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Pentecost

Eduardo Hoornaert.

 

Os Atos dos Apóstolos, redigidos entre 120 e 150 d. C., registram com entusiasmo o evento pentecostal e acentuam o sensacional crescimento de participantes do movimento de Jesus na ocasião. O número inicial de 120 (1, 15), depois do discurso de Pedro, pulou de vez para 3.000 (2, 14), e logo depois chegou ao patamar de 5.000 (4, 4). Era o próprio Senhor, escreveu Lucas, que acrescentava cada dia o número dos que se convertiam (2, 47). Aderiram no Senhor multidões de homens e mulheres (5, 14), em perfeita harmonia: A multidão dos que creram era um só coração e uma só alma (4, 32). Mesmo sacerdotes aderem, em grande número (6, 7). O número dos discípulos crescia enormemente em Jerusalém (6, 7). Essa considerável multidão (11, 24) foi logo chamada de ‘igreja’, ou seja, ‘assembleia de fiéis’: As igrejas cresciam em número, de dia a dia (16, 5).

 

Realmente, a expansão foi sensacional. Passou-se, em pouco tempo, para a Síria e se alcançou o litoral oeste da Ásia Menor. ‘Voando’ nas asas da diáspora judaica, o movimento alcançou, em pouco tempo, grandes cidades, como Antioquia, Alexandria e Roma. Surgiu uma pluralidade de experiências, tanto na Ásia Menor como na Síria, no Egito e no Mediterrâneo ocidental. Mencionamos aqui apenas algumas das experiências mais conhecidas. Estêvão em Jerusalém representa o grupo de helenistas que atua naquela cidade e que se manifesta nos capítulos 6 a 9 dos Atos dos Apóstolos. Aí Jesus aparece como um intruso num mundo que segue a liderança de Moisés. Paulo em Antioquia demonstra a importante mudança de rumo que o contato com as pessoas de cultura grega, do grande mundo urbano, provocou no entendimento do evangelho. Valentino, que entre 135 e 160 esteve em Roma, é originário de Alexandria e representa o estranho mundo da gnose no seu encontro com a mensagem de Jesus. E finalmente Marcião em Roma, escandalizado pelo ‘mundanismo’ das comunidades na grande cidade, formula um projeto de resgate da ideia original em três etapas (mentais): a antítese, o evangelho, a igreja. Não falamos em Tomé no interior da Síria, porque o evangelho a ele atribuído condiz, segundo os especialistas, com o cristianismo da Galileia.

 

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Ação do Espírito Santo.

 

A experiência pentecostal dos primeiros cristãos se destaca da religião dos burocratas do templo, dos fariseus e saduceus, escribas e doutores da lei, por ser animada pelo Espírito Santo, que se revela a camponeses, pescadores e publicanos, mulheres e crianças, ignorantes e pecadores segundo a lei judaica e a teologia estabelecida. O judaísmo oficial rejeita o pentecostalismo do primeiro seguimento de Jesus, não consegue compreender o âmago do movimento. Essa incompreensão leva a um infeliz confronto entre as comunidades dos discípulos de Jesus e o judaísmo oficial: estas não se sentem mais no abrigo das instituições do rabinismo judaico (especificamente da sinagoga) e têm de enfrentar o mundo mediterrâneo, expondo-se ulteriormente à eventualidade de uma intervenção por parte de autoridades romanas, dispostas a pôr ordem na casa.

Pentecostes é uma experiência de ordem mística: o Espírito Santo desce em línguas de fogo e dá forças para que os apóstolos afirmem em praça pública a ressurreição de Jesus. Não se trata, contudo, de um misticismo sem dimensão social. A atração não se deve atribuir só a pretensos fenômenos extraordinários que estão acontecendo no local (At 2, 6), mas talvez principalmente porque as pessoas percebem, entre os seguidores de Jesus, um novo jeito de se viver, um clima de fraternidade, acolhimento, atenção aos pequenos e rejeitados deste mundo. Isso deixa profunda impressão e muito entusiasmo entre as camadas mais pobres, nas cidades e nos campos por onde o movimento se espalha. É o grande sinal do Espírito Santo.

Elencamos aqui alguns desses sinais: a atenção especial dada aos que sofrem e são rejeitados (1 Pedro 4, 12-13 e mais tarde a Carta a Diogneto), sobretudo os peregrinos e forasteiros (1 Pedro 2, 11), que eram numerosos na periferia do sistema romano; a regra do maior que serve ao menor: Entre vocês tem que ser diferente: quem quiser ser o maior se faça o menor (Lc 22, 26); a opção pelos pobres (Tiago, 2, 1-9; Paulo); um lar para quem não tem casa (o tema da ‘paroikia’ nas Cartas de Pedro); a elaboração de uma teologia de eleição dos excluídos nos planos de Deus (1 Pedro 2, 4-10; Tiago, 2, 5); a recusa de uma aliança com o pensamento filosófico da época (Justino, Ireneu); o martírio (Policarpo, Inácio de Antioquia); o perdão ao inimigo; o amor ao inimigo; a não-violência ativa; a fé na ressurreição da carne como resposta à petulância das autoridades judaicas (At 2, 22-36); um novo relacionamento entre homem e mulher, (exemplificado no conceito de adultério masculino, desconhecido na cultura do império romano e mesmo no judaísmo, que só focalizava o adultério feminino (veja o ‘Pastor de Hermas’, texto do século II); a recusa do serviço militar como sendo contrário à ideia da única soberania de Deus (Tertuliano); a recusa do aborto e do abandono de crianças recém-nascidas, em nome do imperativo do respeito pela vida pessoal (Carta a Diogneto); a não-participação nos jogos de circo e nos teatros onde a dignidade do corpo humano era tripudiada; a comunidade eclesial de base (Paulo); etc. Essas novidades eram os sinais de um Deus imediato, que dispensava cerimônias e cultos, símbolos e sacramentos, e se revelava diretamente na vida.

 

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O texto de Lucas.

 

A atual crítica neo-testamentária é bastante severa para com o relato de Pentecostes no segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos, como também com as estórias subsequentes dos milagres de cura e das mortes de Ananias e Safira. O autor costurou seus dois primeiros capítulos de um modo bastante artificial, em estilo piedoso e estereotipado. O texto está repleto de generalidades. Mesmo assim, é um testemunho inconfundível do modo em que funciona o seguimento de Jesus nos primeiros tempos. É o primeiro relato de uma movimentação que, ao longo dos primeiros séculos, marca a vida dos discípulos de Jesus. O seguimento de Jesus é um ‘Pentecostes’, uma irrupção violenta de Deus na vida, uma grande experiência, não tanto o seguimento de uma reta doutrina recebida de algum mestre, ou mesmo uma missão a ser realizada em nome dele. Muito menos ainda, um código moral ou uma celebração ritual. Os primeiros seguidores são pentecostais, vivem sob vigoroso impacto religioso e contagiam os demais por seu entusiasmo e pela força de sua experiência religiosa.

 

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O caráter pentecostal do Movimento de Jesus.

 

Pentecostes sugere compreender a religião como uma experiência forte, animadora e inspiradora. Encontramos repetidos paralelos com essa experiência pentecostal na história comparada das religiões. De uma ou outra forma, essas se referem a momentos de inspiração, re-avivamento (revival), reanimação, experiências extraordinárias de entusiasmo e de fé.

Nesses dois mil anos, o ‘Pentecostes’ foi vivido, numerosas vezes, em meio a histórias de opressão, discriminação, sofrimento, exclusão. A religiosidade dos excluídos é pentecostal. Nela o cristianismo aparece antes como empolgação, não tanto como doutrina, rito ou sacramento. A imprecisão dos Atos dos Apóstolos e seus exageros já são sintomáticos do clima exaltado em que os discípulos de Antioquia, Cesareia e Jerusalém devem ter contado suas experiências ‘pentecostais’: o judaísmo formal, hipócrita, sacerdotal e legalista não tinha nada a oferecer aos pobres da Palestina, como bem lembra Pedro no discurso que o autor dos Atos lhe põe na boca na ocasião (At 2, 14-36), e no qual ele diz mais ou menos o seguinte: Nós somos o Novo Israel. A prova disso é a ressurreição de Jesus. Vocês se equivocaram (ao matar Jesus).

 

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