Pe Waldemir Santanna
O Vaticano Segundo representou uma verdadeira revolução copernicana na vida da Igreja. A maravilha desse Concílio consistiu em que soube captar o espírito livre e aberto de João XXIII em relação ao mundo externo e interno e ao diálogo ecumênico, sem ficar preso às suas teologias tradicionais. E por sua vez, foram assimiladas pelo Concílio, nos seus três anos de duração, as novidades teológicas por força do diálogo tão incentivado por João XXIII, com esse mundo e as outras religiões. Nesse clima social, de abertura às outras formas religiosas, de distensão política, de visão positiva diante do mundo moderno, reúne-se o Concílio Vaticano II e o XXI Concílio Ecumênico da história da Igreja com 2540 padres conciliares de todas as raças, cores e de todos os povos. Do discurso do papa, ecoaram fortemente as palavras de ordem: abrir a doutrina tradicional ao pensamento moderno e promover a unidade da família cristã e humana.
Uma outra expressão inovadora, se alimentava das experiências pastorais dos bispos do mundo inteiro e da teologia que queria instaurar profícuo diálogo com o mundo moderno e com as igrejas da reforma. Alimentava o desejo de contato direto com a fonte sempre viva da Palavra de Deus, proclamada e comentada na Igreja, não se atendo unicamente às doutrinas dos manuais. Buscava novas respostas de acordo com os princípios permanentes para questões novas, levantadas pelas correntes de ideias contemporâneas. Introduzia capítulos inéditos no conjunto envelhecido da teologia, durante muito tempo considerado intocável, tais como a teologia do laicato, das realidades terrestres, da história etc. Os componentes de ambas as tendências amavam muito sua Igreja e eram sinceros defensores de suas posições diferentes.
A era João Paulo II e de Bento XVI, a Igreja sofreu um processo de centralização e de endurecimento institucional que deixaram marcas que ainda estamos colhendo os frutos desse inverno que a Igreja passou. Tudo era decidido pelas autoridades da cúria romana. As conferências nacionais dos bispos ficaram praticamente anuladas. Bispos foram calados, arquidioceses foram retalhadas, teólogos perseguidos, seminários foram fechados. Era a volta a grande disciplina.
Na era atual a atuação da Igreja está voltada predominantemente para eventos religiosos de massa de cunho meramente espiritualista, priorizando uma animação religiosa de entretenimento espiritual, esquecendo dos grandes problemas do dia-a-dia. Diante da situação de miséria de muitos irmãos menores de Cristo, parece-nos escandalosa e frívola a ênfase unilateral dada às festas e aos shows religiosos que revelam a preocupação majoritária de muitos padres e pastores pela quantidade de fiéis.
Os movimentos espiritualistas e os meios de comunicação estão conseguindo envolver padres, religiosos e religiosas numa linha de mera propaganda da fé católica e assistencialismo para impressionar pela imagem e pelos números a grandeza da Igreja, esquecendo a verdadeira missão de ser “fermento na massa” (e não massa).
Com a eleição do Papa Francisco um verdadeiro pentecostes aconteceu na vida da Igreja. Ele inicia seu ministério com um gesto de um verdadeiro pastor: pedindo ao povo que o abençoe. O nome de Francisco será sua marca original. A simplicidade do poverello de Assis, irá inspirar sua pessoa ao longo do seu pontificado. Não irá governar a Igreja com mão de ferro, mas procurando unir todos que estão a serviço do evangelho. Ele quebrou toda espetacularização que se fazia em torno da figura do Papa, como se ele fosse o último monarca absoluto da Europa. Uma Igreja pobre para os pobres é seu desejo. Essa Igreja despojada das insígnias de poder e ostentação trará muitas difamações a sua pessoa, como por exemplo ser taxado de herege e anti-papa.
Com a oposição que o Papa sofre de determinados grupos eclesiais de extrema direita, é de uma ferocidade impressionante. Cardeais formam grupos para deslegitima-lo em seu magistério. Por isso, criam um magistério paralelo avesso ao Vaticano II e ao programa de evangelização de Francisco. Esse magistério paralelo assume algumas características preocupantes tais como: fundamentalismo doentio, seja bíblico, dogmático, litúrgico, pastoral; a igreja comprometida com a causa do povo pobre é condenada por ser considerada ideológica. Todos esses opositores do Papa Francisco se comportam como verdadeiros inimigos da própria Igreja e se consideram detentores exclusivos da verdade. Muitos que se dizem amar tanto a Igreja sem qualquer compromisso mínimo com os humilhados desse mundo, se acham mais cristãos do que os outros. Em muitas situações esse amor que eles pregam a Jesus não passa de um belo jogo de retórica. O clericalismo tão combatido pelo Papa, se revela como um câncer que está a comprometer todo sistema eclesial. O conflito que se vive hoje na Igreja não pode ser ignorado, pois, ele brota por parte daqueles que desejam viver um catolicismo, como alguém já acenou, mofado.
A palavra comunhão está também nos lábios daqueles que se opõem ao Papa Francisco. Em muitos prelados da Igreja a palavra comunhão tem o sentido de que não se pode criticar ninguém nem a própria instituição. Essa concepção meramente institucional da expressão “communio” é ambígua, pois, antes de tudo devemos estar em comunhão com Jesus e seu projeto que é fazer a vontade do Pai (Jo 6,38).
Apesar do Vaticano II e do Papa Francisco, a situação da Igreja não mudou muito em relação a 100 anos atrás. Com certeza o Papa conseguiu fazer algumas mudanças, mas muito ainda precisa ser feito. Devido a essa onda conservadora, dificilmente o Sínodo sobre a sinodalidade será efetivado na vida de muitas Igrejas do Brasil e do mundo. Muitos prelados não aceitam partilhar responsabilidades com os leigos e leigas. Há uma tendência de fortalecer o estrutural em detrimento do pastoral. A luta contra o clericalismo vai ser uma batalha penosa na vida da Igreja. Superar a dimensão sistêmica do clericalismo que possibilita os abusos de todo tipo na vida eclesial, exige um esforço comum de todos os cristãos sensatos. O conservadorismo não poupa nenhum dos vértices da Igreja.
Ninguém de bom senso duvida que hoje os verdadeiros inimigos do Papa Francisco e consequentemente da Igreja, estão dentro da própria instituição eclesial. A expressão Igreja aberta e seus inimigos não um jogo de retórica, mas expressão de uma realidade explícita.
Arquidiocese da Paraíba