In memoriam (27-03-2011)
Rolando Lazarte
Escrever sobre José Comblin é mexer com algo que se tornou muito vivo na minha vida. Uma espiritualidade ancorada no social, uma busca de Deus além do intelecto, ou, melhor dizendo, com uma razão iluminada por uma atitude interior de amorosidade e solidariedade.
Encontrei em Comblin uma figura que parecia vinda de algum outro mundo. Uma pessoa profunda e simples. Parecia que uma luz irradiava da sua presença. Nisto lembrava muito de Dom Fragoso. Essa mesma áurea de uma pessoa profundamente humilde, embora possuísse vastíssimo conhecimento. Dom Fragoso e José Comblin.
Adalberto Barreto, outro teólogo da libertação. Não poderia deixar de juntá-los nesta evocação, uma vez que sinto que os três são como encarnações de um mesmo espírito. Uma prática concreta de partilhar saberes normalmente privatizados pelas classes mais favorecidas, com as pessoas mais pobres.
Uma partilha vinda de um sentimento de que todos necessitamos uns dos outros. Não há libertação isolada, de pequenos grupos. A humanidade é uma unidade. Posso dizer que no contato com estas pessoas, e com outras semelhantes no seu espírito de serviço e de transformação desde o amor que estende as mãos para um resgate solidário, fui me tendo de volta.
Pude ir saindo da minha depressão e das marcas de um isolamento em que me encontrava. Pude ir me vendo como rede, em comunidade. Este processo prossegue. A lembrança de Comblin e a minha prática no seio da Terapia Comunitária Integrativa criada por Adalberto Barreto, foram mudando a minha visão de mundo.
Fui me reconhecendo em uma humanidade pobre materialmente, mas rica em solidariedade e em sabedoria popular.
A pessoa vai se recuperando na medida em que se sente acolhida pelos seus semelhantes. Isto aconteceu comigo, não apenas no seio desta rede de base, solidária, que no entanto é o foco principal da minha recuperação e reconstrução constante como ser humano, como na vida diária, na medida em que foi se dissolvendo a barreira invisível mas muito efetiva da alienação que me separava de mim mesmo e dos meus semelhantes.
Fui recuperando um sentido de viver que se faz nas pequenas coisas, no dia a dia vivido com a admiração de quem se descobre maravilhado por estar vivo, por fazer parte desta maravilha que é a vida.
Foto: Pe. José Comblin