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PROFECIA É ESSENCIAL, NÃO ACIDENTAL!

Genildo Firmino Santana

O que a igreja não pode prescindir é de sua dimensão profética. Pelo batismo todos somos profetas, sacerdotes e reis. Todos participamos da profecia de Cristo, do seu Sacerdócio e da sua Realeza. A igreja profética é a que mais se identifica com Jesus de Nazaré.

Importa sabermos o que significa, na prática, ser profeta. Em rápidas pinceladas, traçaremos um perfil do que seja a profecia e mesmo o profeta.

Profeta está bem distante de adivinhação ou de previsão. Também não é premonição. Prever o futuro nada tem a ver com profecia e, principalmente, com a profecia bíblica vétero ou neo-testamentária.

O profeta é o que recebe o chamado de Deus. O que implica dizer que ninguém é profeta por conta própria. É Deus quem chama o Profeta. Essa é uma das características do Ser Profeta.

A missão do profeta se baseia em dois movimentos inseparáveis: anunciar e denunciar. Anunciar as maravilhas de Deus, Sua vontade, Seu projeto e denunciar as forças do anti-reino e seus asseclas. Se não há anúncio, não há profecia. Igualmente, se não há denúncia das forças do anti-Reino, não há profecia.

Assim como é o Profeta, em particular, deve ser a Igreja como um todo. Isso se ela quiser ser uma Igreja fiel a Jesus Cristo.

Uma característica é que o profeta é um homem da PALAVRA. A palavra profética é histórica, teológica, última, soberana, parcial, nova, escatológica. É uma palavra que se realiza na concretude Histórica, é Soberana porque é a palavra de Deus, é Parcial porque o nosso Deus é um Deus Parcial, dos pobres, não excludentemente, mas em primeiro lugar, é Nova porque trás o novo de Deus, é Última pelo fato de ser a última palavra de Deus e é Escatológica porque sobrevive à morte do Profeta. Em geral, os profetas morrem por força do que se chama de anti-Reino. É o anti-Reino quem mata os profetas. E não poucos foram mortos pelas forças do anti-Reino. Mas a palavra profética sobrevive à morte do profeta e não raro, fala mais alto ainda. Disse Dom Pedro Casaldáliga, quando da morte do profeta dos oprimidos da América Latina, Dom Oscar Romero, em 24 de Março de 1980: “São Romero da América, ninguém fará calar tua última Homilia”.

Outra característica da profecia é o gesto. Todos os profetas – bíblicos e não bíblicos – foram homens que realizaram gestos que escandalizaram os bons costumes ou a tradição. Gestos que impressionaram. O gesto trás, em si, alguma coisa de radical e de novo. O profeta é levado a tomar atitudes que – aos olhos dos bons costumes e da fé – se constituem em escândalos. Pode-se dizer, ainda, que onde não há escândalo, ali não há profecia e, por conseguinte, não há Cristianismo. Nas palavras de Simeão, o próprio Jesus seria “sinal de contradição”.

Uma característica do gesto profético é que ele chega até à Desobediência de ordens superiores, quando essas ordens não condizem com a vontade de Jesus de Nazaré. Ele supõe uma desobediência eclesiástica e civil. Diz-nos o Padre José Comblin que “os Mártires ensinaram à Igreja o dever da desobediência”. E disse mais, José Comblin: “Os mártires da América Latina também libertaram a Igreja do medo e da covardia”.

Vejamos alguns exemplos de gestos proféticos. Santo Ambrósio chegou a vender os cálices de ouro da Igreja – cálices doados por famílias importantes – para comprar comida para os refugiados. Em resposta às críticas, Santo Ambrósio respondeu que “os cálices vivos de Deus valem mais”. O próprio Jesus – profeta, sem dúvida (Lc, 24,19) – atacou o templo e os vendilhões. Comeu com samaritanos, o que era impensável para um Judeu. Dom Oscar Romero, após iniciar seu ministério profético, fez dois gestos que escandalizaram os “bons Cristãos”:

1) - Pela primeira vez não assistiu, nem celebrou Missa pela posse do presidente de El salvador .

2) – Não cedeu a Catedral para que o Núncio Apostólico e os governantes celebrassem o dia do Papa.

Dom Oscar Romero nada tinha contra o Papa. O fato é que os governantes de El Salvador estavam matando até seus padres.

Na Nicarágua Sandinista dos anos 80, em luta contra a ditadura de Somoza, a Igreja proibiu os Sacerdotes de apoiarem a Revolução Sandinista. Todos desobedeceram num gesto único na América Latina. A Revolução Sandinista tomou o poder dos Somoza na Nicarágua. E a participação dos padres foi de fundamental importância para a vitória do Sandinismo.

Por tudo isso, é-nos impossível acreditar numa Igreja que não é profética. Nem numa profecia que careça de gesto. O gesto é, talvez, o mais importante momento da vida profética, pois é ele quem faz do profeta um homem verdadeiro.

Sim! Porque há muitos falsos profetas. Eles existiram em tempos bíblicos e existem hoje. Eles não dizem o que Deus quer que seja dito. Dizem o que os outros querem ouvir. É isso não é profecia, logo, não é Cristianismo.

Uma Igreja que não é profética, que não anuncia as maravilhas de Deus e, ao mesmo tempo, não denuncia as forças do anti-Reino não é uma Igreja que se diga fiel a Jesus Cristo. Ela se torna infiel ao projeto do Pai que outro não é que instalar o Reino de Deus entre nós. Sem Anúncio não há o soerguimento do Reino de Deus. Sem denúncia não se destrói as estruturas do anti-Reino. E se um não é destruído, o outro não é erguido, porque são realidades duelísticas e excludentes.

Essa igreja não-profética empurra goela abaixo normas, códigos, preceitos morais, doutrinas. Tudo é, numa linguagem filosófica, acidental. O essencial fica à margem. Essa igreja centra-se em si mesma. Ela absolutiza-se a si mesma, se podemos nos expressar assim. E, com ela, arrasta um rebanho de fieis que findam por não conhecer o tesouro que é o cristianismo, a beleza que é a mensagem de Cristo.

Essa mensagem que não foi dita diretamente pra Padres, Bispos, Papas, Freiras. Não! Suas palavras e seus ensinamentos foram dirigidos ao povo mesmo. O povo simples que o acompanhava em suas peregrinações.

Segundo o Frei Carlos Mesters,

 

Olhando a realidade à luz da palavra de Deus, o povo percebe o que está errado, toma consciência do seu dever como Servo e começa a transformar a realidade de acordo com o <<Projeto de DEUS>>. (MESTERS, 1991).

 

Uma igreja profética é uma igreja fiel A Cristo, já o dissemos. A profecia é o compromisso, enquanto instituição, com os pobres, com os destinatários do Reino de Deus.

Recuperar a dimensão profética é um dos desafios da igreja na atualidade, sob o risco de, para continuar utilizando duas expressões filosóficas, se perder entre os acidentes e esquecer o essencial.

 

 

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