo, evangelizar era despertar para a liberdade e passar a pensar livremente”[3]. Não se cansou de dizer que “Jesus apareceu justamente como a pura representação do pensamento livre”[4]. Hoje Comblin é um homem inteiramente livre, atingiu a dimensão plena de tudo que anunciou.
sempre abertos para a realidade e para os que estavam seu redor, de maneira especial todos os proscritos da sociedade.
Um dia lhe perguntei qual foi o seu maior sofrimento, já que tinha sido exilado, perseguido e incompreendido dentro e fora da Igreja. Ele simplesmente respondeu: “Dou graças a Deus que nunca me permitiu passar por sofrimento”. Ecce homo.
Comblin deixa um grande vazio no nosso meio e, para além disso, deixa órfã a teologia latino americana. Lamentamos profundamente a morte daquele que abdicou de ser tratado como Dr. Comblin para ser chamado apenas por Padre Zé. Por ele hoje choramos, por ele hoje os sinos dobram. Quem tem ouvido para ouvir, que ouça em respeitoso silêncio.
Comblin foi um homem que não deixou de sonhar um único dia. Aos 70 anos ainda plantava jardins e com 88 ainda construía Escolas Missionárias. Escolas e jardins eram para os outros, como tudo na sua vida. Sensível e realista tinha os olhos sempre abertos para a realidade e para os que estavam seu redor, de maneira especial todos os proscritos da sociedade.
Um dia lhe perguntei qual foi o seu maior sofrimento, já que tinha sido exilado, perseguido e incompreendido dentro e fora da Igreja. Ele simplesmente respondeu: “Dou graças a Deus que nunca me permitiu passar por sofrimento”. Ecce homo.
Comblin deixa um grande vazio no nosso meio e, para além disso, deixa órfã a teologia latino americana. Lamentamos profundamente a morte daquele que abdicou de ser tratado como Dr. Comblin para ser chamado apenas por Padre Zé. Por ele hoje choramos, por ele hoje os sinos dobram. Quem tem ouvido para ouvir, que ouça em respeitoso silêncio.
- Testemunho do Prof. Benjamim, da UEPB (Campina Grande – PB)
Alder, Jomar, Meus Estimados Amigos
Meus Fraternos Sentimentos! e o reconhecimento da grandeza humana e espiritual do Profeta que parte.
A obra-missão-testemunho de Comblin refletirá por toda nossa gente.
Benjamim
- Testemunho de Eduardo Hoornaert (Historiador e Teólogo da Libertação)
O QUE JOSÉ COMBLIN NOS CONTOU EM 2007.
Eduardo Hoornaert
Por ocasião dos sessenta anos da ordenação sacerdotal de José Comblin, um bom grupo de amigos(as) e missionários(as) se reuniu no santuário de Ibiapina em Santa Fé (Arara), no brejo paraibano, para festejar a data, reatar os contatos, fortalecer a rede e reanimar o espírito. José tinha 85 anos e estava particularmente eufórico. Ele nos confidenciou detalhes sobre sua vida, algo que não costumava fazer.
- Desde muito jovem, seus talentos intelectuais chamaram a atenção de familiares e educadores. Quando, provavelmente com a idade de 16 ou 17 anos, ele disse a seu tio padre que queria ser missionário, este respondeu prontamente: ‘Missionário não, você e inteligente demais. Professor, isso sim, professor na universidade de Lovaina!’. Efetivamente, José estudou teologia em Lovaina e admirou a competência, aplicação e honestidade intelectual de professores como Lucien Cerfaux e Gustave Thils. Quando o novo ‘doutor’ foi nomeado vigário auxiliar numa paróquia em Bruxelas, foi uma decepção: ‘eu senti que não havia mais futuro para o catolicismo na Bélgica’. Então, ele procurou outra coisa. Quando, respondendo ao pedido do papa Pio XII, a universidade de Lovaina abriu um colégio para sacerdotes que desejavam partir para a América Latina, ele foi um dos primeiros candidatos.
- Com a idade de 35 anos, em 1958, José partiu para o Brasil. Na conversa de 2007 ele insistiu: Não deixei a Bélgica para responder ao apelo do papa nem para combater o comunismo, o protestantismo ou o espiritismo (as três ameaças da época, na opinião do Vaticano). Parti tampouco para remediar a falta de padres. Eu compreendi que o cristianismo estava se extinguindo na Europa e só poderia renascer fora de um continente tão deformado por longa tradição de colonialismo, tráfico de escravos, matança de povos, deformado também por multissecular opressão da liberdade e das forças vitais do ser humano’. Ao encontrar aqui, já nos primeiros dias, pessoas que correspondiam à sua visão, a alegria era grande. José ficou imediatamente fascinado pelo Brasil. Seus primeiros contatos foram com jovens da JOC (juventude operária católica), pois, como muitos padres de sua geração, ele era influenciado por Cardijn, padre da diocese de Bruxelas e fundador da JOC. Educado num ambiente onde obediência, discrição e mesmo timidez eram apreciadas e mesmo encorajadas, ele encontrou aqui pessoas que não eram nem obedientes, nem discretas nem tímidas. ‘Eu encontrei pessoas verdadeiras, que não escondiam o que eram, pessoas sem mentira’. A fascinação pelo modo de ser brasileiro aparentemente nunca mais o abandonou e isso me foi confirmado inesperadamente por sua própria irmã, que encontrei certa vez em Bruxelas, em 1980: ‘O que fizeram ali com meu irmão? Ele não é mais o mesmo!’.
- Comblin nunca foi a Roma: ‘O que eu faria ali?’. Mas em 1968 o arcebispo Hélder Câmara lhe pediu de redigir um texto para a conferência dos bispos em Medellín (Colômbia). José foi a seu quarto e bateu o dia inteiro com os dedos na sua máquina de escrever. Sou testemunha, pois na época vivíamos na mesma casa, com portas e janelas sempre abertas. Principalmente a partir de textos de José Comblin, Gustavo Gutiérrez (Peru) e Juan Luis Segundo (Uruguai) surgiu então a expressão ‘opção pelos pobres’, na verdade uma confirmação verbal do que diversos bispos da América latina já estavam praticando na época, na fidelidade ao ‘pacto das catacumbas’ firmado em Roma no final do Concílio Vaticano II. Os três teólogos sabiam, pois, que estavam construindo sobre terreno firme, o que mais tarde ficou comprovado pelo surgimento da teologia da libertação. Dom Hélder Câmara, que era um homem perspicaz, tinha pedido, em 1965, a José Comblin de vir trabalhar em Recife. Desse modo o conselheiro de Dom Hélder entrou, aos poucos, em contacto com outros bispos progressistas da América latina como Leônidas Proaño (Ecuador), Mendez Arceo (México), Aloísio Lorscheider, José Maria Pires e muitos outros. A visão dos teólogos da libertação consistia basicamente na rejeição da ideologia do desenvolvimento e no aprofundamento de temas como opressão, ditadura econômica e política, fascínio do capitalismo (Jung Mo Sung) e solidariedade com os pobres. Quando o texto de 1968, por indiscrição, caiu nas mãos dos militares, Comblin entrou numa rota de colisão com o sistema e foi expulso do país em 1972. Ainda tentou viver no Chile, mas ali também Pinochet tomou o poder em 1974. A única possibilidade, depois da ‘abertura lenta e progressiva’ de 1977, consistia em permanecer no Brasil na qualidade de ‘turista’ por consecutivos períodos de três anos. Seu estatuto legal só foi regularizado no decorrer dos anos 1980.
- Entretempo, Comblin muda outra vez o rumo de sua vida. Adeus formação sacerdotal em seminários e institutos de teologia, adeus grandes cidades. José desaparece e começa uma peregrinação de longos anos e grandes percursos, zigue-zague pelos imensos espaços do Nordeste, à procura de pessoas que se sensibilizem com sua ‘teologia da enxada’. A agricultura tradicional do Nordeste opera por meio da enxada, não do arado. Isso significa que a teologia da enxada parte da cosmovisão do agricultor comum, algo que pressupõe uma ‘reversão de todos os valores’ por parte de um teólogo formado por Cerfaux e Thils. Na qualidade de teólogo da enxada, José peregrina até três dias antes de morrer tranquilamente no Recanto da Transfiguração, em Salvador. Nos últimos anos ele conta com a dedicação incondicional de Mônica Muggler, que faz de tudo para que José possa trabalhar e viajar até a idade de 88 anos. Ela é motorista (ele mesmo não sabe dirigir carro!), planeja encontros (nos últimos anos de forma intensiva por meio de telefone celular), estabelece contatos, organiza planos de viagens, coloca textos na internet (laptop), encontra lideranças locais. José também tem seu laptop. Ele ainda me manda algumas palavras por ocasião de seu aniversário, cinco dias antes de morrer.
- O milagre consiste no fato que um intelectual estrangeiro, de índole retraída, consegue estabelecer um laço provavelmente estável com a cultura iletrada do interior nordestino. Um milagre que, como todos os milagres, é incompreensível. Neste momento (31/03/2011) estou sendo informado que há velas acesas em cima de sua cova, ao lado do túmulo do padre Ibiapina, na calma e linda natureza do brejo paraibano, em baixo das árvores. E uma mulher se declara curada depois de rezar no túmulo do padre José Comblin.
- Testemunho escrito por Rolando Lazarte (Sociólogo, formador do Movimento Terapia Comunitária Integrativa – TCI)
É grande a tentação de vir a público dizer algumas coisas sobre a partida do nosso querido e inesquecível Padre José Comblin. Talvez seja necessário e oportuno, talvez não. Talvez seja mais o silêncio e o recolhimento, que nos permitam guardar com mais fruto os ensinamentos de alguém que, com tanta sabedoria, soube ser simples ao ponto de ter conseguido ser, e continuar sendo, apenas aquele que é. Esta é a qualidade que mais admiro em alguma pessoa: ela ser quem ela é. Quando é um escritor quem consegue isto, ser os seus escritos, a obra está completa, ele conseguiu. Sou um escritor, e isto é o que mais admiro em quem escreve. O escritor, o poeta, são os seus escritos. Eles não usam os escritos para se comunicar apenas, não usam a palavra como meio, mas são a palavra, são os escritos. Depois da sua partida, a sua presença começa a vir com mais completude, é como se ele, que estivera disperso em tantas recordações, em tantas leituras e reflexões, nesses poucos e inesquecíveis momentos em que tive a oportunidade de estar com ele, seja em grupo, seja em algumas das nossas caminhadas pela beira mar em Cabo Branco, é como se todo esse ser, com quem conversei poucas mas substanciais coisas a respeito das dores que a ditadura nos legara, sobre o ser poeta, esse ser que fazia o sinal da cruz repetidas vezes sobre o seu corpo, esse ser cuja memória fora tão apropriadamente evocada na missa de sétimo dia na Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe pelos vários padres ali presentes, pelo público em silêncio significativo, é como se todo esse ser, esse único ser, esse ser de luz que vai ganhando mais e mais espaço na minha alma e, acredito, na alma de tanta gente por esse Brasil afora, por essa América Latina afora, esse Comblin que é os seus escritos, é o seu sorriso, é a sua presença de braços cruzados nas reuniões na sua casa do Sítio São José em Bayeux, a nos olhar e a brincar com esse seu tão próprio senso do humor, é como se esse Comblin que ontem reencontro em “O Caminho, ensaios sobre o seguimento de Jesus”, a dizer da vida como peregrinação, o ser e o ter, o amor como a centralidade da vida, é como se esse Comblin que vem cada vez mais a mim, a este presente, a esta hora, fosse já não Comblin mas a própria vida, a lembrança da luz que somos, como tão adequadamente o Padre Josenildo (se este é de verdade o seu nome, nunca sei sei ao certo isto), ou então o outro padre, o primeiro a falar, o padre negro cujo nome não sei, que começou evocando Comblin. Já não é mais um ser que se foi, alguém que morreu, embora seja. É esse que se foi, mas é um que está cada vez mais aqui. E é por estares cada vez mais aqui, que te agradeço, que agradeço à vida a graça de ter podido te conhecer, embora muito brevemente. Porque é um ser tão presente e tão simples e profundo como tu, que me lembra da simplicidade e da profundidade da vida. O amor é o começo, o meio, o fim. É algo a ser conquistado, ou talvez esteja tão aqui, que com a tua presença nos queres recordar constantemente isto. Ontem lia “O Caminho, ensaios sobre o seguimento de Jesus”, e agradecia, como agradeço nesta manhã, a clareza do ali dito, e agradeço a quem me emprestou o livro e a quem, na missa da segunda-feira passada, enfatizou este livro com tanta contundência, que aqui estou, tentando, mais uma vez e sempre, ir para lá, para essa Jerusalém que está aqui agora, no meio dos afazeres cotidianos. Quem ama não morre. Não morres, vives.
- Testemunho do Pe. Bartolomeo Berghese (Diocese de Pesqueira – PE)
Acolhido na casa do Pai, acolhido pelo Ele Pai e Mãe e por milhares de pobres e excluídos que conseguiram através deste profeta reconhecer a própria dignidade e valor. Demos Graças a Deus por este profeta, mestre e guia.
Pe. Bartolomeo
Querido
em anexo a tradução que eu faço deste biblista italiano Pe. Alberto Maggi. Se encaixa, ao meu ver, na vida, na profecia e na morte de José Comblin.
Sito: www.studibiblici.it
Na primeira pagina do sito na parte alta a direita clicar na bandeira brasileira. Sai a pagina em português
Pe. Bartolomeo
- Testemunho de João Basílio Schmitt
Prezado(a)
Um dos tópicos que, para mim, mais se destacou na vida e obra do falecido pe. José Comblin foi sua luta por uma igreja “Povo de Deus”, em contraponto à igreja de organização clerical com poder hierárquico, predominante no mundo a partir do século IV. O jornal bimestral Linha de Frente, do qual sou diretor atual, editado em Brasília pelo Grupo Ser, tem como um dos seus principais objetivos o de oferecer subsídios para a formação crítica dos cristãos “leigos” e protagonismo das comunidades de base. Se estiver também em sintonia com essa perspectiva de igreja, talvez você também possa somar conosco nessa verdadeira linha de frente…
Se houver interesse de sua parte e quiser conhecer melhor o nosso jornal, mande-nos seu endereço postal e lhe enviaremos gratuitamente uma ou duas edições com melhores esclarecimentos. Atenciosamente
- Testemunho da Escola Dominicana de Teologia, enviado por Fr. Claudemir Rodrigues da Silva (e-mail:
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ) e assinado por Fr. Carlos Josaphat e outros (entretanto, pela forma como veio o texto anexo, não consegui gravá-lo), a não ser o que foi encaminhado no corpo do e-mail por Fr. Claudemir:
“A EDT – Escola Dominicana de Teologia, não poderia deixa de manifestar e tornar público o sentimento dos seus colaboradores e alunos, por ocasião da Páscoa do Comblin. Sentimos não poder ter gravado as palavras do Frei Carlos Josaphat, OP, em sua homilia, na missa de Sétimo Dia dedicada a Comblin, hoje na Capela de Cristo Operário, com a presença de todos os nossos estudantes e professores. Portanto, segue em anexo nossa mensagem devidamente assinada.”
- Testemunho de Assueros Gomes
A noite é suave o dia é claro, Comblin
Assuero Gomes
A noite é suave, já podes desamarrar tuas sandálias e descansar teus pés andarilhos, peregrinos, pois a noite veio, Comblin. Suave e mansa a noite veio. Não amedrontou, nem assustou, ela veio serena ao teu encontro, como a brisa no Horeb, conversando contigo como a brisa e Elias.
Tuas sandálias estão cheias de pó. Das estradas do desterro, das estradas dos sertões, de Talca terra chilena, de Riobamba no Equador, dos nordestinos destinos empoeirados de caminhar, das vilas e acampamentos.
Já podes desamarrar teu cinto que te cingiu, liberar teus rins ao repouso, pois agora vais para onde não querias ir, pois por ti, ficarias mais um pouco entre os romeiros peregrinos. Desata teu cinto, desata, pois nada te prende mais entre os homens e as mulheres que não seja o Amor.
Encosta teu cajado junto aos teus livros. Já não precisarás dele, pois teus pés estão pisando nos verdes e seguros campos do Senhor. Enfrentastes com tua lucidez e tua palavra as fardas e baionetas armadas, agora já não há botas nem coturnos, nem arames farpados, nem grades nem opressão, pois o vento campeia livre nos campos do Pastor.
A noite é suave e belas são as estrelas. Mais belas ainda o são no céu, sertão desse imenso arraial chamado Brasil onde escolhestes plantar teu coração. No chão de Ibiapina,de Conselheiro,de Cícero,de 2
Austregésilo e de Hélder,ah! Quanta sacralidade nesta terra ressequida, quanto adubo misterioso que a torna fértil sem se mostrar e faz brotar vida das pedras e vocações libertárias onde grassa o espinho do xique-xique e a cerca do egoísmo.
A noite é suave e doces são os vagalumes que trazem nas mãos dos romeiros a luz roubada das estrelas, para alumiar em pequenas candeias, o caminho que vem sendo construído ao teu redor. Podes ainda ouvir os lamentos e os benditos dessas almas que agora choram tua partida,como órfãos de um pai?Podes ainda escutar-lhes as lágrimas, rutilantes, escorrendo pelos caminhos tortuosos da pele marcada pelo sol cáustico e pela dura labuta diária?
Já não tens mais sede de água, nem sede de saber, nem sede de amar, pois estás na Fonte das fontes. Não precisas mais aprender,apenas contemplar a plêiade de irmãos e irmãs que arrebanhastes, diretamente na face de cada um,transfiguradas e belas pela realidade da presença da face do Cristo.
A noite é suave, mas o dia é claro, Comblin. Dizem que os anjos podem escutar a alvorada. Talvez esta seja uma das poucas vantagens que têm sobre nós,mas os poetas e os cegos também o podem,talvez tu já soubesses disso,os teólogos podem ser como os poetas e os cegos que enxergam horizontes entre uma palavra e outra. O teólogo é um poeta de Deus.
A noite é suave Comblin, mas o dia é claro. Deixastes a nossa noite para nos esperar no Dia. Como sempre,nos emprestando luz onde só enxergamos escuridão.
Agora meu amigo e meu irmão, antes que nos sintamos órfãos, antes que nossa lágrima de saudade escorra por esta terra seca, antes que nossos pés ousem descansar, faze uma prece e acende mais uma luz para nós, essa luz do Dia, pois embora a noite possa ser suave o dia é claro e só podemos caminhar enquanto há luz.
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Assuero Gomes é leigo católico da Arquidiocese de Olinda e Recife.
(Jornal do Commercio, Recife, 03/04/2011, Cadernos Cidades, p. 13)
- Testemunho de Íris Charlene Abreu (Educadora, membro da Coordenação dos cursos de formação da Fundação Dom José Maria Pires, em Serra Redonda – PB)
Obrigada por lembrar de mim. Fico triste pela notícia, pois fará muita falta sua presença e suas belas palavras, porém, alegro-me pela festa que será no céu! Uma pessoa de tão lindo coração merece estar em descanso nos braços do Pai Celestial.
Fique na paz!
Charlene
- Testemunho de Armando de Melo Lisboa (anexando recente artigo de Pe.
Comblin. “O pobre como critério para a profecia”, publicado na coletânea organizada por Pedro Ribeiro de Oliveira)
Comblin, em seu último artigo, confirma-se como profeta de nossos tempos.
Muito mais no livro indicado no rodapé, org. por Pedro Ribeiro
- Testemunho de Vera Fernandes (da Consulta Popular, dirigida a vários membros de movimentos sociais)
Companheiros/as,
Acredito que Comblin não morrerá totalmente, ele é um daqueles que está eternizado por suas ideias e atos. Sua presença física deixará um vazio, mas seu legado o eternizará, com certeza!
O Corpo do Comblin será sepultado na Paraíba.
Abraço fraterno,
Vera
- Testemunho de Samara Ferreira (Religiosa Franciscana, desde Esperança – PB)
Alder estou grata pelas informações, nunca conheci de perto o Pe. Comblin,mas sempre admirei sua opção radical pelos pobres, li alguns livros que introduziram na minha caminhada um pouco do seu jeito de ser. Estarei repassando à todas as irmãs,pois ele acredito ter feito parte da nossa história com assessorias. Ontem também foi a vez de Frei Anísio, franciscano, não sei se você o conheceu,mas ele sempre companhou a família franciscana, já havia algum tempo internado, até que ontem às 4h da manhã o Pai o chamou, seu sepultamento foi logo depois das 16h em Lagoa Seca.
Um abraço fraterno, Samara.
- Testemunho de Luiz Gonzaga Gonçalves (Professor da UFPB)
Alder,
Sempre surpreendente, até mesmo na partida definitiva Comblin nos deixou impressionado pela sua leveza.
Abraços.
Luiz
- Testemunho de Fátima Y. Asfora (desde Recife – PE)
querido amigo Alder,
Mesmo tendo certeza de que que o nosso Pe. José Comblin está na casa do Pai a notícia me deixou tristíssima.
Obrigada de coração por vc incluir meu nome na sua lista.
Vc sabe dizer se Mônica está em Barra?
pedindo a DEUS que nos ilumine p/ manter vivas as ideias de Pe. José Comblin , porque tivemos o privilegio de conhecê-lo pessoalmente.
E vc sempre me pareceu desempenhar essa missão da melhor forma possível.
P/ vc e Helena o meu abraço fraterno
Fátima
- Testemunho de Edson Hely Silva (Professor da UFPE)
Caro Alder,
Sem dúvidas, uma perda irreparável!
Um grande homem, um intelectual comprometidíssimo com a justiça e dignidade para os pobres. Simbolo de uma geração de uma Igreja Católica Romana fiel a seu inspirador, Jesus.
Temos, pois, muito a lamentar.
Abço.
Edson Silva
- Testemunho de Socorro Fernandes (Coord. Associação Paraibana de Amigos da Natureza e membro da Frente Paraibana em Defesa da Terra, da Água e dos Povos do Nordeste)
Alder,
Estivemos juntos em Barra no ano passado e ele me pareceu bem disposto e feliz mas quem pode ir contra os desígnios de Deus? oremos para que ele nesta mudança de endereço esteja bem e principalmente chegue bem…
Socorro
- Testemunho de Jailson Pereira da Silva (Professor da FAFICA, Caruaru – PE)
AMIGO ALDER, NÃO CONHECI COMBLIN PESSOALMENTE. MAS ME EMOCIONO COM A ENTREGA DELE ÁS GRANDES CAUSAS DA VIDA.
UMA CERTEZA DE QUE OUTROS, COMO ELE, CONTINUAM AQUI LUTANDO NOS CONFORTA UM POUCO.
ABRAÇOS, JAILSON
[1] Pastor da Primeira Igreja Batista em Bultrins-Olinda, e mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco.
[2] COMBLIN, J. Um novo amanhecer da Igreja? Petrópolis: Vozes, 2003, 76p.
[3] COMBLIN, J. O povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002, 412p.
[4] Idem.
*Pe. Joseph Servat faleceu em 2014.