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ODE A DOM FRANCISCO: O PROFETA DO PAJEÚ

Genildo Santana


Ele não foi só Sacerdote, b
ispo a serviço da Igreja Católica. Ele foi pai, amigo e irmão do povo do Pajeú. Pajeú é uma microrregião do sertão pernambucano, limítrofe com a Paraíba, composta por mais de 20 cidades.

Não foi só doutrinador catequético. Sua preocupação pastoral não era unicamente apologeta do cristianismo. Não buscou tão somente converter pessoas à igreja católica. Sua atuação e seu pastoreio foram impulsionados por princípios outros. Ele foi um conselheiro, um questionador da sociedade desigual, um crítico da política injusta que reinava e que ainda reina nesse pedaço de chão, assim como em outros lugares. Ele não se preocupou unicamente em evangelizar. Ele defendeu o povo do Pajeú. Defendeu, por 40 anos, a dignidade do Ser Humano. Sua defesa ao povo do Pajeú atingiu o ápice ao apoiar os saques em rede nacional de televisão, no ano de 1993, construindo assim um belo capítulo da igreja local, uma vez que pior seria morrer de fome.

Durante 40 anos. Por 04 décadas fez sua voz ser ouvida, nas Igrejas, nos debates, nos sermões e através do programa A NOSSA PALAVRA da Rádio Pajeú. De 1962, quando eleito bispo até 2022 quando apresentou sua carta de renúncia, ele viveu em prol de um povo sofrido, perseguido, explorado, negado em seus direitos e em sua dignidade. Preocupou-se com a qualidade de vida do povo do Pajeú: sindicatos, bancos, eletricidade, frentes de emergência, estradas para o seu povo, todos tem a sua marca no Pajeú.

Falo de Dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho. Filho mesmo ele era de Reriutuba, no Ceará. Mas aqui no Pajeú se fez filho para ser seu pai. A confiança deste povo nele era tanta, que enviavam, de São Paulo ou do Rio de Janeiro, cartas para os familiares aos cuidados de Dom Francisco. Em seu programa, de audiência geral, comunicava aos familiares que tinha em mãos cartas de parentes.

Desafiado, fez direito e se tornou advogado pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Na formatura teve por padrinho Dom Helder Câmara, então proibido pelos militares de aparições públicas. O receio de Reitores, de colegas estudantes, parentes, se transformou na maior ovação vista naquele prédio do saber, com aplausos efusivos, calorosos e vibrantes quando da entrada dos dois bispos na cerimônia de recebimento de diploma. Advogado, advogou, ao lado do pastoreio ministerial, as causas dos pobres em conflitos com os ricos. Quem não podia constituir advogado tinha nele um defensor. E orgulhava-se em dizer que conhecia tanto a lei dos homens quanto a lei de Deus.

Ao lado de Dom José Maria Pires, Arcebispo da Paraíba e de Dom Helder Câmara, expulsou o gado da Fazenda Alagamar, na Paraíba. Momento histórico e de coragem dos pastores bispos. Fotos mostram três bispos enfrentado policiais, jagunços e fazendeiros. Mais um belo capítulo da igreja do nordeste. A Cantata de Alagamar que o diga e cante seus feitos.

Visto com desconfiança pela ditadura civil-midiática-militar, teve muitos dos seus sermões gravados pela polícia, além de um dossiê do SNI completo sobre ele. Era vigiado de perto. De têmpera, não se curvava a político algum e se orgulhava em dizer que enfrentou seis Generais.

Como profeta, na acepção teológica/histórica da palavra, dizia, não o que o Rei precisava ouvir, mas o que Deus queria que fosse dito, conforme os profetas bíblicos. Dizia, assim, não o que os políticos queriam ouvir, mas o que precisavam ouvir. Eu mesmo, e muitos dos meus semelhantes, testemunhamos momentos assim. Era PROFETA, no sentido Bíblico – Teológico da palavra. O verdadeiro Profeta fala o que Deus quer e não o que o Rei quer.

Que diferença em relação aos dias atuais e aos sermões atuais, dos pastores atuais, que pouco ou nada dizem – e fazem, por sinal.

Intelectual de primeira categoria, dominava a Língua Portuguesa como poucos, (poucos, como Zé Rabelo de São José do Egito). Assim como dominava a Teologia e a Filosofia. Uma das suas principais características era justamente a capacidade de raciocínio. E de humildade. Sabia falar com doutores universitários, com poderosos, assim como com incultos agricultores dos rincões sertanejos. Sabia se fazer entender por todos.

Teólogo e bispo, não se deteve a tendências teológicas. Não se enquadrava nas categorias de conservador ou de teólogo da libertação. O Concílio Vaticano II ouviu um jovem bispo defender o diaconato permanente. No mesmo Concílio foi signatário do famoso Pacto das Catacumbas. E levou a sério, na prática, o pacto ali celebrado. Vivia em simplicidade, transformando sua casa no refúgio de todos quanto o procuravam.

Ele construiu uma diocese tão nova. A ela dedicou todo seu pastoreio. Não era carreirista, não almejava “subir na vida”. Foi eleito bispo para a diocese de Afogados da Ingazeira e nela ficou até morrer. Ordenou boa parte dos sacerdotes atuais.

Nos períodos de seca, clamava com o povo. Distribuía feiras sem olhar para a religião de ninguém. E foi em Rede Nacional de Televisão que defendeu os saques às feiras, em nome da vida. O que lhe rendeu críticas e perseguição por parte de uma elite conservadora.

Amou e foi amado. Faleceu aos 07 de outubro de 2006. Seu velório e sepultamento foram páginas marcantes da história da cidade e da diocese de Afogados da Ingazeira. Viu-se ali – e eu vi também – um povo simples, pobre, chorando a orfandade do seu protetor e amigo. Em meio a uma multidão pranteada, eu, naquele triste dia, aos prantos, uni meus prantos aos de Padre Edilberto, num abraço de dor. Sua voz trêmula ainda me disse:

- Perdemos nosso profeta! 

Um homem e Bispo que não pode ser esquecido pelo povo e pela Igreja, principalmente pela Diocese de Afogados da Ingazeira. Não esquecido em nossos gestos, em nossa postura e em nossos sentimentos verdadeiramente cristãos. Eis o modo de não esquecê-lo: fazer como ele ensinou. Quem ainda se lembra e faz? Seja no clero, seja no laicato, ele deve ser lembrado, principalmente em tempos como os que vivemos.

Ele foi o mais coerente e verdadeiro homem público dentre todos os homens públicos que o Pajeú já viu e vê ainda.

Quando da sua morte, expressei em versos, o sentimento de uma região. Versos que compõem as últimas páginas do livro Dom Francisco: O Profeta do Sertão, do poeta, escritor e amigo, hoje prefeito de Afogados da Ingazeira, Alessandro Palmeira. Ei-los:

 

PAI, PASTOR E PROFETA

 

DURANTE QUARENTA ANOS

DOM CHICO FOI O PAJÉ,

A BÚSSOLA NO MAR DA FÉ

A GUIAR OS NOSSOS PLANOS,

DE JOVENS E DE DECANOS

SUA CASA ERA REPLETA,

TINHA A FORTALEZA RETA

DE UM PÉ DE MANDACARU

E DOM CHICO NO PAJEÚ

FOI PAI, PASTOR E PROFETA.

UM AR DE HOMEM TRANQUILO,

INDIGNADO ERA VALENTE

E, POR MAIS QUE OUTRO TENTE,

NÃO VAI SUBSTITUÍ-LO,

PORQUE, QUEM QUISER SEGUI-LO

TEM QUE TER FÉ E AMOR,

TEM QUE SER BATALHADOR

E, ALÉM DESSA FORTALEZA,

TEM QUE SER PARA A POBREZA,

PROFETA, PAI E PASTOR.

 

NA SUA TEOLOGIA

HAVIA A LIBERTAÇÃO,

AMAVA O POBRE, O IRMÃO,

COMO AMAVA A LITURGIA,

CRITICAVA A HIPOCRISIA

DESSA POLÍTICA INCORRETA,

PASTOR DE ALMA INQUIETA,

UM PAI PARA OS SACERDOTES

E, ALÉM DE OUTROS DOTES,

TINHA O DOM DE SER PROFETA.

 

NOS LÁBIOS TINHA UM SORRISO,

TINHA TERNURA NO OLHAR,

QUEM SABIA BRONQUEAR,

ACARINHAVA QUANDO PRECISO,

GOSTAVA DO IMPROVISO

DE UM VATE CANTADOR,

MENSAGEIRO DO SENHOR,

ERGUEU ALTO SUA VOZ

E SOUBE SER, PARA NÓS,

PROFETA, PAI E PASTOR.

 

NÓS SENTIMOS A SAUDADE

DO NOSSO BISPO QUERIDO,

QUE, NO PAJEÚ, TEM SIDO,

A SANTA VOZ DA VERDADE,

MAS DE LÁ DA ETERNIDADE

OLHAR POR NÓS, SEMPRE VAI,

SUA LEMBRANÇA NÃO SAI

DA ALMA DO POVO SEU

QUE, ALÉM DO PASTOR, PERDEU

UM BOM PROFETA E UM PAI

 

 

Fontes:

Ingazeira, Diocese de Afogados da. Memórias Fecundas. Ed. Asa Branca. Afogados da Ingazeira, 2011.

Palmeira, Alessandro. Dom Francisco: O Profeta do Sertão. Personal Gráfica. Afogados da Ingazeira, 2009.

 

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