Alder Júlio Ferreira Calado
Culminando a nona edição da semana teológica Padre José Comblin (IX STPJC), realizou-se, sábado, dia 5 do corrente, a sessão de encerramento da referida semana que, porém, se estende por alguns meses. A sessão de encerramento aconteceu, em João Pessoa, no Centro Pastoral do São Bento, com a participação de representantes, delegados e delegadas eleitos nas respectivas jornadas comunitárias, além de vários outros grupos eclesiais, tais como do Movimento Fé e Política, do Centro Helder Câmara de Animação Espiritual-CEHCAE, da Comissão Pastoral da Terra-CPT, da Coordenação do Setor Social da Arquidiocese da Paraíba, de Religiosas inseridas no meio popular, e de outros grupos, amigos e amigas do Pe. José Comblin, vindos da Paraíba, de Pernambuco, do Ceará e de São Paulo.
As linhas que seguem têm o propósito de destacar pontos relevantes da experiência vivenciada, nos últimos meses, e, em especial, na Sessão de Encerramento da IX STPJC. Em primeiro lugar, compartilhamos o que entendemos como sendo os pontos mais relevantes experienciados nas Jornadas Comunitárias; em seguida, restringimo-nos a sublinhar pontos-chave recolhidos, durante a Sessão de Encerramento.
Das cinco jornadas comunitárias planejadas, foram realizadas quatro: a da UFPB (animada pelo grupo Kairós-Nós Também Somos Igreja), a de Santa Rita (animada pelo Cehcae), a de Café do Vento (animada pelas várias comunidades daquela redondeza, tendo como referência o Centro de Formação Pe José Comblin) e a dos Bancários (animada pelos membros da Comunidade Paroquial Menino Jesus de Praga) , todas focando o tema central da IX STPJC. “Nas trilhas de Puebla por uma Igreja em saída, com Jesus, Francisco e José” (e tantas Marias e Margaridas!).
Cada uma das Jornadas, tendo em comum a temática proposta, contou com o protagonismo de seus organizadores e organizadoras, inclusive no que diz respeito à metodologia utilizada. A cada uma coube a escolha de um dos três textos propostos, como reflexão sobre o tema: o primeiro texto correspondia a algumas páginas do Documento final de Puebla; um segundo, de autoria do Pe. José Comblin, cuidava de fazer uma análise crítica desta III Conferência Episcopal Latino Americana; o terceiro texto proposto apresentava trechos da Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, da lavra do Papa Francisco. Houve, também, quem preferisse centrar atenção especial no documentário “Pacto das Catacumbas”.
Das leituras e, sobretudo das reflexões, então compartilhadas, podemos ressaltar os seguintes pontos:
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Puebla confirmou o compromisso assumido em Medellín, no que diz respeito à opção pelos pobres, inclusive especificando os diversos rostos de pobres (crianças, jovens, pessoas idosas, povos indígenas, camponeses, operários, desempregados...);
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Apesar dos ganhos, a Igreja na Base passou a enfrentar crescentes estratégias de perseguição das CEBs, das pastorais sociais, da Teologia da Libertação, num quadro de desmonte promovido durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI;
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Contundentes testemunhos e depoimentos da parte de leigas e leigos foram escutados, nestas jornadas, contra a tendência de clericalismo em voga, bem como forte crítica ao tipo de Formação ministrada nos seminários;
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Ao mesmo tempo, veio à tona a reflexão crítica sobre o modelo de paroquialização das CEBs, tornando-as mais reféns do modelo Paroquial, tolhendo-lhes a força profética dos membros, com ampla tendência à resignação apenas a atos devocionais e ao culto, em detrimento de sua missão junto aos mais necessitados, que vivem afastados da paróquia;
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Em que pese a densa contribuição de Puebla, importa reconhecer o relativo silêncio referente às mulheres, além da ausência compreensível de temas hoje candentes, tais como os desafios socioambientais, dos migrantes, o da comunidade LGBTIQ, das redes sociais…
A culminância desta 9ª Edição da Semana Teológica Padre José Comblin se deu na sessão de encerramento, realizada no dia 5 de outubro, desde a oração inicial, conduzida pelo Padre Hermínio Canova, focada no tema central da 9ª STPJC, passando pela calorosa acolhida aos participantes da sessão, bem como as pessoas palestrantes convidadas. Foi feita breve memória das semanas precedentes, bem como dos principais temas já trabalhados, dentre os quais juventude, missão, formação, migrantes, entre outros. Em seguida, foram convidadas as pessoas responsáveis por oferecer uma síntese do que se havia trabalhado nas diversas jornadas comunitárias: Aparecida (pelo grupo Kairós, na jornada realizada na UFPB, no dia 11.08), Flávio (pelo grupo de espiritualidade Dom Helder Câmara, em Santa Rita, no dia 08.09), João Batista (pelas comunidades participantes em Café do Vento, no dia 15.09) e Josinaldo (pelo setor social, em Bancários, dia 18.09). A partir de então, são convidadas as pessoas que que vão contribuir com o debate: o teólogo cearense Padre Francisco de Aquino Junior, a professora Elinaide de Carvalho e a pedagoga e educadora social Ivoneide de Souza Lima. Da reflexão oferecida pelo Padre Junior, podemos destacar os seguintes pontos:
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atravessamos um contexto histórico caracterizado por uma noite escura, que tratamos de enfrentar confiantes na Esperança do Amanhecer;
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o acontecimento Puebla e, antes dele, o de Medellín, constituem momentos privilegiados na história recente de nossa Igreja. Em Medellín e em Puebla, com efeito, encontrou-se o campo missionário apropriado para afirmação da identidade de uma Igreja latino-americana, chamada a recepcionar o Concílio Vaticano segundo, ao seu modo, com denso protagonismo;
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Tanto Medellín quanto Puebla, também inspiradas no “pacto das catacumbas”, passaram a levar a sério dois clamores chave do Concílio Vaticano segundo: o da centralidade do Povo de Deus na organização eclesial e a opção pelos pobres;
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Tal protagonismo tornou-se forte, por conta das leigas e dos leigos que, pouco a pouco, foram tomando consciência de sua condição de sujeitos missionários, com vocação própria, marcada pela igualdade comum conferida pelo batismo, que nos chama ao exercício da profecia, do sacerdócio e da cidadania.
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Neste sentido, vale destacar a importância do significado, trabalhado pelo Concílio Vaticano segundo, do conceito de Reino de Deus, entendido como Horizonte maior de nossa fé, do qual a Igreja é chamada a ser um instrumento a serviço de sua realização;
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Cumpre ainda destacar a importância da colegialidade, bem como da vocação específica das leigas e dos leigos, como partícipes na construção do Reino de Deus e sua justiça, por meio de sua ação cidadã, tanto ao interno da Igreja, quanto no meio da Sociedade, buscando trabalhar as realidades terrestres, com sua autonomia reconhecida nos documentos conciliares.
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Parte significativa das ações tomadas pelo Papa Francisco, ainda que recebidas por não poucos como inovações discutíveis, constitui uma retomada do espírito do Concílio Vaticano II, cujas resoluções centrais sofreram longa interrupção, durante os pontificados precedentes. O cerne das decisões recentemente tomadas pelo Bispo de Roma, tem a ver com a aplicação pastoral das deliberações do Vaticano II, fazendo centrar no Povo de Deus e não na hierarquia, a responsabilidade da vida eclesial trazendo os Leigos e Leigas como corresponsáveis pela organização e pela missão da Igreja no mundo.
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Tanto a opção pelos pobres quanto as constantes críticas feitas pelo Papa Francisco ao clericalismo vão, por exemplo, nesta direção de retomar o espírito do Vaticano II e das principais Conferências Episcopais Latino Americanas (Medellín, Puebla e Aparecida).
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Quanto à contribuição oferecida pela professora Elinaide de Carvalho, enfatizou também lacunas ou ausências sentidas no Documento de Puebla, expressão de uma posição que segue hegemônica, na Igreja Católica Romana. Reconhecendo o espírito e a posição de renovação que o Papa Francisco vem mostrando, pelo relevante segmento eclesial das Mulheres, tem se pronunciado criticamente em relação ao lugar que as Mulheres seguem ocupando na Igreja mesmo no governo do Papa Francisco. As iniciativas, neste sentido, vem sendo aquém do que esperam e reivindicam as Mulheres, a exemplo do movimento "Católicas pelo direito de decidir".
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Por sua vez, a professora Ivoneide centrou sua reflexão, destacando a perspectiva da juventude, em Puebla. No segmento protagonizado pelos jovens, tem-se observado um relativo hiato entre o que se faz nas paróquias e o que desejam os jovens. Eles querem ter mais voz e vez, ter participação nas decisões enquanto a onda clericalista segue colocando o padre no centro da vida paroquial, de modo a inviabilizar a ação missionária nas periferias bem como o protagonismo dos jovens.
A despeito dos obstáculos para uma melhor viabilização da proposta do Papa Francisco, na perspectiva de uma 'Igreja em saída", importa ter presentes suas iniciativas proféticas, de largo alcance renovador, dentro e fora dos espaços eclesiais merecendo destaque entre elas: sua ação profética não se restringe aos espaços eclesiais, mas estende-se pelos quatro cantos do mundo por onde tem peregrinado, como o tem feito por meio de suas 31 viagens apostólicas, em seis anos. Sua enorme sensibilidade à causa socioambiental bem expressa em sua Exortação Apostólica "Laudato Si´”.
Sua incansável confiança no protagonismo dos pobres, testemunhado, por exemplo em sua iniciativa de promover encontros mundiais de representantes dos movimentos populares dos vários continentes.
A organização de um Sínodo Especial sobre os desafios da região panamazonica, a testemunhar seu empenho pastoral em defesa e promoção da causa socioambiental ("nossa casa comum").
Por iniciativa sua, já estão agendados para o primeiro semestre de 2020, em Roma, um encontro com Economistas comprometidos com uma proposta alternativa de economia, e um outro encontro com Educadores e Educadoras, chamados a refletirem sobre a importância de uma formação de uma educação mais eficaz, quanto aos compromissos evangélicos pela justiça e pela paz.
Importa assinalar a recepção positiva da sugestão apresentada por Elinaide, Jéssica e outras participantes (e por todos acolhida) de se dedicar à próxima X STPJC a temática das mulheres e seu lugar na Igreja.
João pessoa, 11 de outubro de 2019.