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SUICIDARAM FREI TITO

Genildo Firmino Santana

Devo explicar. O título acima não o criei, nem é original. Desde o suicídio de Frei Tito de Alencar Lima, na França, aos 10 de Agosto de 1974, essa frase e essa ideia foram recorrentes nas mentes mais críticas e entre os amigos, companheiros, admiradores do jovem frade dominicano.

Nascido em Fortaleza, em 1945, Frei Tito de Alencar Lima foi dirigente da JEC (Juventude estudantil Católica) e participou da AC (Ação Católica). Em 1966 foi para o noviciado nos dominicanos em Belo Horizonte e em 1967 fez sua Profissão de Votos. 1968 o encontrou em São Paulo, estudando filosofia na USP (Universidade de São Paulo). Foi nesse contexto que organizou o Congresso da UNE (União nacional dos Estudantes) em Ibiúna, em 1968 e foi, consequentemente, preso, junto a centenas de estudantes. Preso novamente em 1969, foi torturado. Incluído na lista de presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), Tito foi banido do Brasil pelo governo de Emílio Garrastazu Médici e seguiu para o Chile. Aos 10 de agosto de 1974, em virtude das torturas sofridas, Frei Tito cometeu suicídio por enforcamento, na França.

São esse suicídio – que nesse 10 de Agosto de 2024 faremos memória dos 50 anos – e seus antecedentes, as razões para esse texto. Texto que, didaticamente, esperando não ser prolixo, será dividido em três momentos, a saber: A) – Frei Tito contra a ditadura civil-militar; B) - A prisão e as torturas e C) – Suicidaram Frei Tito.

Assim dito e organizado, sigamos

 

1 – Frei Tito contra a Ditadura civil- militar

 

O Brasil era, em 1964, um barril de pólvora. Poderia explodir a qualquer momento. Assumindo a presidência, João Goulart elaborou seu programa de governo e anunciou que faria as reformas de base, principalmente agilizaria o processo de reforma agrária. A elite brasileira se assustou. É como disse tolstói: “- A elite fará de tudo pelos pobres, menos descer de suas costas”. As forças armadas se assustaram e, principalmente, os E.U.A.. Os E.U.A. viram naquele anúncio de Jango, uma possibilidade e uma ameaça de que o Brasil poderia ir para o bloco comunista, liderado pela U.R.S.S. Essa junção de elite com medo, militares com saudades do passado e um império ameaçado, resultou no golpe militar de 1964.

Após o golpe de 1964, o Brasil foi governado por uma junta militar. Os direitos políticos e civis foram suspensos. As eleições presidenciais e governamentais foram suprimidas. Os governos militares se sucederam no poder até o ano de 1985.

Foi contra esse sistema opressivo, autoritário, persecutório, que Frei Tito e os dominicanos, a exemplo de Frei Betto, Frei Ivo Lesbaupan, Frei Fernando de Brito, Frei Osvaldo, se levantaram contra, motivados pelo evangelho, pelo sentimento libertário, humanístico, pelo desejo de se viver em uma democracia. A convicção de que a Ditadura civil-militar devia ser derrubada lhes vinha de Fé cristã, principalmente. Foi a teologia que lhes deu as bases para a luta contra a ditadura civil-militar.

Tentemos entender como se dá, na prática, essa equação.

Após o concílio Vaticano II, a Igreja Latino-americana atualizou as ideias do Concílio em duas Conferências Episcopais: Medellin, em 1968 e Puebla, em 1979. Em Medellin, na Colômbia, os Bispos denunciaram as estruturas de pecado e fizeram uma opção pelos pobres. Em Puebla, no México, confirmaram Medellin e fizeram uma reflexão a partir da fome e da situação de prostração em que viviam os pobres.

Padres e Bispos, frades e freiras, catequistas, leigos e leigas foram assumindo compromissos com o povo pobre da América Latina, a Pátria Grande. Esse compromisso levou-os a denunciar as injustiças cometidas pelos governantes, pelos empresários, pelas ditaduras militares. Essa denúncia, seguida do anúncio do Reino de Deus, fez surgir uma perseguição estrutural em toda a América Latina. A Igreja Latino-americana tornou-se uma Igreja de mártires, como só se tinha visto no início do cristianismo. Proliferaram testemunhos de homens e mulheres, Católicos e Protestantes, que deram sua vida, literalmente, pela causa do Reino de Deus. Muitos desses testemunhos foram coletados e compõem hoje o martirológio Latino-americano.

Esse compromisso com Cristo e com os pobres, levou o Padre Camilo Torres, na Colômbia a ir pra luta armada, em favor dos pobres. Levou Dom Pedro Casaldáliga a defender os índios do Mato Grosso. Levou Dom Oscar Romero – um Bispo tido como conservador, de bibliotecas – a assumir a luta em prol dos pobres de El Salvador. Levou Dom Samuel Ruiz, Bispo do Estado de Chiapas, no México, a lutar em defesa dos pobres, apoiando, inclusive, o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) do Subcomandante Marcos. Levou Dom Leônidas Proaño, no Equador, a defender os indígenas. Assim como levou Padre Ezequiel Ramim a defender os Agricultores da exploração e perseguição do Agro-negócio e da UDR (União Democrática Ruralista), na Diocese de Jí-Paraná, no Episcopado de Dom Antônio Possamai, em Rondônia. Foi nessa ótica de compromisso Profético com os pobres, que Padre Jósimo Morais Tavares, defendeu os Agricultores no conflitivo Bico do Papagaio, em Imperatriz, no Maranhão. Foi nessa visão e nessa Espiritualidade que o Bispo da Diocese de Afogados da Ingazeira, em interiores de Pernambuco, Dom Francisco A. de Mesquita Filho, defendeu os saques que os sertanejos faziam nas feiras. E defendeu em Rede Nacional de Televisão.

Foi, pois, esse mesmo princípio evangélico, cristão, que levou os Dominicanos – Frei Betto, Frei Tito, Frei Ivo Lesbaupan e Frei Fernando de Brito – a apoiarem a luta armada de Carlos Marighella, no Brasil, em finais dos anos 60. Apoiados no Papa Paulo VI, os frades dominicanos não vacilaram em atuar para acabar com o opressor regime militar. Assim se expressou sua Santidade, o Papa Paulo VI: – Se há uma tirania longa e evidente, a violência é permitida desde que ela não faça mais mal do que o tirano.”

Ofertando apoio logístico, sem pegar em armas, os dominicanos viram na luta de Carlos Marighela, um ex-deputado que virou guerrilheiro, a oportunidade real de luta contra a ditadura civil-militar. Realizavam campanhas, facilitavam a fuga dos que estavam marcados para morrerem, angariavam apoio financeiro e atividades afins.

Até serem descobertos e presos pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, símbolo dos anos de terror pelos quais o Brasil passou.

 

2 – A Prisão e as Torturas

 

Os destinos dos que resistiam eram os mais variados possíveis. O fato é que não tiveram vida fácil aqueles que não concordaram com os militares. Nem tampouco seus familiares e amigos. Eis alguns dos destinos dos que participaram na luta contra a ditadura militar: prisão, tortura, exílio, clandestinidade, desaparecimento, morte. Desses, Frei Tito conheceu quatro: preso, foi torturado, exilado e morto, por suicídio, como consequência de sua atividade contra a ditadura civil-militar. As formas de tortura implantadas e legitimadas pelo governo eram várias, também. A saber: Pau de arara, cadeira do dragão, telefone, choque elétrico, geladeira, pressão psicológica. Todas – e muitas outras – foram aplicadas a Frei Tito, segundo relato feito por ele mesmo e que foi publicado fora do Brasil, como uma denúncia ao regime militar.

“-Você agora vai conhecer a sucursal do inferno”, disse o Capitão Maurício Albernaz a Frei Tito. Preso junto com os colegas dominicanos, Frei Tito foi torturado de todas as formas imagináveis, conforme relata Frei Betto no livro Batismo de Sangue, lançado em 1983, no capítulo, Tito, a Paixão. (remeto o leitor e a leitora a ler o referido livro).

As torturas pelas quais passou deixaram marcas no corpo e na alma de Frei Tito. Torturado na OBAN (Operação bandeirantes) e no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), dois centros tristemente famosos pelas torturas ali praticadas sob a benesse do Estado.

Frei Tito foi torturado durante três dias seguidos, com equipes se revezando, por ter organizado o Congresso da UNE, em Ibiúna e por ter apoiado Carlos Marighela. Sob torturas, não denunciou nenhum dos que lutaram ao seu lado, o que aumentou o ódio dos torturadores que, não dobrando seu corpo, resolveram dobrar-lhe a alma. As torturas psicológicas calaram fundo na alma do jovem dominicano que já havia se tornado referência na luta contra a ditadura civil-militar e símbolo dos torturados no Brasil.

Tantas e tamanhas foram as torturas que lá mesmo Frei Tito tentou suicídio. Não conseguiu. Levado ao hospital militar foi tratado e recomendado pelos mesmos torturadores:

“– Doutor, esse padre não pode morrer de jeito nenhum! Temos que fazer tudo, senão estamos perdidos!” disse o Capitão Maurício Albernaz ao médico no hospital militar.

Um detalhe – detalhe? – apontado por Frei Betto no capítulo acima aludido: a pedido dos dominicanos, Dom Lucas Moreira Neves foi visitar Frei Tito no hospital. No julgamento, Dom Lucas se negou a dar um depoimento sobre as torturas de Frei Tito, alegando não querer prejudicar suas atividades pastorais.

 

3 – Suicidaram Frei Tito

 

Em Dezembro de 1970, a VPR sequestrou o embaixador suíço, Giovanni Enrico Bücher. Entre os setenta presos pedidos em troca do embaixador, estava o nome de Frei Tito. Por não poder recusar, Frei Tito foi exilado no Chile. Do Chile foi Pra Roma, não sendo aceito no colégio Pio Brasileiro, pela fama de terrorista, foi pra Paris, França.

Em Paris encontrou antigos companheiros, entre eles Frei Osvaldo, parceiro das atividades no Brasil. Porém, Frei Tito levou o capitão Maurício Albernaz, o delegado Fleury e os torturados junto, como junto também estavam os momentos que passou e as ameaças que sofreu na OBAN e no DOPS.

Seus temores e fragilidades se aprofundaram. Passou Frei Tito a ver o delegado Fleury em todos os lugares. Todos os fantasmas da ditadura civil-militar passaram a frequentar a mente de Frei Tito. Todos os torturadores passaram a habitar sua cabeça. “- O psiquiatra elucida que Tito não podia ser tratado como louco. O que ele fazia era elevar a enésima potência tudo o que viveu”, testemunha Frei Fernando de Brito.

Sem encontrar solução, Frei Tito, então com 28 anos de idade, cometeu suicídio aos 10 de Agosto de 1974, em Éveux, na França. Seu suicídio, tema delicado à igreja católica, se deu por estar destruído internamente. Seu suicídio é uma denúncia, um incômodo à sociedade brasileira e à igreja, um desafio, um questionamento sério feito à sociedade, à igreja. No dizer de Frei Fernando de Brito:

 

Então, Frei Tito não vê outra solução. No momento em que ele morre, ele mata o torturador que habitava em sua cabeça e liberta aquelas pessoas queridas que estavam sendo oprimidas pelo torturador... é de uma...eu não conheço...eu não conheço coisa mais dramática...eu não conheço.

 

Quando em 1983, seus restos mortais foram transladados para o Brasil, a fim de serem sepultados em Fortaleza, Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns foi taxativo:

“– Frei Tito não se matou. Suicidaram Frei Tito.”

 

 

Referências:

 

Betto, Frei. Batismo de Sangue. Os dominicanos e a morte de Carlos Marighella. Rio de Janeiro. Editora Bertrand Brasil S.A. 1991.

 

Betto. Frei. Diário de Fernando. Nos cárceres da ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro. Ed. Rocco. 2009.

 

 

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