II Simpósio Popular de Reflexão Teológica

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Tomo a liberdade de repercutir os traços que mais me impactaram, que tive a alegria de recolher de duas experiências marcantes, no alto sertão paraibano. Na travessia do sertão, gentes e paisagens nos tocam, em especial, nessa época de seca. Aqui chama a atenção algo que, de tão evidente, deveria passar naturalmente. Não é bem assim. Em longas extensões, o drama é pungente por conta de anos, décadas de descuido dos órgãos ditos públicos. No meio dessa vasta extensão, porém, chamam a atenção paisagens bem cuidadas: com cisternas, com reservatórios de água, com plantações deversificadas, pouco tendo a ver com o entorno. Por qe será? A "indústria da seca" segue imperando! Há quem ganhe com seus mecanismos...
 
I. Em Sousa - PB: II Simpósio Popular de Reflexão Teológica "Igreja, Sociedade e Direitos Humanos"
 
Não é só em virtude da promoção, pela segunda vez, dessa iniciativa crítico-propositiva, que interpela os cristãos e cristãs, bem como os cidadã(o)s daquele município, que a Primeira Igreja Batista de Souza faz por merecer nossas felicitações. Há igualmente outras empreitadas de semelhante fecundidade. Refiro-me, por ex., ao Círculo de Estudos Freireanos, que vem proporcionando aos jovens e adultos daquela região um espaço alternativo de reflexão e ação diante dos desafios daquela Gente e daquela região. Limito-me, desta vez, a enfocar aspectos que reputo mais impactantes do que pude recolher, na participação inicial deste II Simpósio, cuja programação acena para as inquietações básicas dos seus organizadores e organizadoras, tendo na figura carismática do Pastor Luciano Batista de Souza uma liderança cujo testemunho de vida cristã e de cidadão inspira admiração e respeito, não apenas dos seus/nossos irmãos e irmãs batistas, mas de quantos e quantas conhecem seu trabalho profético dedicado à causa do Reino de Deus e Sua justiça.
 
PRIMEIRA IGREJA BATISTA DE SOUSA
II Simpósio Popular de Reflexão Teológica

Igreja, Sociedade e Diretos Humanos
 
 
 
DIA / HORA
 
 
PALESTRANTES/DEBATEDORES
 
ATIVIDADES
 
30/11 19:00
 
 
 
ALDER JULIO F. CALADO
EDJANE DIAS
RENATO LAFRANCHI
 
 
 PALESTRA
DEBATE
INTERVENÇÕES
 
 
 
01/12  8:00 às 12:30
 
 
 
VALDÊNIA PAULINO LAFRANCHI
 
CURSO: "SEGURANÇA PÚBLICA, DIREITO SEU, MEU, NOSSO"
 
 
01/12  14:30
 
 
 
 
 

01/12  16:30
 
 
 
DEPUTADO FEDERAL
LUIZ COUTO
 
 
 

VALDÊNIA PAULINO LAFRANCHI
 
PALESTRA: CONJUNTURA ATUAL DOS DOREITOS HUMANOS NA PARAIBA E NO BRASIL
 
CURSO: MECANISMOS DE CONTROLE DAS ATIVIDADES NA ÁREA DO SISTEMA DE SEGURANÇA E JUSTIÇA
 
 
 
01/12  19:00
 
 
 
ANTONIO NOBREGA
LUCIANO BATISTA SOUZA
MAX DE LIMA
FERNANDO PERISSE
 

SÍNTESE
ENCAMINHAMENTOS
OBSERVATÓRIO
  
 
*SUJ
Por conta de compromisso meu no Assentamento Bartolomeu, em Bonito de Santa Fé, só pude acompanhar os trabalhos do dia 30/12.
 
Vi, ouvi e senti uma moçada bastante ativa, composta por jovens estudantes universitários, secundaristas e outros do meio popular, bem como de outros segmentos atuantes na esfera dos direitos humanos, naquele município. Ouvi, com atenção, as primorosas contribuições da Profa. Edjane Dias, da UFCG, e do Filósofo e Teólogo Renato Paulino Lanfranchi, acompanhado de sua esposa, a Advogada Valdênia Paulino Lanfanchi, todos três com intensa atuação na promoção e na defesa dos direitos humanos. Suas reflexões repercutem com tanto mais força, quanto expressam seu testemunho de vida diuturno nessa trincheira. 
 
A partir do tema em exame, diferentes tópicos se abriam aos participantes, tanto a partir das provocações dos membros da Mesa de debatedores, quanto a partir das questões instigantes e do diálogo que daí se seguia com o conjunto dos participantes. Vou tentar resumir em tópicos os aspectos que mais me chamaram a atenção:
 
- os limites do Estado no enfrentamento aos crescentes casos de violência dos direitos das mulheres, dos apenados, dos jovens do meio popular, das comunidades indígenas e quilombolas, das vítimas do preconceito homofóbico, em breve: frente às violações contra os mais pobres da população;
 
- a ousadia e a persistência dos movimentos sociais e de outras organizações de base de nossa sociedade em se organizarem, de modo articulado, na defesa e na promoção de seus direitos. Nesse sentido, a Profa. Edjane fez preciosas ilustrações, dando conta de casos emblemáticos por ela acompanhados, junto com outros participantes; 
 
- no tocante à relação direitos humanos - igrejas cristãs, Renato Lanfranchi, partindo de sua densa experiência como presbítero católico, cuidou de exemplificar casos e situações diversas em que se observa um verdadeiro hiato entre as práticas eclesiásticas e o respeito aos direitos humanos, ao interno da Igreja, para o que recorreu a diversas e oportunas citações do Evangelho;
 
- a crescente consciência da necessidade de se lutar, desde já, mas sabendo-se que se trata de um projeto a longo prazo, por um novo desenho de sociedade, alternativo ao que temos;
 
- a importância da ação social e política dos cristãos e das cristãs que, como cidadã(o)s, se sentem corresponsáveis na luta por uma nova sociedade, inspirada no Evangelho.
 
Importa lembrar que tivemos aí, apenas a abertura. Como se pode perceber pela Programação, os debates prosseguiram no sábado, inclusive com a participação de outros protagonistas dos Direitos Humanos de Souza e de outras áreas, a exemplo da figura do Dep. Luiz Couto, que tem priorizado em mandato a defesa e a promoção dos Direitos Humanos.
 
Por último, destaco a grande preocupação dos participantes em assegurarem passos de encaminhamentos concretos.
 
II. Curso de Realidade Brasileira (VI Módulo), no Assentamento Bartolomeu, no município de Bonito de Santa Fé - PB - Tema: Teologia da Libertação e Educação Popular 
 
Por volta das 4h30, despertei com a ainda leve claridade da madrugada sertaneja. Pouco antes das 5 horas, escuto passos na sala da casa: eram os do Pastor Luciano, a me chamar para apreciarmos o alvorecer sertanejo. Pouco depois, chega Rubens, da CPT do Sertão (Cajazeiras e redondezas), para me apanhar, de carro, com destino a Cajazeiras. De Souza a Cajazeiras, lá estava a Lua cheia a nos acompanhar. Ao chegarmos à sede da CPT, os participantes do Módulo VI do CRB, que já haviam trabalhado desde a sexta-feira à noite, assistindo ao filme "Anel de Tucum" (e debatendo-o), estavam começando a acordar, para seguirmos, de ônibus, até ao Assentamento Bartolomeu, no município de Bonito de Santa Fé. 
 
Após uma hora e meia de viagem de ônibus, serra acima, chegamos ao Assentamento Bartolomeu, onde fomos calorosamente recebidos por seu Zé Félix, Dona Joana e família. Seu Zé Félix é uma figura emblemática de camponês, com uma sabedoria de vida e de trabalho que a todos nos toca. Dona Joana, em sua discrição, dizia-nos algo assim: "Toda vez que vem gente assim para aqui, eu sinto como sendo minha família ampliada."   Seu Zé Félix, por seu lado, era todo entusiasmo, sempre a dizer da satisfação com o  seu trabalho, com a rica diversidade de suas plantações. "Me levanto às 3 da madrugada, para aguar as plantinhas". Cultiva uma notável variedade de hortaliças e frutas, de modo rigorosamente agroecológico, produção que vende semanalmente, na feira em Cajazeiras. "O que seu Zé vende na feira não dá para quem quer, tal a procura por suas hortaliças e produtos agroecológicos", diz Antônio Cleides, da coordenação da CPT do Sertão.
 
Coube ao próprio Cleides, com outros membros da Equipe, preparar e coordenar a Mística com que foi iniciado o VI Módulo. Uma bela música latino-americana, de Zé Vicente, para favorecer a entrada num clima de reflexão, todos reunidos sob a generosa sombra de Nim (uma abençoada árvore originária da Índia, que combate pragas e doenças para as plantas, os animais e os humanos), ao redor de um cenário de rica simbologia, incluindo bandeiras de alguns movimentos e outros signos, também a Bíblia. Havia, ainda, umas vinte fotos de personagens de referência. Fotos que estavam postas viradas sobre o pano do cenário. Quem se sentisse tocado por uma delas (sem saber de quem se tratava, pois as fotos estavam viradas) ia e descobria a foto, apanhava-a e a mostrava para todos, fazendo um comentário sobre a mesma figura. Eram fotos de Zumbi, de Antônio Conselheiro, de Emiliano Zapata, de Gandhi, de Che Guevara, de Lamarca, de Elizabeth Teixeira, de Chico Mendes, de Pe. Josimo Tavares, de Irmã Dorothy...
 
Passou-se a uma rodada de apresentações (nome, lugar, atividades). Impactante a vasta diversidade dos presentes: em gênero, procedência, idade, escolaridade, etc.
 
Com relação à temática, começou-se por uma reflexão sobre a Teologia da Libertação, envolvendo aspectos tais como: o contexto histórico do seu surgimento, sua marca de latino-americanidade, a efervescência de Medellín (1968), com a opção pelos pobres, depois reafirmada em Puebla (1979), na expansão das CEBs, nas origens das Pastorais Sociais (CIMI< CPT< CPO, MER, ACR, PJMP, CEBI e outras expressões da chamada "Igreja na Base"); figuras da primeira geração de teólogos da libertação (Comblin, Rubem Alves, Juan Luis Segundo, Gustavo Gutiérrez...) e das gerações seguintes; características da elaboração teológica da TdL (as chamadas mediações: sócio-analítica, mediação hermenêutica, mediação práxica); os desafios suscitados pela TdL, sobretudo no âmbito macro-social, razão porque se monta uma forte estratégia de desmonte das forças da Igreja dos Pobres, sobretudo a partir do pontificado de João Paulo II; a estratégia de desmonte ao interno da Igreja (punição dos teólogos da libertação, controle sobre a CNBB e sobre os bispos simpáticos da TdL; nomeação e transferência de bispos; intervenção na CRB; fechamento de Institutos simpatizantes da TdL, a exemplo do Instituto de Teologia de Recife; repreensão contra os padres que ajudavam a gestão da sociedade nicaraguense; apoio aos movimentos conservadores, etc., etc.
 
 Nem é preciso dizer que o tema era trabalhado em mutirão, alternando-se exposição provocativa e questionamentos e diálogos dos participantes.
 
Após um saboroso almoço, bem preparado pela família de seu Zé Félix ("Olhem, são coisas produzidas aqui mesmo..."), e após percorrer um pouco da riqueza daquela gente, suas plantações, seus pequenos animais, sua tecnologia de convivência com o semiárido, os trabalhos recomeçaram, agora tratando da Educação Popular, na perspectiva freireana. Aqui se seguiu um roteiro que incluía, entre outros elementos: os sentidos de Educação; Educação Popular, em diferentes acepções. O predomínio do conceito de EP como uma educação a serviço do Mercado; até chegarmos ao conceito freireano/marxiano de EP. tendo sido trabahadas várias de suas características: consciência do inacabamento do ser humano; sua relacionalidade; importância de se promover o protagonismo de todos; aprimoramento da capacidade perceptiva; importância de trabalhar a memória histórica das lutas e das figuras de referência; primado da prática como critério de verdade; speração da dicotomia trabalho intelectual - trabalho manual; o sentido humanizador das artes no processo formativo; uso de múltiplas linguagens; dimensão docente do discente e vice-versa; mecanismo da rotatividade ou da alternância de cargos e funções; a importância da Utopia no processo formtivo; a necessidade de se ousar ensaiar uma formação omnilateral (abrangendo as mais distintas dimensões: gênero, classe, etnia, geração, espacialidade, dimensão cósmica, subjetividade, dimensão política, dimensão do Sagrado...
 
Ficou acordado que os textos de apoio dos temas expostos no sábado seriam trabalhados no domingo, em pequenos grupos e com a socialização das reflexões feitas, nos pequenos grupos.
 
Foram, em breve, duas experiências auspiciosas vivenciadas, em mutirão, junto aos jovens do meio popular e as comunidades, tanto em Souza quanto no Assentamento Bartolomeu, em Bonito de Santa Fé.
 
Cordialmente,
 
Alder