Quando uma sociedade, palavras e crenças desabam, é preciso fazer uma ‘desinvenção’ do antigo mundo de certezas e tentar um enlace, um casamento entre a poesia e a razão. É isso que eu gostaria de inventar nesse ensaio antropológico com rasgos poéticos, como se estivesse alimentando propositadamente a minha tentação de preencher a razão com poesia, conferindo certa racionalidade ao indizível que a habita. Ambas expressam nossa vida, nossas vivências, dúvidas, amores e ódios, desejos de amor. Gostaria de amalgamar a poesia e a razão para ver se algo novo acontece, para ver se a ferrugem sai dos velhos conceitos e se torna um tema poético antiferruginoso. Queria que a velha panela do pensamento filosófico tivesse outro brilho, pudesse se tornar exclamação de agradável espanto, riso e brincadeira de incertezas. Gostaria de sair do sério da filosofia para brincar com ela e com seus taciturnos representantes. Intuo a dificuldade em mim mesma, por isso queria tentar como método de trabalho sentir e pensar o mundo ao mesmo tempo, como quando se sente uma dor e se busca explicá-la por pequenas imagens, assim como se busca o remédio para acalmá-la. Sentir a dor, o prazer e depois pensar sobre eles para entender algo desse sentimento, eis o desafio que meu filosofar quer tentar.
Ivone Gebara
disponível no site da editotora https://www.editorarecriar.com/ensaio-de-antropologia-filosofica