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DEUS ESTÁ MORTO: O PROCESSO DE FALÊNCIA DA IGREJA

 

Pe. Gedeon

 

No antigo testamento Deus não é uma ideia ou abstração, mas está inserido no cotidiano da vida. por esse motivo, Carlos Mesters, grande teólogo bíblico, vai dizer: “a leitura orante da Palavra de Deus provoca no povo um contato direto com a Bíblia, sem intermediários, num ambiente comunitário de fé, dentro da realidade do dia-a-dia da vida. Deste modo, vai nascendo um confronto entre Bíblia e Vida. A Bíblia se torna um espelho, no qual as pessoas descobrem dimensões mais profundas da sua própria vida que antes não tinham percebido”1

Nos dias atuais a percepção de que Deus está no meio de nós, vem sendo substituída, pelo pecado, pelo medo e pela culpa. A religião que prega a culpa, consegue aprisionar as pessoas e mantê-las reféns do medo. É possível entre o nascer e o morrer, alguém escapar do sofrimento, da dor e dos erros? Spinoza nos diz que a felicidade é construída a partir de experiencias frágeis da vida, de modo que tais experiencias apontam para uma renovação no modo de pensar e agir.

 

considera-se uma felicidade podermos percorrer, com uma mente sã num corpo são, toda a trajetória da vida. E, de fato, aquele que, tal como um bebê ou uma criança, tem um corpo capaz de pouquíssimas coisas e é extremamente dependente das causas exteriores, tem uma mente que, considerada em si mesma, quase não possui consciência de si, de Deus e das coisas. Assim, esforçamo-nos, nesta vida, sobretudo, para que o corpo de nossa infância se transforme, tanto quanto o permite a sua natureza e tanto quanto lhe seja conveniente, em um outro corpo, que seja capaz de muitas coisas e que esteja referido a uma mente que tenha extrema consciência de si mesma, de Deus e das coisas. (SPINOZA, 2016, p.405-407, E5p39s,)2.

 

Para Spinoza, a criança desenvolve sua consciência no encontro com as pessoas. A educação dos pais como da escola, vai formatando sua consciência. Sim e não, castigo e punição, constituem as experiências primeiras no desenvolvimento da criança, junto a experiencia de carinho e aceitação da família e amigos. Grosso modo, na fase adulta, a vida fica assombrada pelo medo da morte, do fracasso no casamento, do medo da solidão e da depressão. A violência contra a mulher, surge quando um homem diz: te amo. O amor, neste contexto, está alimentado pelo medo desde a tenra idade. Neste caminho, a esperança mais próxima é o suicídio.

A solução que a igreja busca para esse senário, está no aumento de padres carismáticos para produzir missas segundo este perfil. Perfil com características idênticas ao pentecostalismo, próprio de seitas como a universal do reino de deus e assembleia de deus. Para boa parte de bispos da igreja católica, o problema que assola a atual sociedade tem sua origem na ordem moral, de modo que temas como o aborto, laqueadura, doenças etc. são abordados de modo moralista objetivando causar dor de consciência entre aqueles que praticam tais imoralidades ou desenvolvem moléstias. Ao abordar questões existências de forma moralista, muitos bispos e padres endossam a questão da morte de deus. Isso porque confundem a fé com moral, ou melhor, substituem deus pela moral. Para estes, deus é fonte de julgamento e condenação.

Para o Profeta Isaias o justo vive da fé, ou como coloca Hb 10,38: O justo viverá por sua fidelidade. Para o cristão, a fonte de suas ações deve ser Deus e não a moral. Isso quer dizer que as ações humanas não se limitam a julgamentos e condenações, mas a crescer na fé. Perdoar não é uma ação moral, mas de fé. Não se perdoa porque a pessoa é boa ou ruim, pois o mal que se causa a alguém é, moralmente injusto. A ação do perdão, significa dizer que Deus, que é fonte da fé, é maior do que o mal causado.

A condição do viver humano é frágil, mas Deus está de tal modo inserido na fragilidade humana, que torna o crente alguém com capacidade de renovar sua existência desde as condições frágeis da vida. Os erros que produzimos tem o caráter de renovação da vida, em vista da fé que proclamamos. Por esse motivo, São Thomas de Aquino, parafraseando Romanos 6, pode dizer: onde abundou o pecado, superabundou a graça. Os erros abordados desde a fé nos fazem crescer na graça. Desse modo, Deus não é uma narrativa, um discurso ou uma questão de semântica. Deus, nós descobrimos através da experiencia da dor, do sofrimento, enfim, através de nossos erros. Mas fazer uma catequese dessa natureza, significa tornar o crente, em certa medida, autônomo e senhor da sua história de vida, pois Deus está presente no momento do seu sofrimento. Como reza o salmo 91: quando invocar eu atenderei, na aflição com ele estarei. Deus sempre está presente, mas privilegia o momento da aflição. Isso acontece porque na experiencia da aflição, a pessoa se sente sozinha. A mãe, quando perde um filho, ela se encontra solitária, mesmo com um milhão de pessoas ao seu redor. A dor de perder um filho, é uma experiencia solitária e aflita. É nessa solidão, onde nenhum ser humano tem uma palavra para proferir, que Deus entra e diz: “eis que estarei contigo todos os dias até o fim dos tempos” Mt 28, 20. Essa é a nossa fé. estou contigo, levante e ande. Mas a igreja quer cristãos dependentes dos padres e com uma consciência infantilizada. O que torna a igreja uma instituição falida, pois está resumida a um grupo que não enfrenta a vida e suas fragilidades. Isto é, um grupo de frustrados.

Carlos Mesters, nos ajuda com profundidade o modo como rezar e como se relacionar com Deus. “Todas as hermenêuticas que ajudam o povo a descobrir a presença da Palavra de Deus na vida são importantes: a hermenêutica feminina, a negra, a indígena, a leitura que os pobres fazem da Bíblia, enfim, tudo que faz a gente olhar os textos com um olhar a partir da realidade das pessoas. Resumindo, acho importante seguir os três passos do método ou da hermenêutica que Jesus usou com os discípulos na estrada de Emaús. O primeiro passo: aproximar-se das pessoas, escutar sua realidade e seus problemas; ser capaz de fazer perguntas que as ajudem a olhar a realidade da vida com um olhar mais crítico (Lc 24,13-24). O segundo passo: com a luz da Palavra de Deus iluminar a situação que os fazia sofrer e os levou a fugir de Jerusalém para Emaús; usar a Bíblia para fazer arder o coração (Lc 24,25-27). O terceiro passo: criar um ambiente orante de fé e de fraternidade, onde possa atuar o Espírito que abre os olhos, faz descobrir a presença de Jesus e transforma a cruz, sinal de morte, em sinal de vida e de esperança. Assim, aquilo que antes gerava desânimo e cegueira, torna-se luz e força na caminhada (Lc 24,28-32). O resultado do uso da Bíblia é o de criar coragem e voltar para Jerusalém, onde continuam ativas as forças de morte que mataram Jesus, e experimentar a presença viva de Jesus e do seu Espírito na experiência de Ressurreição (Lc 24,33-35). O objetivo último da Leitura Orante da Bíblia ou da Lectio Divina não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida. Não é conhecer o conteúdo do Livro Sagrado, mas, ajudado pela Palavra escrita, descobrir, assumir e celebrar a Palavra viva que Deus fala hoje na nossa vida, na vida do povo, na realidade do mundo em que vivemos (Sl 95,7); é crescer na fé e experimentar, cada vez mais, que “Ele está no meio de nós3!” 

 

 

 

2 SPINOZA, Benedictus de. Ética. trad. Tomaz Tadeu. Edição bilíngüe. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016

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