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DEUS DOS POBRES, IGREJA DOS RICOS?

Genildo Santana

Na conferência Episcopal Latino-americana de Medellin, na Colômbia, em 1968, a Igreja Católica fez uma clara opção preferencial pelos pobres. O que se espalhou anos depois, e a experiência demonstrou, foi que, na América Latina, a igreja Católica fez uma opção pelos pobres e os pobres optaram pelos protestantes.

As Igrejas Protestantes, principalmente as de cunho Gospel, tiveram uma profunda penetração e aceitação no meio dos mais pobres.

A Igreja Católica elitizou-se? Perdeu sua essência missionária? Foi infiel a Jesus Cristo também na opção pelos destinatários do Reino de Deus?

Como o tema é importante para a fé cristã, cabe aqui ver quem são os destinatários do Reino de Deus.

Segundo o Teólogo Juan Luiz Segundo, após sério estudo dos textos bíblicos, principalmente dos Sinóticos ,

 

O REINO DE DEUS não é anunciado a todos. Não é proclamado a todos...O Reino está destinado a certos grupos. É deles, a eles pertence. Só para eles será causa de alegria. E, de acordo com Jesus, a linha divisória entre a alegria e a tristeza que o reino haverá de produzir passa entre pobres e ricos. (Sobriño, 1996, p. 190).

 

O Documento da Conferência Episcopal de Puebla, no México, em 1979, deu a entender a mesma ideia aqui proferida por Juan Luiz Segundo: Deus ama os pobres e os defende pelo mero fato de serem pobres, independente de sua condição pessoal e moral.

Na América Latina, a Teologia da Libertação levou absolutamente a sério essa determinação do destinatário do Reino de Deus e reafirmou que estes são os pobres. Essa parcialidade do Destinatário continua como essencial na Teologia.

Aqui nos apoiamos na Teologia de Jon Sobriño que diz quem são estes Pobres aos quais o Reino de Deus é destinado.

Segundo o Teólogo salvadorenho, pobres são antes de tudo os materialmente pobres, ou seja, os econômica e sociologicamente pobres, as grandes maiorias do Terceiro Mundo. Ainda segundo Sobriño, pobres são ainda, os EMPOBRECIDOS, os OPRIMIDOS. Os despossuídos do fruto do seu trabalho.

Pobres são também os que realizaram uma tomada de consciência sobre o fato mesmo da pobreza material. O que leva a um espírito com que há de se viver a pobreza. E aqui lembro que essa espiritualidade não é um substantivo da materialidade, mas um coroamento da mesma. Não é ter “espírito de pobre”, ou “espírito de rico”. É antes, viver sua materialidade com gratuidade, com esperança, com misericórdia, com fortaleza na perseguição.

Essa tomada de consciência pode ser individual, como coletiva. Pobres são, sem dúvida, os que transformam essa tomada de consciência em organização popular e em PRÁXIS.

Assim, sendo os pobres, os destinatários do Reino de Deus, e, sendo que este Reino de Deus ainda não chegou aos pobres, historicamente são os pobres o sujeito principal, os construtores do Reino de Deus. Eles constroem o Reino de Deus. A eles cabe o protagonismo Cristão de erguer o Reino de Deus.

Lembro que preferencial difere de excludente. Não há, nem em Cristo, nem tampouco na Teologia, uma exclusão do rico, materialmente falando. O que se reflete e se coloca com ênfase e fundamentados em Cristo é que os pobres exercem, só pelo fato de pobres serem, um protagonismo no Ministério de Cristo. E se assim o é em Cristo, deve ser também para a Igreja que se diz fundamentada e seguidora do Homem de Nazaré.

Segundo Jon Sobriño

 

O Reino é para os pobres porque eles são materialmente pobres, e o Reino de Deus é para os não-pobres na medida em que se abaixam para os pobres, são capazes de defendê-los e se deixam imbuir do espírito dos pobres. (Sobriño, 1996, p.192).

 

O que se evidencia é que os pobres se tornaram o referencial do Evangelho. A Igreja dos pobres é uma Igreja na qual os pobres são seu principal sujeito e seu princípio de estruturação interna. E a Fé dessa Igreja dos pobres se realiza, principalmente, sendo uma prática Libertadora e não alienante, como acontece, enquanto Instituição. É a Fé de um seguimento de Jesus, sendo semelhante a Jesus em sua opção pelos pobres, em suas denúncias histórico-sociais, em seu destino histórico. É por isso que é uma Igreja de Mártires, como refletimos no item 9. E de Mártires em massa, assassinados como Jesus e pelas mesmas causas que assassinaram Jesus.

O lugar Eclesial é o lugar dos pobres. É a partir deles que se conhece melhor Jesus Cristo. E pensar Jesus Cristo a partir dos pobres é trazer uma nova Imagem de Jesus. Um crucificado, um crítico social, um revolucionário, um preso político, como enfatiza tanto Frei Betto, em palestras e livros.

Segundo o teólogo Leonardo Boff, “A Cristologia da Libertação, elaborada a partir da América Latina privilegia o Jesus Histórico sobre o Cristo da Fé”.

Assim sendo, é imperioso que a Igreja que queira ser fiel a Jesus Cristo e fundamentada n’Ele, não se distancie do mundo dos pobres, com toda conflitividade que eles trazem em si. Sendo os pobres o lugar eclesial e, ao mesmo tempo, o referencial do Reino de Deus, os seus destinatários, os seus construtores, não podem ser relegados a um ostracismo que envergonha quem se diz seguidor de Cristo. E, enquanto Instituição, A Igreja Católica se distanciou dos pobres. Seus discursos não contemplam mais os pobres como sujeitos da Evangelização. Sua homilia não destina-se aos pobres. Tornou-se abstrata, sem concretude profética, sem denúncia.

“A quem chamamos hoje de raposa”? Se questionava com frequência o Padre Assis Rocha, quando na diocese de Afogados da Ingazeira, em Pernambuco.

Os Dogmas, as políticas, os interesses institucionais não podem estar acima desse sujeito histórico, que é o pobre. Principalmente na América Latina, esse continente tão subtraído em seus direitos de existir e de guiar seu próprio caminho.

Os preceitos morais, a ética sexual não pode, como parece ser, o principal tema de qualquer Igreja que queira ser digna de se chamar de Cristã.

Cristo não foi crucificado por ter condenado, ou pregado como Boa Nova, normas morais e éticas sexuais. Em seu livro, Jesus, O libertador, Jon Sobriño reflete sobre a morte de Jesus nos capítulos VII, VIII, IX e X. No Capítulo VII ele faz a pergunta: Por que matam Jesus? E no Capítulo VIII, outra pergunta: Por que Jesus morre? Em resumo, afirma o notório Teólogo salvadorenho, que matam Jesus porque questionou os pecados de uma sociedade, porque desafiou o Império romano, cujo imperador César era um deus. “Foi uma luta de dois deuses”, diz o teólogo. Matam Jesus porque denunciou a exploração, a escravidão de um povo. Matam Jesus porque fez uma opção pelos pobres de Israel, pelos oprimidos. A morte de Jesus foi uma morte de cunho político mesmo. Ele passou por um julgamento religioso e um julgamento político. Matam Jesus porque não compactuou com o pecado estrutural, com um sistema de opressão. E Jesus morre porque se mantem fiel ao projeto de Deus. Não se acovardou. Tinha uma consciência de sua própria morte. Teve uma vida só de conflitos com os “poderosos”.

E continua Jon Sobriño, dizendo nos capítulos IX e X que, Jesus, ao ser crucificado, foi o próprio Deus que se viu na cruz. Que o sofrimento de Cristo era o sofrimento de Deus. No Capítulo X, ele faz uma ligação do sofrimento de Jesus, que é, afinal, o sofrimento do próprio Deus, com o sofrimento do Povo Crucificado na América Latina. E, utilizando das categorias atribuídas a Cristo, afirma que o povo que sofre na América Latina é crucificado como o Servo Sofredor, que esse povo crucificado é um povo-mártir, que no povo crucificado está a presença do Cristo crucificado.

Jon Sobriño escreveu esse livro em 1996. Suas reflexões estão atuais? A realidade de pobreza da América Latina melhorou? O Capitalismo resolveu os problemas dos pobres? Não temos hoje, um quarto de século depois, um povo crucificado? Um povo empobrecido? Não se deve falar mais em pobres hoje em dia?

Se a realidade de opressão é a mesma, se os pobres proliferam nas avenidas, nas ruas, nos albergues, se os poderosos continuam explorando, estruturalmente, o povo, se os políticos continuam enganando os pobres e surrupiando o erário público, causando males incalculáveis, então por que o silêncio da Igreja? Por que a falta de compromissos com as mudanças sociais? Por que a ausência do discurso profético-libertador? Por que não denuncia mais? Por que se prende a uma vivência litúrgico-sacramental, como se ela fosse o todo do Ser Cristão? Por que há uma instrução dos bispos aos padres para que não se envolvam em Política? Por que os padres não denunciam? Por que a catequese infantiliza os fieis?

Pensemos com amor e com caridade: isso é Ser Cristão? Isso é seguir Jesus Cristo? Isso é ser fiel àqu’Ele preso político, chicoteado, humilhado, cuspido, torturado, por defender os pobres? Isso é implantar o Reino de Deus?

Nas palavras do Padre e teólogo belga, que por muitos anos viveu no Brasil, mais especificamente, em João Pessoa, José Comblin,

 

Uma estrutura de cristandade significa uma distância entre o clero e o povo. Essa foi a situação da América Latina durante séculos e teve como consequência um povo infantilizado. Hoje em dia, com a escolarização crescente, o povo já não aceita essa distância do clero; quer ser reconhecido realmente como povo de pessoas adultas (Comblin apud Vigil, 2007, p. 85).

 

Essa distância entre o clero e o povo, mais especificamente os pobres, é notória na Igreja Católica. Ela infantiliza o povo em sua catequese. Não aprofunda o debate, não aceita a visão diversa, seja ela da Filosofia, da Sociologia, da Ciência, da História. Afirma Dogmas e uma Ética sexual que faz as ciências rirem. Com isso, não queremos ridicularizar a Igreja, muito pelo contrário. É justamente porque a amamos e nos interessamos por ela que fazemos esse alerta e temos essa preocupação. Se a ela fôssemos indiferentes, não nos preocuparíamos em que ela tomasse um rumo mais Cristão e mais coerente com uma Igreja que se diz fundamentada em Jesus Cristo e sua seguidora.

A Igreja Católica, enquanto Instituição Oficial, se distanciou dos pobres. É como diz a fofoca Eclesiológica: “a Igreja fez uma opção dos pobres e os pobres optaram pelos evangélicos.”

Isso se dá pelo fato de os pobres não se reconhecerem na Igreja Católica, não se sentirem acolhidos, protagonistas dentro de um modelo de Igreja que não tem espaço mais para eles.

A Igreja se distanciou dos pobres e eles se distanciaram dela. O pobre perdeu, no discurso oficial, o seu lugar-eclesial. Assim, houve um distanciamento por parte da Igreja da verdadeira razão do Ser Cristão. Resumindo o Ser Cristão a uma vivência litúrgico-sacramental, a Igreja não mais aponta para o futuro, para aquela utopia transformadora da realidade social dos empobrecidos da sociedade.

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