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POLIANTROPOTEISMO

 

Genildo Santana

Poliantropoteismo. Ou poliantropoteismo?

É mais uma indagação do que propriamente uma afirmação. Uma junção de três termos gregos, Polí =vários; Antropo = homem, no sentido de humanidade e Theos = Deus. A indagação mais nos provoca uma reflexão sobre o fenômeno religioso atual no Brasil e no mundo.

A antropologia nos definiu como cybernantropus, (homem cibernético), conforme livro famoso de Reinholdo Aloysio Ullmann, Antropologia: O Homem e a Cultura, publicado em 1993. Dizia o pensador que o humano contemporâneo não é mais só humano, puramente. Ele pode ser definido como um ser misto com a tecnologia. Nada mais comprovável, nos dias atuais. Só pra se ter uma ideia, o celular virou como que uma parte do nosso corpo e, nessa parte do corpo, está nossa vida quase completamente.

Mais recentemente Dan Brown, aquele mesmo que incomodou o mundo religioso, mais precisamente o mundo católico, quando lançou em 2003, o livro Código da Vinci, publicou o livro Origem, lançado em 3 de outubro de 2017 pela Doubleday e em 30 de outubro de 2017, no Brasil, pela Editora Arqueiro. Em suas ficções Dan Brown lança o roteiro de que é uma máquina quem controla tudo, todos os passos dos personagens, toda a trama e que não há humano original, puro humano, haja vista a mistura do homem com a tecnologia. A cena final do simbologista Robert Langdon quebrando a pedradas um celular e jogando-o numa lata de lixo é de arrepiar. Assim termina:

“- Enquanto fazia isso, precisou admitir que se sentia um pouco mais leve. E, de forma estranha...um pouco mais humano.”

Feita essa digressão, tratando de que não somos mais puros humanos, humanos só, diremos do poliantropoteismo como o título o pede.

Certo é, e sabemos todos nós, que a religião passou por estágios na história humana. Uma vez foi dita na pré-história de animista, depois chamada de Totemista, passou a ser politeísta no mundo antigo e o mesmo mundo antigo fez conhecer uma religião que diferenciou das demais em voga, dizendo-se Monoteísta, com um Deus se dizendo único. Foi o Cristianismo. Revolução das revoluções religiosas. Abre parêntese - vale lembrar a anedota do filósofo francês Jacques Derridá, que parafraseando Nietszche quando este afirmou: “-Os deuses estão mortos”, brincou: “- Os deuses morreram. Mas morreram de rir de um Deus que se disse único.” – fecha parêntese.

Não advogo um politeísmo cristão. Ao Mistério da Trindade deixemos Santo Agostinho. Porém, considero genial a pergunta de Renato Russo em sua canção Indios: “- Quem me dera ao menos uma vez/ entender como um só Deus ao mesmo tempo é três.” É o desejo intelectivo de todo cristão (perdoem-me os que entendem dessa matéria mais do que eu).

O que não se pode negar é que uma série de interpretações teológicas que, ao final e ao cabo, nos ofertam visões diversas do mesmo Deus. O Deus apresentado por Jon Sobriño – salvadorenho expoente da Teologia da Libertação latino-americana – no seu belo livro Jesus, o Libertador: a História de Jesus de Nazaré, publicado em 1996 tem caracteres, disposições, posturas, compromissos diversos do Deus apresentado por Carismáticos, Opus Dei, Sede-Vacantistas, Focolares, que por sua vez também apresentam um Deus diverso. A tradição católica pôs nos altares uma imagem de Cristo que em muito diverge do povo hebreu. Abre parêntese – no livro O Profeta, Gibran Kalil Gibran, glória do Líbano, construiu uma imagem assim: Diz Gibran que “há cada cem anos o Cristo da Fé se encontra com o Jesus de Nazaré e depois de uma noite de conversas entre os cedros do Líbano, se despedem e o Jesus de Nazaré diz ao Cristo da Fé: ‘É meu amigo, mais uma vez não nos entendemos.’” – fecha parêntese.

As igrejas evangélicas não fogem a essa postura. Também há entre as diversas denominações, diversas interpretações. Apresentando um Deus que não se entende em postura, características com o Jesus de Nazaré, como diz Gibran.

É o mesmo Deus visto por óculos diferentes? Pensamos que sim. Dizemos que sim.

Falei de interpretações teológicas. O que pressupõe que na base de tais interpretações há a ciência teológica, séria, metodológica, acadêmica feita por homens e mulheres que se debruçaram sobre os textos sagrados e sobre o magistério da igreja, que beberam em fontes de Mestres e Doutores teólogos. Cristãos que não tiram da sua imaginação o produto final entregue aos fiéis.

E as interpretações que não são teológicas? Feitas por pregadores que jamais se aprofundaram na ciência teológica e que hoje conduzem rebanhos inteiros. Por pastores que se disseram a voz de Deus. Por padres que não foram lá bons estudantes em tempos de seminário e que, uma vez ordenados, consumidos pela agitada vida paroquial, descuidaram da leitura e do necessário estudo. Pois os há. E as catequistas sem fundamento acadêmico. O que dizer dessa realidade?

Tudo isso – e muito mais – nos leva ao questionamento do que sejam – ou se existem, de fato - a Unidade e a Unicidade eclesiológicas.

(Os Eclesiólogos que entendem mais dessa matéria que me perdoem!)

Há, pois, uma poliinterpretação sobre Deus. Interpretações fenomenológicas do mesmo Nôumeno.

Foi o que me fez lembrar daquela indagação - forte e necessária – feita por Kirillov, personagem do escritor russo Fiódor Dostoiévsky, de Os Demônios, falando sobre a existência de Deus:

- Se Deus não existe, então eu sou Deus. Se Deus existe, então toda a vontade é dele, e fora da vontade dele, nada posso. Se Deus não existe, então toda a vontade é minha e sou obrigado a proclamar o arbítrio.

O conceito de poliantropoteismo nada mais quer dizer do que isto. Pois em vários lugares de fé, em várias situações e relações, assim como em várias igrejas, Deus não existe, como falou Kirilov – ou Dostoiévski. Isso porque tornamo-nos árbitros, afirmamos e negamos as coisas de Deus como se fôssemos deuses. Não mais só cybernantropos, como afirmou a antropologia, mas também poliantropoteistas. Vários homens e várias mulheres tornados deuses porque se assumiram árbitros, “donos” da vontade, da verdade. Tomamos o lugar de Deus, julgando, afirmando, negando, condenando, excluindo.

(Os que mais sabem dessa matéria, que me perdoem!).

 

Referências

 

Brown, Dan, Origem. São Paulo. Editora Arqueiro. 2017.

 

Dostoiévski, Fiódor. Os Demônios. Tradução: Oleg Almeida. São Paulo. Editora Martin Claret. 2020.

 

Gibran, Kalil. O Profeta. Porto Alegre. Coleção L&PM Pocket. 2001.

 

Ullmann, Reinholdo Aloysio. Antropologia: O Homem e a Cultura. Petrópolis. Ed. Vozes. 1993.

 

Sobriño, Jon. Jesus, O Libertador. A História de Jesus de Nazaré. Coleção Teologia e Libertação. 2º Edição. Petrópolis. 1996

 

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