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Por uma leitura decolonial da Cristandade: despatriarcalizar, des-hierarquizar, desclericalizar

 

 

Alder Julio Ferreira Calado e Glória Maria Carneiro

 

A reflexão aqui proposta, parte da discussão compartilhada, sábado passada, dia 13/07/2024, por ocasião de mais um Encontro do CEBI João Pessoa (Litoral), versando sobre o tema “Decolonizar é preciso”, do qual participaram Edna Maria, Julio, Gloria, Zanza, Kefren, Marcos, Alef, Gervalino, Vanuza, Inez, Dorgeania, Eduardo, Irmã Lucia, Irmã Marinete, Marilane, Elizangela e Pe. Wancerlei, Alder Julio.

Como de costume, iniciamos partilhando o café da manhã, com os alimentos que cada qual trouxe e também partilhando conversas e vivências.

Coube a Kefren animar a mística, a partir do convite às (aos) participantes para expressarem  o sentir de seus corpos naquele momento e também que memórias os habitavam, concluindo a mística com o texto de Jo 17,20-21. 

Dando sequencia ao tema iniciado no encontro anterior - Decolonialidade, para o qual Edna sugeriu, como tarefa de casa, que lêssemos três textos, que estão na Agenda Latinoamericana 2024, quais sejam: 1) Decolonizar os sistemas de justiça para quê? (Elizabeth Fuetnes p. 69-71); 2)Teologia da libertação, teologia decolonial (Juan José Tamayo, p. 95-97) e 3) Decolonialidade para um novo paradigma emancipatório mundial (Ignácio Dueñas Garcia de Polavieja, p. 163-165. Isso no encontro do dia 04.05.2024, onde foram abordados alguns estudiosos e algumas estudiosas dessa temática. No encontro de hoje, Edna cuidou de rememorar os aspectos fundamentais tratados, na primeira ocasião, sobre o tema em pauta, tendo inclusive anotado no quadro as palavras-chaves, à medida que as pessoas iam relembrando e, posteriormente, discorreu sobre cada uma delas. Recorrendo a uma metodologia de trabalho bem característica da Educação Popular, Edna, antes mesmo de fazer uma exposição sobre a sequência do tema, propôs uma roda de conversa, sobre o que as(os) participantes tinham a dizer sobre tema. 

Decolonialidade: do saber, do ser, do poder.

  • Religião colonialista

  • Desvinculação dos legados

  • Corpos subjugados, anulados

  • Perpetuação do colonialismo

  • Epistemicídio

  • Descolonialidade/decolonialidade.

Em seguida, ela trata de sublinhar os aspectos centrais da temática, inclusive os autores e autoras: Frantz Fanon, Aníbal Quijano, Catherine Walsh, Edgar Land, Enrique Dussel, Walter Mingnolo, dentre outros e outras,  nos quais se baseou. Do exposto e do que foi compartilhado, convém ressaltar que “Decolonialidade” remete ao processo de colonização, relativo à Modernidade ocidental e oriental, profundamente enraizado nas mentes e nos corpos dos povos originários, nos afroamericanos e outros, envolvendo as mais diversas dimensões – econômica, social, política, cultural, religiosa, de modo a destitui-los de sua condição humana, já que o projeto os trata como coisas. Nunca é demais reafirmar as graves consequências histórico-culturais do colonialismo, inclusive na atualidade, à medida que manifestam as entranhas desumanizantes do modo de produção capitalista, a enraizar-se nos corpos, nas mentes, no espírito, na vida de cada pessoa e de cada comunidade, seja no plano cósmico-planetário, na produção material da existência, no exercício do poder, na reprodução dos valores ocidentais, de modo a implicar as relações sociais de gênero, de etnia, geracionais, de espacialidade, as relações éticas, estéticas, eróticas e também as relações com o sagrado, sempre em uma perspectiva desumanizante.

Neste Encontro do CEBI, ao reconhecermos a ampla diversidade de dimensões alcançadas pelo projeto colonial, destacou-se principalmente a dimensão religiosa, tanto relativa às igrejas cristãs quanto a outras expressões religiosas. Foi, no entanto, melhor aprofundado o espaço religioso referente às igrejas cristãs, tendo a bíblia como a principal referencia de fé, aliada ao livro da Criação, afinal ainda hoje: “Meu Pai continua trabalhando e eu também trabalho” (Jo 5,17) e, como prometeu Jesus, “o Advogado, o Espirito Santo que o Pai vai enviar em meu nome, ele ensinará a vocês todas as coisas e lembrará a vocês tudo o que eu lhes tenho dito” (Jo 14,26). Como podemos perceber, o livro da Criação vem antes e vai além da Biblia, sempre que ousamos fazer uma leitura contextualizada da Palavra, aprendemos coisas velhas e novas, pois o Evangelho é como um baú do qual, ao (re)visitá-lo, recolhemos coisas novas e velhas (cf Mt 5,52). Ao contemplarmos séculos de Cristandade, sobretudo a partir da era constantiniana (século IV), percebemos a extrema dificuldade das igrejas cristãs de tomarem distância crítica de toda essa pesada herança cultural, tão afastada das fontes neotestamentárias e do próprio Movimento de Jesus, à medida que, em vez de beberem na fonte, sentem-se fascinadas por elucubrações greco-romanas, de modo a repetirem tal legado na teologia, na liturgia, no Direito Canônico e em documentos magisteriais (como os de Pio IX, Pio X, entre outros) que contrariam frontalmente os mais evidentes ensinamentos de Jesus, o palestino.

Que podemos aprender das reflexões deste encontro?

Desta rica experiência pedagógica compartilhada, saímos com alguns ensinamentos. Um primeiro tem a ver com a urgência de reavaliarmos o que temos feito em nossas igrejas cristãs, o que faremos por meio de alguns questionamentos:

  • Que modelo de Igreja temos alimentado, enquanto partícipes nas mais diversas funções?

  • Que tempo temos dedicado a um aprofundamento do conhecimento histórico e atual de nossas Igrejas? 

  • Que frutos efetivos tem brotado de nossa atuação ao interno de nossas Igrejas: apenas como meras(os) legitimadoras(es) de suas estruturas e organização androcêntricas ou temos atuado como profetas denunciando nossos males e escândalos e anunciando a urgência de que um outro mundo e outras comunidades do movimento de Jesus são possíveis e necessárias?

  • Sabendo, por exemplo, que as mulheres são a enorme maioria de participantes das nossas Igrejas, quem nelas toma as decisões?

  • Qual tem sido nosso testemunho: o de ficarmos à espera de mudanças de cima para baixo (contentando-nos com concessões aqui e ali da parte do clero) ou ousamos dar  passos concretos na criação de novos processos, dentro e fora dos espaços eclesiásticos? (de baixo para cima)

  • Que tal a iniciativa de, enquanto partícipes do movimento de Jesus, ousar uma convocação mais ampla das(os) desigrejadas(os), em busca de uma organização de resistência e de proposição do direito de participação de todas e todos nas decisões eclesiais?

  • Na perspctiva do Movimento de Jesus, do qual buscamos o exercício de um “discipulado de iguais” (Elsa Tamez), que tal fazermos autocrítica de nossa postura de repetidores e repetidoras de doutrinas (desde o Concílio de Nicea, passando pelo de Trento e o Vaticano I), sem nos darmos conta do desafio a que somos chamadas e chamados a enfrentar: o de “destecer” (Ivone Gebara) ou de “desconstruir e reconstruir”, segundo  espírito de Jeremias (Cf Jr 1,10)?



João Pessoa, 19 de julho de 2024.

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