José Comblin: um sacerdote “não feminista” a serviço da visibilidade das mulheres na Igreja Católica*

Elenilson Delmiro dos Santos1

Resumo: O presente texto apresenta um dos legados deixados pelo sacerdote católico José Comblin (1923-2011) na Paraíba a partir de uma de suas principais realizações: a Escola de Formação Missionária Feminina (1987), situada na cidade de Mogeiro/PB. Para tanto, estabelece como estratégia metodológica a História Oral, tendo como fonte básica as memórias e as narrativas de mulheres que, inicialmente, foram alunas de Comblin e, um pouco depois, se tornaram colaboradoras desse mesmo projeto. Por fim, conclui-se que apesar de Comblin não ter sido reconhecido como um teólogo engajado com as pautas dos movimentos das mulheres, tampouco com a teologia feminista, as reflexões que surgem dão conta que este sacerdote procurou se colocar nessa luta por meio de diferentes estratégias e campos de ação.

O presente texto faz parte das pesquisas que venho desenvolvendo para minha tese de doutoramento pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba. No referido estudo, tenho me dedicado a pesquisar a presença e a atuação do sacerdote católico José Comblin na Paraíba. Tendo nascido em Bruxelas, na Bélgica, em 1923, migrou para o Brasil em 1958, onde se instalou primeiro no Estado de São Paulo e um pouco depois veio para o Nordeste trabalhar na Arquidiocese de Olinda e Recife ao lado de Dom Helder Camara, em 1966. Por ser visto como um padre subversivo foi expulso do Brasil em 1972 pela Ditadura Militar. Apenas em 1980, com visto provisório, retornou ao Brasil onde, dessa vez, fixou sua presença e atuação na Arquidiocese da Paraíba.

Uma vez que passou a residir na Paraíba, na cidade de Serra Redonda e, sobretudo, quando passou a atuar pastoralmente ao lado do Bispo Dom José Maria Pires, enquanto este a frente da Arquidiocese (1965-1995), José Comblin encabeçou o desenvolvimento de importantes frentes de trabalhos a fim de propor novas perspectivas formativas e missionárias no âmbito desta Arquidiocese. Contando com o apoio de um grupo de colaboradores e colaboradoras, leigos/leigas; religiosos/religiosas, deu início a uma série de projetos que ajudou a redefinir a perspectiva da Igreja Católica na Paraíba dentro do cenário nacional. Entre esses, destacam-se: o Seminário Rural fundado na cidade de Pilões, em 1981; O Centro de Formação Missionário (Masculino) fundado na cidade de Serra Redonda, em 1985 e a

Casa de Retiro e Oração fundada na cidade de Bayeux, em 1995. Entre estes projetos, aqui o destaque é dado a Escola Missionária Feminina fundada na cidade de Mogeiro, em 1988.

Através dos depoimentos concedidos por algumas mulheres que ajudaram a construir parte dessa história, é possível dizer que esta Igreja local passou a ser reconhecida como um espaço onde o progressismo católico mais ganhou força e se materializou concretamente. Ao fazer uso da história do tempo presente, História oral, é possível confirmar não só a importância dos projetos de Comblin para o fortalecimento dessa Igreja progressista, mas a importância do papel de cada sujeito, particularmente das mulheres, na afirmação e permanência até hoje desses projetos.

Por tal percurso que marca a trajetória desse sacerdote e pelas questões que foram surgindo ao longo da pesquisa, é que o presente texto tem por objetivo apresentar alguns dos elementos pertinentes que torna possível reconhecer o sacerdote católico José Comblin como alguém que não só reconheceu, teoricamente, a necessária causa das mulheres, mas que procurou fazer, de modo prático, com que elas tivessem condições de lutar tanto por sua afirmação religiosa como, entre outros, por seus direitos sociais e políticos nos mais diferentes setores. Nessa direção, inclui-se como uma de suas maiores estratégias de ação a Fundação da Escola de Formação Missionária Feminina. Dessa Escola, teve origem um grupo de mulheres que ficaram conhecidas como as “Missionárias do Meio Popular”. Notadamente, o trabalho que passou a ser desenvolvido por essas missionárias, até hoje repercuti no meio pastoral não só dessa Arquidiocese, mas também nas Arquidioceses vizinhas.

Em vista disso, o texto se encontra dividido em dois momentos. No primeiro, procuro fazer um breve resgate da percepção histórica que Comblin teve da presença e atuação das mulheres nos poucos espaços que foram cedidos as mulheres na instituição patriarcal católica. Talvez seja melhor dizer nos espaços que foram conquistados com muito empenho por essas mulheres. No segundo momento, recorro ao tempo presente fazendo uso das memórias e das narrativas de algumas mulheres que tiveram suas vidas transformadas por conta da inserção destas nos projetos iniciados por Comblin em território paraibano, principalmente através da fundação do Centro de Formação Missionária Feminina.

As Mulheres na História da Igreja, segundo Comblin

A luta das mulheres por seu espaço e papel de visibilidade na Igreja Católica tem exigido, hoje, dessa instituição uma mudança no seu discurso que, entre outros, sempre pregou a manutenção da divisão social do trabalho e a restrição das mulheres ao mundo

doméstico. Até então, em pleno século XX e XXI, a Igreja, em sua totalidade, ainda não foi capaz de romper com essa antiga cultura teológica, com exceção de alguns dos seus representantes religiosos que, segundo Ivone Gebara (2012), conseguiram superar essa concepção e tem procurado dar um passo adiante, como parece ter sido o caso do sacerdote e teólogo católico José Comblin (1923-2011).

Ao longo de sua vida e obra, ao que sugere a Teóloga feminista Ivone Gebara (2012), o padre Comblin nunca assumiu a pauta do feminino como uma causa do seu interesse, tampouco a Teologia feminista. Mas, nem por isso, deixou de assumir a luta das mulheres nas mais diferentes esferas da vida, principalmente quando suas reivindicações assumiam causas concretas em favor da vida, sobretudo dos pobres. Os depoimentos e as narrativas ajudam a revelar que Comblin fez o que pode para colaborar para o desenvolvimento da causa de cada uma delas. Comblin foi, sem dúvidas, um teólogo que detinha um grande conhecimento da história da Igreja. Em um dos seus últimos livros, A profecia da Igreja, publicado em 2012, fez uma análise importante sobre a natureza profética da Igreja. Porém, um capítulo em especial chama a atenção por conta das personagens abordadas.

Ao tratar da profecia na idade média, Comblin dedica algumas páginas, poucas na verdade, para falar sobre um movimento feminino que, na segunda metade do século XII, surgiu com muita força e marcou o início da entrada das mulheres na Igreja, as beguinas.2 Todavia, antes desse movimento, Comblin lembra que já tinham existido grandes místicas na história da Igreja, mas permaneciam isoladas e com pouca inserção na vida eclesiástica. Existiram também as ordens femininas, o problema é que mantinha uma forte conexão com as ordens masculinas. Mas, como exemplo de mulher que exerceu um importante papel profético no âmbito da Igreja, faz menção ao nome de Hildegarda de Bingen3 (1098-1179). Hildegarda foi uma religiosa que passou toda sua vida num mosteiro, o que lhe conferiu uma sólida cultura e, por consequência, a possibilidade de manter contato com os mais importantes chefes da cristandade: papas, imperadores, bispos e abades. Mais do que isso, pode contribuir com significativas intervenções nos ensaios da reforma da Igreja, pregando missões e, principalmente, corrigindo o clero.

O movimento das beguinas se insere no âmbito das transformações econômicas, políticas e sociais que se operou na Europa Ocidental durante a idade média. Também na efervescência desse período, incluem-se algumas mudanças de natureza cultural e religiosa. Em face dessas novas possibilidades, que passam ainda pelo desenvolvimento social das cidades, começam a surgir novas espiritualidades a partir da expressão católica. Muito desses movimentos eram de caráter laical, entre os quais se encontram, justamente, o das beguinas.

De acordo com Comblin, esse movimento está na origem do próprio movimento místico que no século XIII vai penetrar nos mendicantes e até mesmo nas ordens monásticas. No seu entendimento, é um movimento que adquire importância na história porque mostra que diante de uma Igreja absolutamente institucional, poderosa e rica, que não se deixa abalar pelos gritos proféticos que se multiplicam, “surge paralelamente uma forma de cristianismo centrado no sujeito e na interioridade religiosa. Essa obra foi mérito das mulheres” (COMBLIN, 2008, p. 144). Não rejeitaram o sistema institucional da Igreja, mas conseguiram constituir um modelo próprio de vida cristã, livre, sobretudo, sem depender do sistema impositivo dos clérigos ou mesmo dos monges masculinos. “Como mulheres, estavam excluídas do poder, mas elas criaram para si um mundo religioso livre dentro do conjunto da cristandade” (COMBLIN, 2012, p. 145). Certamente, muito por conta disso, o movimento se tornou alvo de várias condenações pela instituição católica.

Ceci Baptista Mariani, numa linha de pensamento próxima a de Comblin, considera que o movimento beguinal está inserido num movimento maior, no caso, o de renovação da vida religiosa que a partir do século X espalhou-se por todos os países da Europa ocidental. Já no século XII, esse mesmo movimento passou a ser alvo da desconfiança eclesiástica. Afinal, associado a esse movimento, o fervor popular tocado por um clima de revolta começou a ganhar intensidade, profundidade e inquietude “diante de tudo o que consideram decadência do espírito primitivo da Igreja, inconformados, sobretudo, com o escândalo de um clero rico e poderoso” (MARIANI, 2012, p. 78). Ceci Baptista lembra que a primeira notícia que se tem de uma reprovação a esse movimento encontra-se em um pequeno tratado, Scandalis Ecclesiae, redigido por um frei franciscano, Gilbert de Tounay. O mesmo tinha sido destinado ao Concílio de Lyon, de 1274. As reprovações seguiram-se pelo Concílio seguinte, o Concílio de Viena (1311-1312). Foram muitas as motivações apontadas, mas a principal justificativa ficou por conta da obra Le Mirouer des Simples Ames4 (O espelho das Almas Simples), de Marguerite Porete (1250-1310).5

No movimento das beguinas, Marguerite Porete é, sem dúvidas, um dos nomes que até o presente tem inspirado a produção de inúmeros trabalhos acadêmicos que, de maneira geral, se debruçam sobre as mulheres intelectuais na Idade Média. Outros trabalhos também se direcionam para a espiritualidade dentro do espaço religioso. Mística e teóloga do século XIII, Marguerite Porete, através da Le Mirouer des Simples Ames, considerado por muitos como a grande obra prima literatura mística, sendo também o mais antigo da França, se tornou dentro do movimento das beguinas uma das principais referências, senão a principal, do chamado movimento místico do livre espírito, do qual as beguinas estavam associadas.

Fruto da efervescência espiritual do século XIII, esse movimento buscava, antes de tudo, o diálogo direto com o divino. “Seguidores do movimento do Livre Espírito buscavam uma ascese austera, perseguiam a união espiritual com Deus e, acreditavam, sobretudo, que esta união os libertaria do pecado e das restrições morais impostas pela igreja” (OLIVEIRA, 2018, p. 52). Vinculada a esse movimento, acredita-se que por intermédio de Marguerite Porete, a mística feminina começa a se constituir através da própria vida cotidiana, uma efervescência espiritual que se fazia fora do controle da igreja. A ortodoxia católica foi confrontada por uma espiritualidade assentada numa leitura da bíblia feita a partir da interpretação pessoal das mulheres. Com isso, a mística e a espiritualidade foram vivenciadas a partir dos valores da pobreza e da alteridade.

Apesar da contra-ofensiva do alto clero, para Ceci Mariani (2008), a obra de Marguerite Porete, Le Mirouer des Simples Ames, trás uma forte influência do neoplatonismo cristão, que tem por referência Santo Agostinho. Mesmo apresentando uma escritura sutil, que revela um romance de amor em tom alegórico e cortês, escrito em verso e prosa, ainda assim, sua obra apresenta uma consonância e continuidade refinada com a própria tradição teológica cristã. Com essa obra e, mais ainda, com sua ousadia e capacidade de integrar mística e dogma, Marguerite Porete “ousou comentar, discutir, atravessar e ultrapassar os limites que a instituição impõe à reflexão teológica, ousadia que acarretou como consequência para ela, a morte; e para o livro, vida para além do seu tempo, vida que talvez ainda possa iluminar a teologia em tempos atuais” (MARIANI, 2008, p. 14-15).

Em suma, guardadas as devidas proporções e circunstâncias históricas, o movimento das beguinas, bem como a particularidade da vida de Marguerite Porete, vistas a partir da análise de Comblin, nos instiga o interesse de buscar algumas pontes que permitam um possível encontro entre esse movimento, surgido na idade Média, e as experiências religiosas femininas contemporâneas, sejam essas individuais ou coletivas.

Mulheres “profetas e missionárias” formadas por Comblin

Entre os pesquisadores/as que estudam a vida e a obra de Comblin, é consenso que ele nunca colocou como pauta dos seus escritos temas relacionados ao feminino, tampouco se voltou para alguma análise na perspectiva desse movimento. Ainda assim, não desconsideram que, mesmo que indiretamente, Comblin contribuiu de alguma forma com as causas do movimento feminino.

Ao escrever um breve esboço sobre a Visibilidade e invisibilidade das mulheres na vida e obra de José Comblin, a teóloga feminista Ivone Gebara explica que Comblin assumiu de forma clara algumas das lutas das mulheres, em diferentes setores da vida. De acordo com essa autora, as posições públicas tomadas por Comblin em favor das mulheres deixam explícito “algumas linhas que se encontram com o feminismo e com a teologia feminista dos séculos XX e XXI” (GEBARA, 2012, p. 51). Desde a década de 1970, já existia por parte de Comblin o interesse que as mulheres estudassem teologia e desenvolvessem seus trabalhos missionários junto aos pobres. Gebara ainda explica que,

Comblin acreditava na importância da formação teológica das mulheres em vista da educação das comunidades cristãs. Através de suas ligações com a universidade católica de Lovaina e com outros centros internacionais de teologia, facilitava o acesso a bolsas de estudo nesses centros de pesquisa e estudo. Através do contato pessoal com ele, muitas de nós podíamos perceber o quanto ele apostava na constância e inteligência femininas para os estudos. Com isso apostava na responsabilidade maior que poderiam ter na sociedade e na Igreja (GEBARA, 2012, p. 52).

Sendo ela própria resultado desse interesse de Comblin pela formação das mulheres, Ivone Gebara, dá o seu testemunho pessoal ao dizer que,

foi graças a ele que pude estudar na universidade católica de Lovaina e de certa forma continuar seu trabalho no instituto de teologia do Recife. E, graças a ele, muitas teólogas e biblistas da América Latina optaram por uma formação universitária em teologia para estar a serviço das comunidades cristãs. Mas não foi apenas em vista da universidade que Comblin apostou nas mulheres. (GEBARA, 2012, p. 52).

A meu ver esta narrativa, escrita em caráter de experiência pessoal, ajuda a pensar na contribuição “desconhecida por alguns” de José Comblin para as mulheres latino americanas. Por consequência, essas mulheres se tornaram agentes missionárias da Igreja dos pobres. Na dinâmica dessa Igreja elas ocupam um importante espaço. Não um espaço qualquer, mas um lugar histórico onde as decisões são tomadas com participação de modo justo e com equidade. Mas não pararam por aí. Além desse campo religioso, muitas dessas mulheres passaram a se dedicar a outros movimentos revolucionários nas mais diferentes frentes sociais. Avançaram no campo das políticas públicas e dos movimentos feministas. É claro que na instituição católica e na sua teologia oficial, tudo isso não tem sido bem aceito, muito menos valorizado por uma parte do corpo eclesiástico. Até hoje, é fato que existe uma resistência sobre o papel e a função das mulheres na Igreja e na própria sociedade.

Na contramão dessa orientação, as memórias e as narrativas femininas até então vem revelando que Comblin, de muitas maneiras, sempre apostou no público feminino.6 Seja para a vida acadêmica ou para a vida missionária leiga, a inteligência, a capacidade de organização e articulação feminina, como Gebara já tinha lembrado anteriormente, sempre lhe motivou a tomar atitudes concretas no sentido de dar espaço e visibilidade para as mulheres. Comblin entendia que elas não poderiam ficar isentas de uma função maior. Por isso, a formação voltada para o público feminino, seja para a vida comunitária cristã, ou mesmo profissional, sempre teve um lugar privilegiado no pensamento de Comblin. Fátima Maciel (2018), em seu depoimento, chamou atenção para o sentimento paternal que ela nutria por Comblin. Sem hesitar, narrou que Comblin era como um pai para ela e que ele apostava nela de tal modo que queria que ela realizasse todo tipo de formação possível. Disse também que por ela ser uma mulher que gostava de se comprometer e fazer suas criticas, “de dizer as coisas”, isso foi motivo um grande motivos para despertar a atenção de Comblin.

O interesse de Comblin pela formação, a depender do momento e das circunstâncias, poderia ser em vista da formação universitária ou de uma formação para atuar frente às comunidades, a formação missionária. Contudo, as maiores revelações que pude encontrar se encontram na perspectiva da formação missionária. Nesse quesito, Comblin tinha uma maior atenção com as mulheres, sobretudo com as do campo. Gebara lembra que ele acreditava que as mulheres do campo, particularmente, precisavam de uma formação mais adequada para enfrentar as dificuldades impostas pelo êxodo rural e pelo abandono cultural as quais as populações do campo passaram a ser submetidas. Comblin queria ajudar a superar essa questão. Movido por esse interesse é que “ele apostava nas lideranças femininas leigas e na sua capacidade de serem multiplicadoras na formação de pessoas responsáveis que podiam ajudar-se mutuamente” (GEBARA, 2012, p. 52). Foi com esse intuito que,

na década de 1980, ele se tornou um dos organizadores e o mentor das “missionárias do campo” do Nordeste brasileiro, conhecidas também por “missionárias do meio popular”. Organizou com elas um centro em Mogeiro, no estado da Paraíba, tornado depois escola de formação. Encontros e retiros periódicos foram organizados com o intuito de entregar uma formação humanista e cristã para mulheres. Muitas líderes do campo devem parte de sua formação à organização das missionárias do campo. Tornaram-se figuras ímpares nas paróquias e nas lideranças políticas locais sem deixar de provocar conflitos por seu compromisso, autonomia e responsabilidade social. Continuam até os dias de hoje como uma presença plural e eficaz em muitos povoados e pequenas cidades do Nordeste brasileiro (GEBARA, 2012, p. 52-35).

Quando se trata de resgatar esse projeto missionário, as diferentes narrativas muitas vezes contam a mesma história, porém contam de um jeito diferente. Cada uma delas guarda um ponto de vista pouco explorado, que é só seu. Outra voz que se coloca com grande autoridade e conhecimento de causa é a de Maria da Soledade. Ao dar inicio ao seu depoimento, o caminho que optou para construir sua narrativa foi por em evidência a sua relação com os movimentos que lutam pela terra. No seu caso, com a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Soledade fez questão evidenciar que o incentivo dado por Comblin para o seu envolvimento na luta pela terra foi de grande importância, pois ajudou a despertar nela, e em outras pessoas, o incentivo necessário a entrar na luta pela terra. “Padre Zé foi uma pessoa que ele sempre acompanhou a gente. Debaixo da lona quente, quando dava fé, ele chegava” (SOLEDADE, 2018). Conhecer Comblin e participar da formação em Mogeiro, conforme descreveu Soledade, “foi o ponto de partida para tudo isso” (SOLEDADE, 2018).

De fato, José Comblin esteve na origem da criação das Missionárias do Campo do Meio Popular, na década de 80. Mas não foi só ele. De fundamental importância para a formação desse projeto, foi à contribuição dada por outras mulheres que foram lembradas sucessivamente nos depoimentos. Dessas mulheres, três nomes se destacaram: Mônica Maria Muggler, irmã Mônica Lopes e irmã Socorro. Mônica Muggler, sua contribuição é amplamente reconhecida. Mais do que colaboradora desse projeto, ela mesma foi, e ainda é, uma missionária leiga, que atuou em parceria com José Comblin em vários de seus projetos de vida. Já a respeito da irmã Mônica Lopes, sobre essa, o que muito se lamenta é que por conta da sua vida consagrada, religiosa, ela teve que se ausentar dos trabalhos com a escola de formação em atendimento a solicitação feita por sua congregação, que a transferiu para a cidade de Volta Redonda/RJ. Depois disso, foi eleita provincial da sua congregação e passou a residir em Belo Horizonte/MG.

Considerações finais

O objeto específico desse breve texto, que no caso é refletir sobre visibilidade que o projeto formativo e missionário iniciado por Comblin procurou dar para as mulheres no âmbito da Igreja Católica na Paraíba, bem como a temática que o circunda, que tem haver com a inserção dessas mesmas mulheres em outras esferas da sociedade, além da religiosa, até aqui, tem ganhado grandes possibilidades investigativas tendo em vista que a pesquisa ainda se encontra em curso. No campo da história, através da noção da história do tempo presente e, sobretudo, da história oral, considero que seja preciso dar atenção aos desdobramentos que

surgem desse caso aqui sucintamente refletido, pois eles se somam a outros eventos específicos que vão além das fronteiras locais.

Em busca desses desdobramentos recentes, é possível reconhecer que existem diversos caminhos para revisitá-lo. Sendo assim, apesar da vertente da história que trata do tempo presente ainda ser vista, por alguns, com desconfiança, prefiro me ater às possibilidades que sua abertura metodológica pode oferecer. Trabalhar com depoimentos orais, sendo que estes estão imbricados com a história vivida, história de pessoas que visualizaram e foram elas mesmas participantes da construção dessa história, é instituir uma fonte de pesquisa em que o tempo histórico esta em constante colocando em conflito o passado e o presente. Por isso, um choque para o historiador.

Referências
COMBLIN, José. A profecia na Igreja. São Paulo: Paulus, 2008.

GEBARA, Ivone. Visibilidade e invisibilidade das mulheres na vida e obra de José Comblin: um breve esboço. In: HOONAERT, Eduardo. (Org.). Novos desafios para o cristianismo: a contribuição de José Comblin. São Paulo: Paulus, 2012. p. 49-67.

GEBARA, Ivone. As mulheres e o processo de libertação na América Latina: uma homenagem ao amigo José Comblin. In: A esperança dos pobres vive: coletânea em homenagem aos 80 anos de José Comblin. São Paulo: Paulus, 2003. p. 441-457.

MARIANI, Ceci Maria Costa Baptista. Marguerite Porete, teóloga do século XIII: experiência mística e teologia dogmática em O Espelho das Almas Simples de Marguerite Porete. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/2091/1/Ceci%20Maria%20Costa%20Baptista%20 Mariani.pdf. Acesso em: 20 nov. 2019.

OLIVEIRA, Leandro da Motta. Marguerite Porete: a importância da participação das mulheres nos movimentos espirituais e políticos da Idade Média. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/33093/1/2018_LeandrodaMottaOliveira.pdf. Acesso em: 20 nov. 2019.

Depoimentos Orais:
MACIEL, Fátima. Depoimento concedido no dia 03 de abril de 2018, em Santa Rita/PB.

SOLEDADE, Maria da. Depoimento concedido no dia 20 de fevereiro de 2018, em Alagoa Grande/PB.

* De fundamental importância para a produção deste texto, tem sido o suporte financeiro oferecido pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ).
1 Graduado em História (UVA/CE) e Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB). E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

2 A partir do século XII, o movimento das beguinas, ou beguinal, se desenvolveu na Renania e nos países baixos como uma alternativa mística e espiritual para a vida religiosa. Foi um movimento formado por mulheres, principalmente, e por homens que viviam em pequenas comunidades, casas agrupadas, no contexto das cidades. Em razão disso, pode-se dizer que foi um movimento que vivia na marginalidade, pois não obedeciam a uma regra específica estabelecida pela Igreja. Ao se conservarem como leigas e leigos, assumiam como compromisso fundamental a pobreza. As mulheres, chamadas de beguinas, viviam da tecelagem, costura, entre outros trabalhos dessa mesma ordem.

3 Nascida na cidade de

4 Essa é a tradução francesa para o título da obra de Marguerite Porete. Na edição romana encontramos Le Miroir des Simples el aneanties de Marguerite Porete.
5 As referencias pesquisadas indicam que Marguerite Porete nasceu, em 1250, na região do Reno, no condado de Hainaut, que pertence a cidade de valenciennes, noroeste da França, que encontra-se, atualmente, nos limites da França e da Bélgica. Foi condenada por heresia e morta na fogueira em 01 de junho de 1310.
6 Os depoimentos que serão apresentados daqui por diante, estão respaldados pela aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba. Cada depoente consentiu a publicação dos dados da entrevista através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TECLE). Tendo por título As sandálias do profeta: a representação de sentido de José Comblin entre agentes leigos(as) e sua contribuição para a formação de uma Igreja dos pobres na Paraíba, este projeto tem o seu parecer registrado com o seguinte número: 3.033.781

e-ISSN: 978-65-5621-148-0, v. 19, n. 1, 2020. XIX Encontro Estadual de História – ANPUH-PB