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COMUNIDADES CRISTÃS E CORPOS POLÍTICOS, EM DIÁLOGO; À LUZ DO MOVIMENTO DE JESUS

( 11a Semana Teológica Pe. José Comblin, em 2021. Texto provisório e certamente incompleto).

 

Hermínio Canova

1. As Comunidades Cristãs.

Quanto às Comunidades Cristãs ou Grupos de Jesus entendemos e tomamos como primeira referência: o grupo dos apóstolos ( comunidade itinerante de Jesus), e o grupo das mulheres que também seguiam Jesus e ajudavam na manutenção e na sobrevivência do grupo itinerante e missionário.

Outras referências, ainda no tempo de Jesus, são: a comunidade que se reunia na casa de Pedro, em Cafarnaum e também a comunidade que se reunia na casa da líder e animadora Marta, em Betânia, nos arredores de Jerusalém.

Outra referência neste tema é a experiência das Comunidades ainda nos tempos apostólicos, comunidades anteriores ás igrejas, que nasceram e se espalharam na Síria e nas costas do mar Mediterrâneo, no período considerado aproximadamente do primeiro século, dos anos 30 até os anos 80 ou 90.

Uma outra referência, para este estudo sobre as comunidades cristãs, é a experiência, muito mais recente, nestes últimos 50 anos, das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil e na América Latina.

 

2. Os corpos políticos.

 

E quando falamos em ‘Corpos Políticos` entendemos os grupos que na sociedade estruturada e dinâmica do capitalismo sofrem marginalização, discriminação e vulnerabilidade, mas que lutam pela liberdade e pela afirmação de sua identidade ou por políticas públicas alternativas e de integração social. São os grupos agregados aos movimentos sociais, grupos de Gênero e de Mulheres, etnias, comunidades de quilombolas e de afrodescendentes, comunidades de favelados, grupos de LGBT, mulheres vítimas da prostituição e do tráfico, grupos do povo de rua.

 

3. Como as Comunidades Cristãs vem se aproximando, hoje, a estes grupos que vivem numa situação de vulnerabilidade e são considerados, de modo injustificável, de pouca relevância sócio-política? Como estes grupos são incorporados ou não às comunidades cristãs? Como estes grupos, muitas vezes chamados de minorias, mas que na verdade às vezes são maiorias, importam para as comunidades das igrejas de hoje?

 

4. Corpos Políticos é uma formulação relativamente nova, juntando duas palavras antigas, corpo e política. Corpo como um conjunto de órgãos e membros que vivem uma unidade vital, e política que remete necessariamente ao conceito de poder. Portanto pensar logo como empoderar estes grupos socialmente fragilizados, como dialogar com eles, como valorizar e promover a capacidade de protagonismo destes grupos que na sociedade são considerados como inferiores, incapazes, e no final, muitas vezes, são contemplados como destinatários de ações meramente assistenciais?

 

 5. A prática de Jesus.

 

Jesus quis formar “comunidade” exatamente com aqueles que eram excluídos da comunidade ou que eram desconsiderados do ponto de vista religioso. Na sua mensagem , e mais ainda na sua ação concreta, Jesus deixa claro que não reconhece delimitações e desclassificações de caráter religioso-social. O Reino de Deus não tolera classes e, em princípio, está aberto para todas as pessoas. Jesus se dirigia aos ricos e aos pobres, às pessoas cultas e às incultas, à população rural da Galiléia e à população urbana de Jerusalém, aos que tem saúde e aos doentes, aos justos e aos pecadores. Mas podemos afirmar que Jesus tomou partido em favor dos pobres, dos famintos, dos que choram, dos que estão sobrecarregados, dos doentes, dos pecadores, dos cobradores de impostos, das prostitutas, dos samaritanos, das mulheres, das crianças, e fez isso porque a sociedade do seu tempo negava a estes grupos a igualdade e até a convivência.

 

 6. Na obra de José Comblin.

 

Nos ajuda nesta memória da mensagem e da prática de Jesus, a reflexão deste teólogo, sobretudo nas paginas de 251 a 260 do livro póstumo (O Espírito Santo e a Tradição de Jesus). A missão de Jesus refere-se fundamentalmente aos doentes e aos pecadores, diz Comblin. O Espírito Santo inspira Jesus a curar os doentes e a perdoar os pecados. Mas de que pecado se trata? Quem são todos estes pecadores que encontramos nos evangelhos?

Os “pecadores” eram párias sociais. As pessoas, que por qualquer motivo se desviasse da lei e dos costumes tradicionais da classe média (os educados e os virtuosos, os escribas e os fariseus), eram tratadas como inferiores, como classe baixa, como pecadores. No tempo de Jesus, os pecadores eram uma classe social bem definida, a classe social dos pobres no sentido amplo. Estavam incluídos aqueles que tinham profissões pecaminosas ou impuras: prostitutas, coletores de impostos (publicanos), ladrões, pastores de rebanhos, usurários e jogadores. A categoria dos pecadores incluía também os que não pagavam o dízimo aos sacerdotes e os que eram negligentes na observância do repouso do sábado e da pureza ritual.

Não havia praticamente saída alguma para o pecador e a pecadora. Na teoria a prostituta podia se tornar pura novamente por meio de um complicado processo de arrependimento, purificação e reparação. Mas isso custava dinheiro, e seu dinheiro mal ganho não podia ser usado para esse fim. Seu dinheiro era corrompido e impuro.

Diante deste quadro, Jesus perdoava. Perdoou à prostituta que regou seus pés com as lágrimas, perdoou ao paralítico curado da enfermidade. Substituiu a tradição religiosa eclesiástica com a Tradição evangélica. Denunciando toda forma de opressão e discriminação, Jesus entra em conflito com as autoridades religiosas do seu povo.

 

 7. As Comunidades do Movimento, no primeiro século.

 

Neste período, sobretudo dos anos 30 aos anos 80, aparece a experiência originária e original das comunidades, fundadas na área do mar Mediterrâneo, nos territórios do império romano. Foram os apóstolos os grandes fundadores, mas também Paulo, Maria Madalena, Priscila, Timóteo, Febe, Tecla, Barnabé, e outros e outras. Nas comunidades encontrava-se gente pobre, trabalhadores , escravos, mulheres, pequenos comerciantes que se reuniam nas casas para a oração e a partilha do pão. Não faltavam pessoas de classe alta convertidas a Cristo, decididas de pertencer ao Movimento e que muitas vezes colocavam seus bens a serviço do grupo e dos pobres. Na cidade de Roma, capital do mundo de então, constituída por um luxuoso centro imperial rodeado de favelas e de habitações dos escravos, foi notável a experiência das Matronas romanas , mulheres da classe alta, convertidas a Cristo, que ajudavam os pobres e os acolhiam, em tempo de liberdade, em suas amplas casas para as reuniões de oração e para a celebração da partilha do Pão. Em tempos de perseguição, todos deviam frequentar (!) as catacumbas. Na comunidade de Corinto, na Grécia, prevaleciam representantes da classe trabalhadora que ganhavam o pão no trabalho pesado do porto. Em Filipos, um grupo de lavadeiras se reuniam para a oração na casa de Lídia, comerciante de tecidos.

O Movimento de Jesus não tolerava classes e era aberto a todos que na fé em Jesus optavam pela partilha no amor fraterno. Representantes da classe média, mestres e filósofos, tinham entrado nas comunidades do Movimento. Lembramos que já no grupo de Jesus estava Joana, esposa de um alto funcionário da corte do rei Herodes e que ajudava e acompanhava fielmente o grupo de Jesus. No período das comunidades dos primórdios, se destacava o romano intelectual Justino, que convertido se tornou um importante filosofo cristão. Nestas Comunidades dos primeiros tempos, não faltavam conflitos internos, discussões entre grupos de cultura e de classe diferentes. A famosa Comunidade de Corinto, que nas reuniões tolerava que gente abastada comesse bem e gente pobre comesse pouco ou nada, recebeu de Paulo uma dura e merecida repreensão!

 

  8. “CEBs ontem e hoje” .

 

É este o título do relevante trabalho, publicado em livro, de Elenilson Delmiro Santos, de João Pessoa (PB). Ele acrescentou ao título: “ascenção, declínio e reinvenção”, para contar a história da CEBs nestes últimos 50 anos e para refletir sobre ela com pesquisa e aprofundamento acadêmico. Das CEBs dos anos de 1970 e começo dos anos de 1980, até a pergunta sobre a possibilidade do papa Francisco propor novamente uma Igreja de comunidades e na opção pelos pobres: é esta a trajetória do livro de Elenilson. Nos anos de 1970, as Comunidades Eclesiais de Base, Comunidades do primeiro amor!, se espalhavam e cresciam no meio popular, no campo e na cidade, com um bom acompanhamento de assessores/teólogos , com muita formação dos animadores e animadoras, e com o apoio de bispos como dom José Maria Pires que convidava a Igreja a caminhar “do centro para as margens”, como ele dizia. Era o tempo da aplicação ou melhor da reinvenção do Concílio Vaticano II em América Latina. “O conceito de Povo de Deus (definição surpreendente decidida naquele Concílio) fornecia a porta de entrada para uma Igreja dos pobres (na América Latina)…..e depois do Vaticano II, foram criadas as condições para que houvesse um florescimento das comunidades eclesiais de base (CEBs) tanto na África quanto na América Latina, com o apoio de Medellin” .(afirmação de José Comblin).

A leitura do livro de Elenilson acalma nossa sede de conhecimento profundo da saga das CEBs no Brasil, do seu crescimento, da crise e da oposição sofrida dentro da Igreja, como também da sua reinterpretação e sobrevivência até os dias de hoje.

 

9. Algumas conclusões.

 

É bom notar que nas Comunidades do tempo apostólico (primeiro século) não se tratava de buscar um diálogo com os grupos marginalizados e vulneráveis; não se tratava de diálogo, pois algo mais profundo e radical estava acontecendo. Os pobres se reuniam em comunidades que formavam o Movimento, ajudados por alguém que tinha mais possibilidade econômica e social, e que garantia alguma ajuda e proteção. As próprias Comunidades eram “ corpos políticos”, grupos às margens da sociedade, grupos vulneráveis e muitas vezes terrivelmente discriminados e perseguidos. Também não me parece que tenha sido, naquele tempo, uma experiência de um pauperismo radical ou de uma religião fundamentalista. Talvez a chave de leitura do Cristianismo originário vivido naquelas primeiras Comunidades seja a “marginalidade”, não a marginalização; marginalidade que levou aqueles grupos cristãos a imaginar novas práticas, novas relações, novas identidades e valores. Um estudo mais critico do cristianismo das origens coloca sérios desafios ao nosso cristianismo de hoje.

 

Hoje, muitas igrejas e comunidades estão fechadas aos pobres, realizam cultos e cobram dízimos, e muitas aderem ao fundamentalismo político. A sociedade atual é profundamente desigual, e os corpos políticos, em quanto grupos vulneráveis, buscam direitos e respeito, sob o olhar irado das elites políticas.

 

10. Perguntas para as Comunidades e os grupos Cristãos de hoje.

 

- as Comunidades Cristãs são capazes, hoje, de dialogar com estes Corpos Políticos?

 

- as Comunidades e os Grupos Cristãos, perderam a capacidade de serem “fermento na massa”?

 

- estes grupos políticos vulneráveis, muitas vezes, carregam notáveis valores de humanidade, de solidariedade e de partilha do necessário. “Estão” no Caminho, pois vivenciam os valores do Reino.

 

- desejo ou sonho de muitos cristãos é de evangelizar ou cristianizar estes Corpos; ou será que são eles que devem se deixarem evangelizar por estes Corpos Políticos? A pergunta penetra fundo em nós: estamos falhando de ser cristãos?

 

 

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