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Aporte feminista contra o Patriarcalismo eclesiástico: Apontamentos a partir da conferência de Isabel Corpas de Posada

Alder Júlio Ferreira Calado

 

Dando prosseguimento aos aportes, cada vez mais frequentes, da parte de Teólogas feministas latino-americanas, o IHU (Instituto Humanitas, da UNISINOS), houve por bem convidar teólogas latino-americanas, entre as quais Isabel Corpas de Posada e Ivone Gebara, para refletirem sobre o tema  “O (Não) lugar das mulheres: o desafio de desmasculinizar a Igreja”. Aqui nos limitamos a fazer algumas considerações a cerca da Conferência de Isabel Corpas de Posada.

 

Isabel Posada centrou sua reflexão em um olhar avaliativo e prospectivo sobre o lugar (ou o não-lugar) que as mulheres, ontem e hoje, ocupam na organização eclesiástica. E o fez, propondo-se a refletir a partir de três questionamentos fundamentais: 

-  Ao longo da história do Cristianismo, qual o lugar das mulheres na organização eclesial?

- Por que, após um primeiro período de ativa participação das mulheres, registrados nos textos neotestamentários, as mulheres foram excluídas de participação ativa, nos espaços relevantes da vida eclesial?

- Há esperança de que as mulheres venham a tomar parte ativa nos espaços da Igreja?

 

Considerações preliminares da Teóloga

 

Isabel Posada inicia sua fala, tecendo considerações críticas acerca de afirmações recentes e menos recentes, constantes de documentos tanto do Concílio Vaticano II, quanto de autoria do Papa Francisco. A Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” é conhecida como um documento renovador, legado pelo Concílio, à medida que se põe em “Aggiornamento”. Nele se encontram, com efeito, contundentes afirmações em defesa da dignidade e dos direitos humanos, inclusive da dignidade e dos direitos das mulheres, como ocorre, por exemplo, no n.29, ao condenar “Qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos direitos fundamentais da pessoa, por razão do sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião”. Ora, como não constatar uma contradição em tal afirmação, quando, à época e ainda hoje, sessenta anos depois, às mulheres continuam sendo negado o direito a um lugar de igualdade de direitos em relação aos homens, na organização da Igreja?

 

O Papa Francisco tem sido reconhecido como uma liderança de novo tipo, o que não nos impede de questionar algumas de suas afirmações, quanto ao lugar das mulheres na Igreja. Inclusive, em seus escritos mais recentes a exemplo da Encíclica “Fratelli tutti”, na qual o Papa Francisco se mostra bem atento a uma vasta diversidade de contradições, na aplicação dos Direitos Humanos, sem que perceba as desigualdades de que continuam vítimas as mulheres, quanto à sua participação decisiva na organização eclesial. A este propósito, observe-se o que ele afirma, por exemplo, no número 23 da “fratelli tutti”: “(...) de modo análogo, a organização das sociedades em todo o mundo ainda está longe de refletir com clareza que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens. As palavras dizem uma coisa, mas as decisões e a realidade gritam outra.” Será que isto também não se dá, ao interno da Igreja, quando analisamos a exclusão das mulheres, dos órgãos de decisão eclesiásticos?

 

O Lugar das mulheres nas primeiras Comunidades cristãs

 

A teóloga Isabel de Posada parte, então, a propor-nos uma significativa incursão pelos textos neotestamentários, de modo a examinar a participação ativa que as mulheres exerciam, na organização das primeiras comunidades cristãs. Ainda que de forma sucinta, os relatos evangélicos nos permitem perceber a presença de diversas mulheres que acompanhavam a missão itinerante de Jesus pelas aldeias da Galileia, a anunciar a Boa Nova do Reino de Deus e a curar os enfermos que encontrava pelo caminho, tratava-se de mulheres que desempenhavam um papel ativo de apoio e de assistência a Jesus e aos discípulos, no cumprimento dessas tarefas. 

 

Tal participação feminina também se encontra assinalada em diversas cartas paulinas e deutero-paulinas. Também aqui, a conferencista nos traz à tona uma série de episódios protagonizados por mulheres. Com especial ênfase, ela nos remete a presença e a participação ativa das mulheres nos relatos concernentes ao Livro dos Atos dos Apóstolos. As primeiras comunidades eram animadas por mulheres; as casas constituíam o lugar especial de encontro, de celebração, de partilha do pão e das alegrias, sem que tais encontros requerecem necessariamente a  presidência de homens - fossem eles “Bispos”, “Presbíteros” ou “Diáconos” - , cabendo a própria comunidade abençoar aquela partilha e aquele encontro.

 

No que se refere aos Bispos, presbíteros e diáconos, não se tratava de funções propriamente hierárquicas, mas de serviço fraterno, destituído de caráter de dominação. Mais ainda: Em algumas passagens dos textos neotestamentários, encontramos referências também a mulheres tratadas como “diáconos”, o que só reforça o entendimento de que, mesmo em uma sociedade sabidamente marcada por relações patriarcais, não havia a exclusão das mulheres na coordenação das atividades comunitárias.                      

 

Foi, sobretudo, a partir da Era Constantiniana (século IV) que a exclusão das mulheres dos espaços decisivos da Igreja passa a ser a política dominante de organização eclesiástica, a medida que apenas os homens (Papas, Bispos, presbíteros e diáconos) passam a monopolizar as decisões, as funções, a liturgia, a administração dos sacramentos… período longo que vai durar séculos, até os dias atuais. Nem os avanços conseguidos pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) foram suficientes para mexer na estrutura de poder e de organização da vida eclesiástica.

 

Se é verdade que, com o advento do Papa Francisco, se abre uma era de avanços, em diversas direções - inclusive no plano socioambiental inaugurado pela “Laudato sí” -, também é certo que, além de palavras generosas, pouco ou nada mudou, quanto a exclusão das mulheres dos espaços decisórios da Igreja Católica (e de outras Igrejas, também). 

 

Como explicar a não participação das mulheres nos espaços decisórios da(s) Igreja(s)?

 

A partir deste segundo questionamento, a teóloga Isabel de Posada passa a destacar diversos aspectos que o exercício de uma hermenêutica feminista nos permite observar. Os espaços eclesiásticos situam-se em determinado tempo e lugar. São, portanto, históricos: refletem, bem ou mal, o que se passa na sociedade. As relações patriarcais seguem amplamente dominantes. As mulheres não são excluídas apenas dos espaços eclesiásticos. Tantos outros espaços sociais refletem a vigência e o alcance das relações patriarcais. Ao longo de milênios, em todas as sociedades de classes, as relações patriarcais têm sido invariavelmente hegemônicas, sobretudo no modo de produção capitalista. No caso do Brasil por exemplo, basta que confiramos dados estatísticos oficiais quanto à desemprego, sub-emprego, níveis salariais, jornadas de trabalho, responsabilidades domésticas, representação política, cargos empresariais, etc, as mulheres seguem ocupando as posições mais rebaixadas, isto quer dizer, portanto, que sem mudanças macrossociais, esperamos em vão alterações significativas, ao interno das igrejas cristãs.

 

Outro aspecto desenvolvido, de modo pertinente pela autora, diz respeito a quem são os sujeitos das mudanças desejáveis. Em vão esperamos que, seja no plano societal, seja na esfera eclesiástica, tais mudanças se deem de cima para baixo. Em ambos os casos, ou as mulheres assumem tal protagonismo, ou as estruturas macrossociais e eclesiásticas seguirão intocáveis ou com meras alterações cosméticas. 

 

Em rápidas pinceladas, eis o que conseguimos reter e destacar desta conferência, que recomendamos conferir por meio do link https://www.youtube.com/watch?v=upUU8ZWPiS8importa lembrar que, além de Isabel Corpas de Posada, outras teólogas, inclusive Ivone Gebara, participaram deste instigante ciclo de debate, promovida pelo IHU.

 

João Pessoa, 3 de junho de 2024

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