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Em memória dos 100 anos de Padre José Comblin. Artigo de Ivone Gebara

"Recordar dos 100 anos de Comblin e festeja-lo é momento de agradecimento à Vida Maior pelos dons que recebemos através dele e pelas sementes que deixou e que seguem frutificando em muitos lugares do mundo".

O artigo é de Ivone Gebara, religiosa pertencente à Congregação das Irmãs de Nossa Senhora, é filósofa e teóloga. Ela lecionou durante quase 17 anos no Instituto Teológico do Recife – ITER. Dedica-se a escrever e a ministrar cursos e palestras, em diversos países do mundo, sobre hermenêuticas feministas, novas referências éticas e antropológicas e os fundamentos filosóficos e teológicos do discurso religioso.

Eis o artigo. 

O querido Padre José Comblin ou simplesmente Padre Zé para o povo nordestino, completaria no próximo 22 de março, 100 anos de vida. Nascido na Bélgica em 1923 e vindo para a América Latina em 1958, dedicou sua vida na formação de jovens cristãos de meio popular e de Institutos de Teologia tanto no Chile quanto no Brasil. Se fôssemos escrever sobre suas inúmeras atividades e seus inúmeros livros e cursos que ministrou ao longo de sua vida não haveria lugar nessa brevíssima memória.

Homem de rara lucidez e erudição, tímido e ao mesmo tempo afetuoso conseguia sentir-se à vontade entre os simples e especialmente entre muitas jovens mulheres. Acreditava que deveriam receber uma formação universitária especialmente teológica, mais apurada e crítica, para que a Igreja evoluísse de seu sexismo masculino estrutural. Nessa perspectiva, promoveu a formação de muitos grupos de mulheres de meio popular e meio universitário para obterem uma formação mais apurada e original. Muitas se tornaram professoras, doutoras, escritoras e ativistas em muitos lugares. Sou uma das privilegiadas de sua terna amizade e preocupação com o presente e o futuro da vida das mulheres. Através dele pude estudar na Universidade Católica de Louvain e tornar-me professora de teologia sistemática no Instituto de Teologia do Recife, lugar que ele ocupou por muitos anos.

Suas palestras, obras e comentários sobre a política eclesiástica continham sempre uma pitada de ironia que ajudava os ouvintes a desenvolverem um espírito crítico e a pensarem com mais acuidade as contradições presentes na história. Suscitava a dúvida em seus ouvintes, alunos/as e colegas convidando-nos sempre a ir mais além das teorias impostas, das certezas históricas tornadas clichês e de uma fé submissa ao dogma.

Insistia na dimensão ética do Evangelho resgatando sempre as possibilidades de tornar as ações de Jesus possíveis para o mundo de hoje. Sua teologia abriu muitos caminhos de compromisso social inclusive para grupos de classe média que bebiam não só de suas ideias, mas da coerência de sua vida. Sempre disposto a ajudar quem o solicitava e guardar contato com as pessoas sobretudo quando sentia que podiam transformar as sementes que as habitavam em cêntuplo. Estava atento, em especial, às lideranças no trabalho de estabelecimento de relações de justiça entre as pessoas e movimentos.

Grande amigo e colaborador de Dom Helder Câmara abriu espaços para uma teologia crítica e uma teologia popular, a ‘teologia da enxada’ mostrando a necessidade de começarmos por conhecer nossa vida pessoal e nossa história local para atuarmos sobre ela. Esse compromisso levou-o a enfrentar-se à censura da ditadura militar brasileira que o expulsou do país. Felizmente pode voltar e continuar seu frutuoso trabalho até o final de sua vida, sempre comprometido em mostrar que a esperança dos pobres está viva na luta cotidiana por um mundo melhor.

José Comblin e Dom Helder Câmara (Foto: Unicap)

Participou algumas vezes do grupo dos teólogos da Libertação muito embora sua teologia fosse mais ampla e abrangente tocando diferentes problemáticas sociais e políticas. Escreveu sobre vários problemas como por exemplo sobre a doutrina da segurança nacional brasileira, a espiritualidade, a teologia da cidade, a teologia da revolução mostrando os desafios que a sociedade lançava à transformação da teologia e do cristianismo.

Contribuiu nos últimos anos de sua vida também para a formação de pastores de diferentes Igrejas tecidas do protestantismo sublinhando a importância de um ecumenismo para além das divisões doutrinárias e um ecumenismo que visasse em primeiro lugar o bem dos mais pobres.

Em muitos lugares onde viveu e atuou sua memória continua viva e certamente é e será festejado por muitas/os que vivem de seus ensinamentos e da afetuosa lembrança que guardam dele.

Recordar dos 100 anos de Comblin e festejá-lo é momento de agradecimento à Vida Maior pelos dons que recebemos através dele e pelas sementes que deixou e que seguem frutificando em muitos lugares do mundo.

Obrigada querido Comblin!

Com carinho, gratidão, amizade e saudade,

Ivone Gebara

 

fonte: https://www.ihu.unisinos.br/627101-em-memoria-dos-100-anos-de-padre-jose-comblin-artigo-de-ivone-gebara

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