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Poemas de Helder Câmara: sonhar, acolher, perdoar sempre

Eduardo Hoornaert

Sonhar.

 

Na noite entre 22 e 23 de agosto de 1966, O Padre José inspira a Helder Camara uma série de poemas que tratam do ‘sonho acordado’.

 

Medi teu desalento

Ao ver-te desejar

Sono sem sonhos...

Saberás o que é sonho

Ou até agora

Só conheces pesadelos? (Carta Circular 22-23/8/1966, III, II, p. 144)

 

Quando permites

Que se abram fendas

Em todas as minhas cisternas,

Queres que eu não esqueça

O caminho da Fonte (ibidem, p. 144)

 

Sonhador?

Mas quem te assegura

Que o sonho

Não é

Não só

A parte mais bela da vida,

Mas a mais profunda,

A mais verdadeira,

A mais real? (p. 145).

 

Esperança sem risco

Não é esperança.

Esperança

É crer na aventura do Amor

Pular no escuro,

Confiando em Deus (p. 146).

 

Acolher.

 

Ao contemplar o famoso ícone ‘da Santíssima Trindade’, pintado pelo monge artista russo Andrei Rublev no final do século XV dC, o poeta Helder se sente inspirado:

 

Nos três peregrinos, Abraão,

Que passaram em tua porta,

Entreviste

Mensageiros divinos,

Ou, quem sabe,

Pressentiste

A Trindade Santíssima

Que o Filho do Homem

Revelaria aos homens.

Bastou isso

Para nos dar uma lição

De acolhida perfeita

Em que portas e corações

Se escancaram (Carta Circular 20-21/7/1974, VII, I, 171-172).

 

Perdoar sempre.

 

Ao mesmo tempo em que os grandes meios de comunicação, nos ‘anos de chumbo’, espalham por todo canto ódio ao ‘bispo vermelho’ e a tudo que ele representa, Helder redige um poema absolutamente inesperado, em que pede perdão...ao ódio.

 

Perdoa, ódio,

Ofendi-te

Imaginando-te

O anti-amor

O anti-Deus.

Faltou-me sensibilidade

Para descobrir

Que és amor.

Amor ferido,

machucado,

pesado,

revoltado,

mas amor (Carta Circular 14-15/3/1974, VII, I, p. 82).

 

O pessoal da igreja é tentado a condenar o regime militar que governa o Brasil, por causa das injustiças gritantes e das perseguições. Helder conversa a respeito com Deus e não teme em discordar do texto evangélico:

 

Mandaste que teus apóstolos,

Quando mal recebidos

Em uma cidade,

Sacudissem sobre ela

O pó das sandálias...

Perdoe,

Mas nem parece

Ensinamento teu.

Não repeliste

O desejo dos apóstolos

Em ver fogo do céu

Chover

Sobre uma cidade injusta?

Ensina-nos

A jamais

Perder a esperança

E a repelir

Até sombra de sombra

De qualquer desejo

De condenação (Carta Circular 4-5/5/1974, VII, I, p. 126).

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