Genildo Santana
Ou pelo menos se dizem. E usam Deus para vociferar ódio. Ódio transformado em prática. Prática que gera dor, destruição, perseguição e similares.
A frase – aqui como título – é do autor Dan Brown, posta na boca de um assassino, referindo-se aos que o contrataram, no livro Anjos e Demônios, lançado em 2003. Uma bela tratativa sobre a relação Fé e Ciência, em bela obra de arte, depois utilizada pela sétima arte, tendo Tom Hanks como o Simbologista Robert Langdon, personagem deste e de outros clássicos de Brown.
Pois bem! Ao menos se dizem ser homens de Deus. Se o são ou não, o leitor o diga. Mais: Se Deus está com eles, é outra questão que se impõe. Então, teremos duas perguntas para servir de ponto de partida para nossas reflexões: a) - São homens de Deus? E b) – Deus está com esses homens?
É comum ouvirmos que Deus está com esse ou aquele, com essa ou aquela, nessa ou naquela igreja, como se Deus fosse posse de alguém ou de alguma instituição. E assim o dizendo, afirmam que Deus não está com o outro ou em outra instituição. Quem pode afirmar algo assim com tanta propriedade? Alguns homens de Deus, assim o fazem.
Utilizo a palavra homem no sentido de ANTROPOS – a humanidade mesma, incluindo masculino e feminimo – e não no sentido ANDROS, apenas o macho, que separa de GNAYKOS, a fêmea da espécie.
Não há novidade no discurso e/ou na prática. Desde sempre a relação entre homens e deuses é conflituosa. Sempre numa relação de dependência e dominação. Dependência do humano em relação ao divino e dominação do divino ao humano e de uns homens – ditos sagrados - sobre outros, meros mortais, em nome de Deus.
Assim o foi na Grécia mitológica, na Roma dos césares, nos nórdicos de Odin, no Egito das múmias e em outros espaços e tempos afins. Assim nas religiões politeístas e muito mais quando um Deus se disse único, eliminando – nos céus e na terra – os demais deuses. (respondendo a Nietszche que disse Deus está morto, Derrida disse que os deuses morreram sim, mas morreram de rir de um deus que se disse único.).
No universo cristão não foi diferente. Desde os primórdios do cristianismo se vociferou ódio, transformado em prática, onde, em nome de Deus, homens dominaram outros homens, outras etnias, culturas. Países inteiros ditos convertidos, em verdade dominados, submetidos ao monoteísmo. Vontade de Deus?
No medievo – alto, médio ou baixo - a prática foi a mesma. As “bruxas”, que a sentiram mais de perto, testemunhem. Os que se levantaram contra tais práticas também viram o brilho das fogueiras de perto, como de perto viram os instrumentos de tortura. Os monarcas absolutistas da renascença se disseram, apoiados por pensadores e teóricos, representantes escolhidos diretamente por Deus. Nada novo, uma vez que em Roma, o César era isso, ou mais que isso, um próprio deus. Só mudou a divindade, sendo agora o Deus Pai de Jesus. Até que filósofos ilustrados questionaram, no século XVIII, essa prática e a partir da França, os reis absolutistas começaram a cair, como caiu a Teoria do Direito Divino, juntamente com seus reinados, em nome das recém-criadas Repúblicas.
Na mesma era moderna, o ciclo se repete. Em nome de Deus, a Europa cristã, ou que se dizia ser, fez povos inteiros serem aniquilados nas colônias americanas e, posteriormente, na dominação da África. Gandhi disse, já no século XX, não entender como a Inglaterra cristã era capaz de fazer tamanhas barbaridades. Dizia também que admirava Cristo, mas sentia desprezo pelos cristãos. Ao menos os cristãos que ele conheceu.
A história mostra que é preciso ter cuidado, pois eles agem em nome de Deus. Assim foram os cristãos da Kul Klux Klan – utilizando uma cruz queimada como símbolo – que desde a Guerra da Secessão dos E. U. A. assombra o mundo em nome de Deus. Assim também muitas Igrejas – institucionalmente mesmo – fizeram. Assim os apoiadores do Nazismo, do Fascismo, do Franquismo, do Salazarismo, na Europa e, mais na América Latina, os apoiadores da ditadura dos Somoza, na Nicarágua e das ditaduras na segunda metade do século passado.
E fazem, nos dias atuais. Sem receio, convictos de fazerem a vontade de Deus.
São homens de Deus? Por certo não o são de Jesus de Nazaré, pois há uma contradição de mensagem e de prática. Jesus não fez assim nem assim ensinou a fazer. Muito menos pediu que assim se fizesse. Basta uma atenta leitura da Bíblia, principalmente dos Evangelhos e, neles, dos ensinamentos de Cristo. Não precisa ser um refinado, rebuscado teólogo para entender e perceber a contradição entre o que disse Jesus, segundo os evangelistas e a prática de muitos que o seguem.
Mas eles fazem. Usam o nome de Deus para tudo que há de ruim, mal e para justificarem práticas injustificáveis eticamente, moralmente, culturalmente e...teologicamente. E o pior: o fazem convictos de que estão certos.
Qual teologia legitima, baseia essa prática? Qual cristologia sustenta práticas assim? Qual eclesiologia abriga essas ideias e qual igreja protege homens e mulheres assim? Quem ganha e quem perde com tal atitude? O caso do Padre Lino, em Fortaleza é bem típico e exemplar do que dizemos aqui. São homens que comungam semanalmente, que ajoelham perante o santíssimo por horas, que oram piedosamente, que não pensam duas vezes em soltar seu ódio, transformado em prática.
O que nos faz lembrar Padre Assis Rocha, da Diocese de Afogados da Ingazeira que dizia, insistentemente, que no passado a igreja evangelizava os infiéis, hoje tem que evangelizar os próprios cristãos. Decisivamente o batismo não os fez cristãos, pois suas práticas são anticristãs.
“Nada de novo sob o sol”. Dom Helder, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns, só para citar alguns, também sofreram ataques similares e até piores, vindos de cristãos que diziam agir em nome de Deus. Ataques, inclusive de congregações religiosas ou grupos que oram piedosamente, mas são incapazes de se compadecerem das realidades reais e dolorosas do mundo. Não teve um Cardeal que queria matar Comblin, na Conferência de Puebla? Trujillo, foi?
A segunda questão: Deus está com eles? A lógica diz que, em estando, não está com os que sofrem os ataques, uma vez que não há dois deuses, com vontades distintas e distintas exigências de uma vivência cristã, como critério para cristão ser. Sendo que Deus está com eles, é um Deus diverso do anunciado por Jesus Cristo. Sabemos das muitas teologias sobre Deus, o que gerou muitas interpretações e visões sobre Deus. Podem tentar legitimar o ilegitimável em nome de Deus. Afinal, como se diz, a Igreja não foi fundada por Cristo, mas se fundamenta n”Ele.
Por enquanto – e desde sempre assim – tenhamos cuidado com uns homens de Deus. Utilizei o artigo indefinido para não generalizar.
Há homens de Deus. E como os há. Há homens que, em nome de Deus, libertam, criam, constroem, embelezam. Há os que usam do Evangelho como arma libertadora e crítica. Conhecemo-los. Deles fazemos memória e neles nos inspiramos.
A esses, nossa reverência.
No entanto, há outros que precisamos ter cuidado, pois eles também são homens de Deus.
Ou pelo menos se dizem ser.