Alder Júlio Ferreira Calado
Como anunciada amplamente, realizou-se, em Santa Fé (Solânea-PB), entre os dias 24, 25 e 26 próximo-passados, a 3ª Romaria missionária (reeditada a cada cinco anos), com a participação de pessoas - a grande maioria, participantes das Escolas de Formação Missionária, espalhadas pelo Nordeste (Juazeiro-BA; Esperantina-PI; Santa Fé-PB; Floresta-PE; Barra-BA) e em São Félix do Araguaia -MT, a partir de sexta-feira dia 24 foram chegando as caravanas de romeiros e romeiras, todos envolvidos em uma ambiência de alegria, de esperança e de compromisso dispostos a contribuírem com a Equipe Organizadora nas diferentes tarefas organizativas (recepção, acolhida, inscrição, infraestrutura, comunicação, distribuição dos grupos, Liturgia, animação, entre outras).
No sábado dia 25, os participantes da III Romaria Missionária foram distribuídos em 8 grupos temáticos, inspirados nos principais livros escritos pelo Pe. José Comblin:
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Igreja Povo de deus, animado por João Batista, tendo Magal como secretária;
O Concílio Vaticano II teve como uma de suas principais contribuições recuperar o sentido “Povo de Deus” como referência maior da organização eclesial, em detrimento do exclusivismo da hierarquia como quase única referência dos processos decisórios da Igreja Católica Romana. Em que pese a lentidão de se fazer cumprir o lugar de Povo de Deus como a grande referência nas tomadas de decisão, vale lembrar que, sobretudo desde Medellín (1968), segue sendo considerável a consciência das Leigas e Leigos, em assumirem seu lugar nos processos decisórios da organização eclesial. Neste sentido, sobretudo a partir do Papa Francisco, alguns passos importantes (ainda que insuficientes) vêm sendo dados,tais como o sínodo da Amazônia, da Assembléia Eclesial e do Sínodo da Sinodalidade em curso.
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Missão e Igreja em saída, com a coordenação de Pe. Hermínio Canova, com a secretaria de Anunciada.
Em seu relatório, o grupo destacou aspectos decisivos da Exortação Apostólica a “Alegria do Evangelho”, primeiro documento que o Papa Francisco publicou, em 2013.Nele o Bispo de Roma, alem de ressaltar o dom da alegria como marca de todo discípulo/discípula de Jesus, convoca os cristões a porem em prática o que ele chama de uma “Igreja em saída”, ressaltando a necessidade de testemunhamos o Seguimento de Jesus, a partir da busca constante de servirmos os pobres, lá onde eles se encontram: nas periferias geográficas e existenciais, ao mesmo tempo em que lança duras críticas ao clericalismo.
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Os Pobres no centro do Evangelho, com a coordenação de Pe. Isaías e na secretaria Milena
Mediante uma metodologia criativa, cada pessoa do grupo foi convidado a expressar seu entendimento, por meio de um desenho do significado do tema trabalhado pelo grupo. Na leitura e socialização de cada desenho com muita criatividade, se pode destacar a centralidade do povo dos pobres, no Evangelho, seja por meio da denúncia as estruturas injustas que sufocam e marginalização os pobres, seja pelo anúncio e construção de uma base fraterna permitindo que todos tenham vida, e vida plena.
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A Ação do Espírito Santo com Monica coordenando e Marta na secretaria.
Dos temas trabalhados pelo Pe. José Comblin, foi o da ação do Espírito Santo, aquele que constitui sua melhor contribuição de teólogo, a medida que, seja em sua ação transformadora da sociedade, seja em sua atuação voltada para a Igreja, ao longo da história, o Espírito Santo cuida de rememorar o Projeto de Jesus, ao tempo em que não cessa de iluminar e animar os discípulos e discípulas a seguirem e a testemunharem os sinais da presença, entre nós, da presença do Reino de Deus e sua Justiça, para o que nos dá os meios de agirmos, com discernimento, em nosso dia-a-dia nesta perspectiva.
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Viver na Esperança, com a animação de Helvídio e a secretaria com Aline
Sempre com base no livro de Comblin, o tema contou com uma exposição inicial da parte de Helvídio seguido pela partilha de outras pessoas. A esperança constitui um tema recorrente na obra de Comblin. Apoiado por estudos bíblicos de profundidade, o Pe. José apresenta a experiência Evangélica com relevante fundamento da vida Cristã. Esperança que não se reduz a um mero esperar, mas constitui o horizonte cristão que anima os discípulos e discípulas de Jesus a seguirem firmes no seu caminho: caminho de libertação de todo tipo de correntes opressivas. Tema igualmente presente em livros tais como: “O Caminho: ensaio sobre o seguimento de Jesus” e em “A Profecia na Igreja”, entre outros.
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Seguindo o Caminho de Jesus, com Frei Roberto como coordenador e Valnice como secretária
Tal como outros temas, este também é especialmente desenvolvido em “O Caminho: ensaio sobre o seguimento de Jesus”, no qual Pe. José traz à tona instigante reflexão sobre as virtudes teologais (Esperança, Fé e Amor). É marcante a forma como Comblin se porta no desenvolvimento desses três capítulos, iniciando pelo da Esperança. Não é por acaso que este livro tem sido trabalhado coletivamente por diversos grupos. Cabe ainda, observar a feliz coincidência com um livro escrito por Frei Roberto (“Caminhando com Jesus”), no qual compartilha densas experiências missionárias, vivenciadas no meio dos pobres.
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Vocação para a Liberdade com coordenação de Ana Claudia e secretaria de Valberto
Os discípulos e discípulas de Jesus, em seu processo de humanização, são chamados a Liberdade, sem a qual a vida humana perde seu sentido. Nosso compromisso com a Liberdade se faz presente, no dia-a-dia, em cada gesto pessoal ou comunitário, em que não abrimos mão de nossa Liberdade, que implica respeito à liberdade dos outros, do Planeta e dos demais seres viventes, em sua vasta diversidade.
Não é por acaso que, no cotidiano de nossas Escolas de Formação Missionária, nos inspiram três princípios: o da convivência, o da oração e o do trabalho.
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O anúncio do Reino no mundo presente com Glaudemir coordenando e Paulinho secretariando
Diferentemente do que certa tradição clericalista nos orienta a fazer, o Seguimento de Jesus nos convoca a agir no mundo, e não dele nos distanciar, pois é pela nossa ação missionária que Jesus, por meio do Espírito Santo, nos instiga a construir o Reino de Deus e sua justiça desde o presente, inspirando-nos a semear sementes de uma nova humanidade, através de nossa ação de “fermento na massa”, afinal, como Ele próprio disse: "Não foram vocês que me escolheram, mas fui Eu quem os escolheu e os enviei, para que vocês deem fruto, e este fruto permaneça." (Jo 15,16).
Importa observar a estética adotada para a reunião de cada grupo, seja sob belas tendas, seja em outros espaços adequados, todos marcados por forte simbologia, além de uma fraterna animação.
Também por ocasião do almoço, preparado comunitariamente com muito carinho, pudemos experimentar um saudável espírito de comensalidade e partilha, ainda contando com a animação de uma equipe inspirada a apresentar belas músicas, com acompanhamento. Por volta das 14 horas, deu-se a continuidade dos trabalhos constantes da apresentação, por cada Grupo, com seu respectivo Coordenador/coordenadora e seu Relator/Relatora, fazendo um resumo do que foi trabalhado em cada grupo, tendo sido reservados 10 minutos para cada um.
Antes, porém, da apresentação de cada grupo, o Coordenador dos trabalhos da tarde, atendendo à solicitação de algumas pessoas, anunciou um momento de breves lançamentos de alguns escritos. Pe.Hermínio Canova, de posse de um exemplar do livro “O Espírito Santo e a Tradição de Jesus”, livro póstumo do Pe. José Comblin, recém publicado pela Editora Paulus, cuidou de fornecer relevantes elementos deste livro, considerado como um testamento espiritual e teológico do Pe. Comblin,texto que corresponde a terceira versão,da qual o Pe Hermínio é co-autor do prefácio. Em seguida, Pe.Hermínio informou aos presentes da organização em curso da XIII semana teológica Pe.José Comblin,sobre a qual outros detalhes podem ser encontrados no site teologianordeste.net
Adauto Guedes, organizador do livro “José Comblin, um guia de leitura”, elaborado por Eduardo Hoornaert e Alder Júlio, compartilhou os principais aspectos tratados neste livro, editado, na versão E-book, pela Universidade Estadual da Paraíba.Nele,importa ressaltar densa contribuição de Eduardo Hoornaert,profundo conhecedor da obra do Pe.Comblin Por sua vez, Pe. José Floren, conterrâneo e amigo de Pe. Comblin, apresentou ao público participante traços básicos de seu trabalho mais recente sobre o Pe. José Comblin.Pe Jose.Floren é um ardoroso colaborador do santuário de Santa Fé, do qual também foi Reitor, tendo reconhecido participação em alguns estudos sobre o Pe.Ibiapina. Foi a partir das reflexões feita nesses Grupos, bem como de cada relato apresentado, que Alder Júlio foi chamado a oferecer uma síntese dos trabalhos. Sua fala destacou diversos aspectos, focando em três palavras-chave:
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Memória, Compromisso e Esperança,tendo partido desta última.
Parte considerável dos livros de Comblin trabalha reiteradamente o tema “Esperança”, como a nos lembrar o horizonte da Tradição de Jesus, a ser constantemente testemunhado pelo seus discípulos e discípulas. Trata-se de manter sempre aceso o horizonte do Reino de Deus, bem como os caminhos compatíveis com este horizonte. Disto tem dado prova, ontem como hoje, proféticas experiências de figuras coletivas e individuais. Em seu livro “A Profecia na Igreja”, Pe José Comblin faz questão de dedicar um capítulo, fazendo memória de dez Bispos latino-americano que ele chama de “Santos Padres da América Latina”. Nesta lista ele inclui figuras como Dom Oscar Romero, Dom Helder Câmara, para mencionar apenas dois exemplos.
Em busca de mantermos acesso este horizonte do “esperançar”, somos chamados a assumir, a cada dia, o compromisso de continuar firmes nesta caminhada. Por meio da perseverança, somos interpelados pelo Evangelho a contribuirmos pessoal e comunitariamente com o anúncio da boa nova, especialmente pela força do testemunho. Neste sentido, somos fortemente inspirados pelo espírito do Ressuscitado a exercitar continuamente a memória coletiva e pessoal dos discípulos e discípulas do movimento de Jesus, de ontem (as Comunidades cristãs primitivas, João Crisóstomo, Basílio, Francisco de Assis, Clara de Assis os Valdenses, as Beguinas, Frei António de Montesinos, Frei Bartolomeu de Las Casas,Pe José Antônio Ibiapina), e de hoje (irmã Dorothy, Pe José Comblin e tantos outros).
A partir da fala de Alder Júlio, foi aberto um momento de diálogo, com as pessoas presentes fazendo comentários e questionamentos. Um desses questionamentos chamou especial atenção: João Batista, Frei Roberto e Glaudemir, cada qual à sua maneira, manifestaram preocupação, entre nós, de certa desarticulação. Em que pese a apresentação, nestes casos, de algum tipo de justificativa, somos todos chamados a fazer autocrítica de nossa parcela de responsabilidade, na perspectiva de nos mantermos firmes na caminhada.
A partir das 17 horas, com a coordenação de Luís Barros e João Batista, teve início a celebração litúrgica, em frente ao auditório.iniciou-se com a animação cultural oferecida pela Comunidade Carinhena dos crioulos forte momento de memória, por meio dos cantos e da ciranda,da resistência Quilombola. Com a relevante participação dos membros da Fraternidade do Discípulo Amado (João Batista, Claudemir, Luiz Barros), após a execução de hinos litúrgicos, diante da fogueira acesa, prenunciando a Ressurreição de Jesus, os participantes foram convidados a saírem em procissão até a Quadra, onde, presidida por Dom Frei Luiz Flávio Cappio, Bispo de Barra- BA, deu-se sequência a Concelebração Eucarística.
Vivíamos, na ocasião - festa da Anunciação de Maria, Mãe de Jesus - uma profunda experiência de Fé, bem presente em toda a sequência litúrgica, inclusive por meio dos cantos e de uma rica simbologia cuidadosamente preparada pela Equipe de Liturgia, animada por Luiz Barros.
Outro ponto marcante da celebração foi o da homilia feita por Frei Luiz Cappio, que testemunhou um profundo exercício de escuta e de partilha, ao longo da Romaria, acentuando a importância do testemunho perseverante do Evangelho pelos discípulos e discípulas do Seguimento de Jesus. Frei Luiz tratou de ressaltar, com ênfase, nossa missão de cuidar da Mãe Natureza, bem como compartilhar a homilia com outros concelebrantes. Um deles, Pe. Isaias, ao enfatizar a importância do agir, lembrou também o Pe. Ibiapina, para quem importa orar "com as mãos e os pés”, enquanto outro presbítero destacava a relevância do nosso cuidado em relação à emergência climática, com gestos concretos no dia-a-dia.
A Celebração Eucarística foi encerrada com a benção de Frei Luiz, que, antes de abençoar, generosamente houve por bem chamar duas pessoas com nula ou baixíssima visão, para se postarem ao seu lado, considerando o empenho de Eliseu e de Alder em se manterem firmes na caminhada com a graça de Deus. Os participantes voltaram ao refeitório para a partilha da ceia. Em seguida, algumas caravanas vindas de mais longe, tiveram que partir enquanto uma parte permaneceu até a manhã do dia seguinte.
Voltamos todos alegres e agradecidos ao Deus da Vida, por esses momentos abençoados, cada grupo retornando às suas respectivas comunidades: uns para Mato Grosso (São Félix do Araguaia), outras pessoas para o Piauí, outras pra Bahia (Juazeiro, Barra), outras para Sergipe (Propriá, Poço Redondo…), Alagoas, Pernambuco (Arcoverde, Recife, Petrolina...), Paraíba (Alagoa Grande, Guarabira, Solânea, Bayeux, Mamanguape, João Pessoa…), Rio Grande do Norte, Ceará, também agradecidos pela contribuição de tanta gente que não pôde estar fisicamente presente, além de outras pessoas da caminhada que já fizeram sua Páscoa definitiva. Ficamos mais fortalecidos e mais convictos de que “A Esperança dos pobres vence e renova a Vida”.
João Pessoa 31 de Março 2023.