Gedeon José de Oliveira
Em 1962 José comblin escreve um livro intitulado de: Educação e Fé, os princípios da educação cristã. Por princípio, Comblin entende a educação enquanto técnica de perpetuação do cristianismo na história, pois sem a qual o cristianismo desapareceria. Deste modo a palavra “princípio” equivale ao termo “genealogia” ou “arqueologia” e não como metafísica. Trata-se, pois, de traduzir a fé através de meios fornecidos pela cultura, em vista do convencimento de que a religião seja necessária e fundamental para as famílias. Este artigo, se propõe a descrever os aspectos relevantes sobre a noção de educação que Coblin desenvolve e especifica no desenvolvimento do seu livro. Não entraremos propriamente nas questões do cristianismo (religião), mas nos problemas em torno da educação contemporânea e seus desafios, como reflete a Campanha da Fraternidade de 2022.
O que é educação? Essa pergunta está implicada na noção de educação que Comblin elabora, mediante uma multiplicidade de noções que apareceram no decorrer dos tempos, e não necessariamente uma pergunta que exija uma possível resposta. Trata-se de problematizar a educação no contexto dos anos 1960 e seus efeitos nos dias atuais. Mediante questão, Comblin afirma: “o problema da educação não se restringe ao problema do ensino, nem da escola, nem tampouco ao problema de educação familiar, a educação está para além dos espaços onde ela ocupa”. (COMBLIN, 1962, p. 22).
Através dos processos educacionais se transmite determinados valores morais de uma geração a outra, e esse seria o objetivo da educação. No entanto, “é a educação, antes de tudo, a influência coletiva dos meios sociais sobre as crianças, ou a obra pessoal de um homem adulto sobre uma criança”? (COMBLIN, 1962, p. 25). Segundo Comblin, estas questões constituem os problemas do mundo moderno. Na modernidade, a educação seria “o conjunto de estímulos, solicitações e influências, que determinam, por reflexo ou impregnação, o pensamento e a conduta dos homens em sociedade” (COMBLIN, 1962, p. 25). Ora, nestes termos, a educação, assim definida, confunde-se com a política, uma vez que a missão da política é formar homens de acordo os ideais e dos valores da cultura que é portadora.
“Tomamos a liberdade de nos perguntar-nos se o que a educação tem de mais característico não é justamente o que a distingue da política”? essa questão levantada por Comblin atravessa história, de modo que é uma questão antiga quanto atual. Na perspectiva de Coblin, “a política é a arte de usar meios coletivos para a formação do homem, como bem elaboraram os gregos na assim chamada Paideia. É essencialmente a arte dos medianos e a função de transmitir ou simplesmente de manter a cultura média”. (COMBLIN, 1962, p. 25). Assim, Comblin afirma de modo cirúrgico, que educação escapa a toda política e que nenhuma política pode gerar”. Outrossim, comblen encontra eco em vários pensadores modernos em sua crítica a educação contemporânea.
Alder calado, como Comblin, faz as mesmas críticas ao projeto de educação na sociedade moderna: “Nisto não há surpresa: ontem como hoje o Estado - ao lado do Mercado - segue cumprindo seu papel, inclusive na organização da Cultura e da Educação refém, que é das políticas governamentais (infraestrutura, saúde, transporte, legislação trabalhista, mídia, religião, segurança pública, organização fundiária, produção agrária, papel dos bancos, agronegócio, produção de commodities”. Da Educação Infantil à Pós-Graduação, sejam governamentais ou particulares, as Universidades são organizadas pelo Estado. (Cf. textosdealdercalado.blogspot.com)
Nos anos 1960, o problema da educação foi considerado, estudado e discutido, como problema político (COMBLIN, 1962, p. 26). Quer dizer que tanto em anos passados como no presente, a educação é vista enquanto organização de influência dos meios sociais. Transmitir as experiencias de um meio social não educar, afirma Comblin. Educar é libertar as pessoas dos condicionamentos coletivos. Libertar dos encaixes totalitários que que impunha a vida da cidade. Libertar as pessoas dos condicionamentos coletivos, significa que a pessoa deve tomar consciência de si mesma, de suas possibilidades exigências e direitos. Segundo Comblin, “A norma de justificação suprema de toda existência comunitária ou individual reside, de agora em diante, no homem, tomado como personalidade autônoma, justificada em si mesma, encontrando, talvez, além do eu, mas através do eu, e sem renunciar jamais a sua individualidade, a realização do seu ser. (COMBLIN, 1962, p. 28). Essa concepção de educação, está centrada na Paideia, onde o humanismo foi desenvolvido tendo o homem enquanto centro de todas as coisas (Protágoras)1. Mas Comblin, encontra nessa definição uma herança saudável, de modo que pode contribuir no debate em torno da educação. Haja vista, que para os gregos a finalidade da existência humana é atingir a forma mais rica e mais perfeita da personalidade. Nestes moldes, a educação, enquanto produtora de subjetividade, aponta para uma teleologia da existência, mas essa teleologia não é algo predefinido pela natureza do dever ser nem pela política, senão que é uma opção existencial por um estilo de vida, por uma vida estilizada onde a dignidade humana e a felicidade sejam um objetivo a construir e não uma mera reprodução de condutas preestabelecidas.2
A formação humana é uma obra de arte e o sujeito seu artista, pois é algo único e insubstituível, assim como a vida de cada um. Só há educação individual porque ela é introdução à autonomia. “O que reúne todas as raças e de tantos povos através da bacia do mediterrâneo numa mesma cultura helenística, é o fato de serem indivíduos, ou melhor, pessoas, seres autônomos, senhores de seu destino”. (COMBLIN, 1962, p. 28-29). Uma tal concepção dá margem a muitas objeções. Pode-se achá-la anárquica, e em certo sentido ela é. poderão acha-la aristocrática e, em certo sentido também é, contudo ela não exclui o uso dos métodos coletivos, transmissão de mentalidades comum, reflexos sociais, desde que o essencial esteja salvaguardado. Uma educação de massa, seria uma educação descoroada, como uma civilização de massa é uma civilização desumana. Assim, a educação não é apenas introdução a vida social, nem mesmo primeiramente. É iniciação a vida pessoal. Isto devia fazer parte da própria definição de educação.
A educação enquanto transmissão coletiva de conhecimento, produz uma violência sem precedentes na história, de modo que, a noção moderna e liberal de educação se apresenta insuficiente para fazer justiça aos oprimidos, desde uma injustiça estrutural e que, a partir da educação popular, na perspectiva assumida por Paulo Freire e José Comblin, é possível ressignificar o conceito de educação tendo como referência o sujeito em si mesmo vinculado ao coletivo.
A educação popular é o conhecimento que é produzido de forma coletiva, no sentido humanístico. Por esse viés entende-se que ela vem afirmar uma nova concepção de educação desmembrada da ideia de educação institucional, voltada para atender o modelo do sistema econômico e social, achatado pela classe dominante atual.
A educação permite que a produção do conhecimento seja formulada e reformulada por meio do encantamento que se funde em saberes nunca antes vista. Ela busca o desconhecido e existente e o torna visível e atraente. Trata-se, pois, da forma de conceber os principais aspectos que compõe o fenômeno educativo: o contexto, o objetivo, os conteúdos, a metodologia e os sujeitos. Em relação ao contexto, a educação popular visa a transformação das estruturas e das relações da dominação. Em relação ao conteúdo, se remete ao compromisso teórico e prático com projeto sócio-político e libertador. Daí decorre a pedagogia do oprimido avançando para a uma pedagogia do homem e da mulher latino americano. A metodologia, nestes termos, consiste em um modelo de educação que parte da realidade, ou seja, das necessidades e desejos dos envolvidos e que se dá vinculada a processos organizativos: movimentos sociais, movimento negro, movimento feminista e da classe popular trabalhadora em geral. Quanto ao sujeito de transformação, são aqueles que pautam suas demandas desde as bandeiras de lutas dos movimentos sociais populares.
Paulo Freire tem uma trajetória marcada com seu pensar revolucionário no campo da educação popular quanto da filosofia. A articulação entre filosofia e educação, tem o objetivo de construir uma pedagogia que leve em conta o oprimido e suas condições de libertação da opressão vivida, para construir seu caminho protagonizando todas as dimensões sócio históricas, culturais, ambientais, político, territoriais, para chegar a um modelo de sociedade referendada no oprimido como sujeito de direito. Trata-se de pensar o fazer pedagógico pautados em contexto escolar ou não-escolar, nos movimentos sociais populares, nas práticas sociais comunitárias, nas políticas públicas, nas relações sociais. Assim, a “educação popular constitui uma concepção que carrega consigo um profundo significado de cunho epistemológico, político, social e ético” (CALADO, 2020, p. 23). É evidente que o pensamento pedagógico de Paulo Freire resulta do seu encontro com outros autores, outras concepções e a emergência do que ele denomina práxis libertadora.
José Comblin, Alder Calado e Paulo Freire, contribuem significamente para a Campanha da Fraternidade
1 https://repositorio.ipl.pt/bitstream/10400.21/2051/1/appia_homem.pdf
2 RUIZ, Castor Mari Martín Bartolomé. As encruzilhadas do humanismo: a subjetividade e a alteridade ante os dilemas do poder ético. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 187.