Pe Waldemir Santana
O Papa Francisco veementemente tem proferido críticas ácidas contra o clericalismo na Igreja. O que leva um Papa a criticar o clericalismo? Quais razões ele apresenta para tais crítica? Um Papa não seria irresponsável a ponto cometer erros ao criticar tais posturas do clero. As razões que ele apresenta estão nas inúmeras entrevistas e artigos por ele produzido. Para que o clericalismo receba inúmera críticas, é sinal de que essa realidade está produzindo muito mal na vida eclesial. Isso é notório no cotidiano das comunidades, onde os Padres se apresentam mais como príncipes do que estão acima do bem e do mal, do que como pastores do rebanho.
O clericalismo em todas as suas manifestações tem sido um empecilho a atividade evangelizadora da Igreja. O Papa Francisco propõe uma Igreja em saída e missionária, não obstante o clericalismo se enraíza cada vez mais, corrompendo o corpo de Cristo. Como se manifesta o clericalismo? Existe toda uma característica do clericalismo, a começar pelo uso excessivo de uma indumentária própria desse seguimento eclesial. A vida burguesa cheia de privilégios é uma outra característica seguida de celebrações litúrgicas cheias de penduricalhos e abusos de poder. O pior dessa enfermidade é que ela procura clericalizar os leigos para aplaudirem o super-homem que revestido de um poder sagrado que tem a última palavra em todos os campos. Assim sendo, o clérigo é transformado num senhor feudal e, por isso, não pode ser questionado, mas somente obedecido. Esse clericalismo no dizer do Papa Francisco é a expressão do mundanismo espiritual.
O clericalismo enquanto expressão eclesial, é a atitude de bispos, padres, diáconos que concebem o ministério não como serviço, mas como um poder sem limites conferidos por Deus. Ele ocupa determinados espaços, onde o serviço se transforma em domínio e poder pessoal para estar acima dos outros. Quando se fala em mundanismo espiritual, o que está por trás é um clericalismo necrosado. Destarte o clericalismo não é nenhum sinal de amor pela Igreja, mas é uma enfermidade que se instalou no corpo eclesial e que está difícil de ser curada. Como já foi dito, clericalismo e cristianismo são incompatíveis.
Onde começa a se consolidar essa cultura clerical? O primeiro lugar é nos seminários, pois, os jovens são formados para administrarem as paróquias como se fossem feudos, deixando a evangelização para um segundo plano menos importante. A estrutura eclesial proporciona esse tipo de cultura clerical que facilita a ambição de uma aristocracia que visa obter vantagens e poder, muitas vezes se utilizando de uma falsa moral, ancorada numa teologia obsoleta e arcaica que nega a realidade nas suas múltiplas manifestações. Não é fácil eliminar esse câncer da Igreja. Como de forma lúcida assevera o Papa Francisco, por trás do clericalismo se esconde o fascínio pelo poder e pela evidência.
O clericalismo faz com que a pessoa se ache uma autoridade que tem competência para dar respostas as todos os problemas que estão além de sua competência e capacidade. O mais deprimente é que os clericalistas distorcem qualquer relacionamento de valor fraterno, com insinuações perversas. Isso demonstra a personalidade da pessoa que se esconde atrás de uma veste clerical. Esse tipo e comportamento vai na contramão da evangelização. Diante do câncer que é o clericalismo, percebemos que a Igreja precisa de padres cristãos, pastores e missionários que tenham cheiro de ovelhas, e não de funcionários de uma organização religiosa dirigida por uma casta que se imagina cima do bem e do mal.
O padre Agenor Brighenti, numa pesquisa realizada com grande seriedade, mostrou que os padres jovens são muitos clericais, autoritários, ortodoxos e moralistas. Ele acrescenta, saímos do profético para o terapêutico, do ético para o estético. Com isso, se torna claro que os caminhos para superação do clericalismo são poucos. Será necessário fazer mudanças profundas nas estruturas eclesiais em todos os aspectos. Se o clericalismo em si já é um grosso problema difícil de se eliminar, mudar estruturas na Igreja é quase uma utopia longínqua. Segundo o Papa Francisco, por trás de todo clericalismo rígido há sérios problemas. E a fixação no sexto mandamento, revela algo muito mais profundo.
A partir de estudos sobre o problema do clericalismo na Igreja, se constata que os abusos em todos os seus matizes se relacionam com essa problemática. Os abusos estão relacionados com disfunções psicossexuais e psicossociais e clericais. O clericalismo se manifesta muitas vezes na vida do padre, quando ele se ausenta da realidade, refugiando-se num mundo privado de uma piedade amorfa e práticas litúrgicas que se voltam para o passado rejeitando o presente. Ou a Igreja desmantela as estruturas do clericalismo ou verá crescer o número de abusos de variadas formas. Até a volta de um tipo de veste na vida do clero revela a afirmação de um poder sagrado dominador e autoritário.
Os adeptos do clericalismo entendem a Igreja como a continuação de um governo imperial eclesiástico, por isso, simboliza a manutenção de um poder de posição que está a anos luz do poder revelado por Jesus. Um presbítero asseverou que os clericalistas desejam a manutenção dos 5 cês: casa, comida, celular, carro e casula. Excluindo a dose de exagero da afirmação pode ter, mas devemos nos fixar na dose de verdade que ela comporta. O maior inimigo da fé verdadeira não sãos os adeptos da teologia da libertação, mas os que buscam segurança nas vestes, nas liturgias pomposas e no autoritarismo inconsequente. Os leigos que aderem ao clericalismo muitas vezes colocam o padre num pedestal, como se ele fosse a encarnação da divindade, privando-o de toda crítica e questionamentos.
O clericalismo no seu desdobramento impõe uma obediência cega, não consegue dialogar, é autoritário, centralizador, não suporta pessoas críticas e exclui as pessoas conscientes da comunidade. Na Paróquia o clericalista se comporta como Luís XIV, como um rei absolutista: “A Paróquia, sou eu”. Onde o clericalismo finca raízes, uma Igreja com espírito sinodal não tem vez e nunca será implementada.
Só nos resta continuar acreditando e depositando nossa esperança nas minorias abraâmicas.
Pe Waldemir Santana
Arquidiocese da Paraíba